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Fraude e ameaças nos locais de voto. Sétima paragem: Maricopa, o condado em que a democracia esteve em jogo |
A derrota não podia ter sido mais dura para Donald Trump. O Arizona é tipicamente republicano; em 70 anos, apenas o democrata Bill Clinton, na segunda vez que concorreu à Casa Branca em 1996, venceu. Al Gore, John Kerry, Barack Obama e Hillary Clinton perderam todos eles aquele Estado na fronteira com o México. Em 2020, contudo, a tendência alterou-se: Joe Biden conseguiu reconquistar o Arizona. O rival e ex-Presidente ficou bastante desagradado e declarou que tinha havido fraude. |
Não foi apenas no Arizona que Donald Trump duvidou dos resultados. Fez o mesmo na Geórgia, onde até está a ser julgado (e foi obrigado a tirar uma mugshot) por tentar reverter os resultados nas eleições presidenciais de 2020, num processo que está neste momento suspenso e que deverá ser retomado em dezembro. Com o aproximar do 5 de novembro de 2024 e com uma corrida bastante renhida com a adversária Kamala Harris, surgem dúvidas se o republicano não tentará fazer o mesmo, em caso de derrota. |
Na próxima terça-feira, os olhos de muitos vão estar postos no condado de Maricopa, no Arizona. Esta é, aliás, a sétima paragem do Observador pela Route 66. Aquele condado condensa cerca de 61% da população do Estado e integra a maior cidade e capital do Arizona, Phoenix. Em 2020, foram os votos de Maricopa que determinaram a vantagem para os democratas. Pela primeira vez desde 1948, o Partido Democrata venceu aquele condado, fundamental para ganhar o Arizona. A diferença foi pequena, ainda assim: 45 mil votos separaram os dois partidos. |
Perder o Arizona e perder um bastião republicano que influencia em grande medida o sentido de voto no colégio eleitoral daquele Estado. Foram estas as duas derrotas com as quais Donald Trump não soube lidar, reagindo horas depois de saírem as primeiras projeções que davam a vitória de Joe Biden no Estado. A reação veio nas redes sociais do outrora Presidente que pediu para que se parasse a “contagem” — e enviou essa mesma mensagem para os responsáveis oficiais da comissão eleitoral. Em Phoenix, alguns apoiantes republicanos manifestaram-se à porta de um local de voto. “Parem o roubo” e “contem os votos” eram os gritos que se ouviam. |
Os votos foram recontados à mão. No condado de Maricopa, o desfecho não se alterou: Joe Biden venceu. E o Arizona também. Em setembro de 2021, foi publicada uma auditoria independente elaborada por uma empresa privada contratada pelos republicanos que confirmava que os resultados apurados inicialmente eram “precisos”. Aliás, com a recontagem feita por esta empresa, Donald Trump até perdeu votos. |
Desde 2020 que o antigo Presidente se recusa a admitir publicamente que perdeu as presidenciais de há quatro anos. Acusou os democratas de terem levado a cabo esquemas fraudulentos para as vencerem, que nunca foram provados por nenhuma identidade independente. E isso contribuiu para a tensão a que se assistirá no dia das eleições deste ano. |
Este clima pré-eleitoral já está, aliás, a ser tenso. Vários responsáveis pela contagem de votos revelaram que estão a ser ameaçados. No condado de Maricopa, o republicano Stephen Richer assumiu, logo após as presidenciais de 2020, o cargo de verificador eleitoral. Numa entrevista à CBS News, relata que foi perseguido, apupado, foi acusado de traição e recebeu ameaças de morte. “Perdi a conta de quantas foram”, reconheceu, acrescentando que não foi o único a que isso aconteceu: “Também está a ocorrer com outros funcionários nas eleições”. |
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Em todo o país, os responsáveis pelas mesas de voto estão a sofrer várias pressões e existem riscos à sua segurança. O diretor do FBI, Christopher Wray, já se pronunciou sobre o assunto e considerou “incompreensível e inaceitável” que tal aconteça. “O FBI vai trabalhar incansavelmente para julgar e deter aqueles que são insensíveis o suficiente para fazer essas ameaças e garantir que sejam responsabilizados”. “Eleições livres, justas e seguras são essenciais para nosso país e para os nossos ideais democráticos.” |
