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Para que serve o Senado dos EUA? |
A relação entre um Presidente e o Senado poderá comparar-se à de um filho adolescente com os seus pais. |
O primeiros, munido de vontade própria, decide tomar o seu caminho: quer sair à noite; comprar umas calças; declarar guerra a outro país; ou escolher juízes para o Supremo Tribunal. Os segundos, sabendo que, muitas vezes, a decisão final é sua, podem criar barreiras: antes de darem luz verde à saída à noite querem saber quem são os amigos que também vão; lembram todas as calças em bom estado que ainda estão no roupeiro; querem perceber por que razão é melhor entrar nessa guerra do que tentar a paz; aprovam ou rejeitam quem entra no tribunal mais importante do país. |
Está bom de ver que, como qualquer um que já passou pela adolescência saberá — e também como qualquer pai de adolescentes entenderá —, nem sempre a