Apesar do aviso do diretor do FBI, já existem mais de cem processos judiciais abertos nestas eleições nos chamados swing states — Carolina do Norte, Arizona, Nevada, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e a Geórgia. Quer para Donald Trump, quer para Kamala Harris a vitória nestes estados é essencial. A maioria das queixas é de republicanos que não querem replicar o desfecho das eleições de 2020, mas também há de democratas. |
Do lado dos republicanos, o argumento da vigia e das queixas sempre que algo corre mal é que o partido está “comprometido a defender a lei e a proteger todos os votos”. Num comunicado, Claire Zunk, porta-voz da Comissão Nacional Republicana para o esforço de integridade eleitoral, lembrou que o partido “se envolveu e ganhou um número recorde de batalhas legais”: “Parámos os esquemas dos democratas para desmantelar as salvaguardas eleitorais e vamos continuar a lutar por uma eleição transparente e justa para todos os norte-americanos”. |
Já os democratas frisam que estão “prontos para se revoltarem contra os ataques dos republicanos MAGA [Make America Great Again, slogan de Donald Trump] à democracia e os seus esforços para semear o caos nas nossas eleições, desde o local de voto até ao tribunal”. Num comunicado do porta-voz da Comissão Nacional Democrata, Alex Floyd, lê-se ainda que o Partido Democrata está munido de uma “proteção robusta” para estas eleições. |
Na Carolina do Norte, um estado que Donald Trump venceu em 2016 e em 2020 e que está numa situação de empate técnico nas sondagens, há reuniões por Zoom em que se treina os observadores republicanos. Jim Womack é o ‘treinador’ e instruiu alguns correligionários para serem “agressivos”: “O quão mais agressivo e assertivo se é a observar e a reportar, melhor é a qualidade da eleição”. |
É efetivamente entre os republicanos que existem mais dúvidas sobre o processo eleitoral. Uma sondagem publicada pela Maristpoll mostra que 86% dos republicanos estão preocupados com uma possível fraude, ao passo que apenas 33% dos democratas estão apreensivos com esse cenário. Globalmente, e incluindo os eleitores independentes, mais de metade (58%) dos norte-americanos estão “muito preocupados ou preocupados” com os problemas que podem surgir nos locais de voto. |
Sem um vencedor claro, existe uma grande atenção atualmente sobre o que se vai passar nos locais de voto no dia 5 de novembro. Incentivados por Donald Trump e pela sua ideia de que não perdeu as eleições de 2020, os republicanos vão estar particularmente atentos e não se inibem de pressionar aos responsáveis eleitorais. |
O que aconteceu esta semana? |
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- Trump reúne a nata republicana em Nova Iorque
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Cerca de 75 mil republicanos deslocaram-se a um comício de Donald Trump em Nova Iorque, no passado domingo. Tucker Carlson, Mike Johnson e até o famoso apresentador e médico Dr. Phil estiveram presentes no evento na Madison Square Garden, localizada naquele que é o Estado natal do magnata. |
No entanto, o evento ficou manchado pela intervenção de um comediante, Tony Hinchcliffe, que adjetivou Porto Rico como uma “ilha de lixo flutuante no meio do oceano”. O comentário mereceu várias críticas das comunidades latinas espalhadas pelos Estados Unidos e vários artistas latino-americanos — como Jennifer Lopez ou Bad Bunny — anunciaram o seu voto em Kamala Harris. |
Ainda assim, para Donald Trump, o comício em Nova Iorque foi uma “festa do amor”. “O amor naquela sala era de tirar o fôlego”, vincou, tendo-se ainda demarcado das palavras do comediante. |
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- Joe Biden votou antecipadamente — obviamente, em Kamala Harris
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O atual Presidente norte-americano já votou nestas eleições. De forma antecipada, Joe Biden deslocou-se ao seu estado natal, Delaware, para exercer o seu direito de voto. Anunciou, sem surpresas, que votou em Kamala Harris. E rejeitou que tenha sido um momento “amargo” o facto de não estar no boletim de voto. |
Questionado se acredita que Kamala Harris vai vencer as eleições, Joe Biden disse que “pensa” que sim e que a vice-presidente tornar-se-á a sua sucessora. |
No momento em que votou, Joe Biden ainda teve tempo para criticar Donald Trump e o seu evento em Nova Iorque, na Madison Square Garden: “Foi embaraçoso. Simplesmente embaraçoso. É abaixo do que qualquer Presidente costuma fazer, mas estamos habituados. É por isso que esta eleição é tão importante”. |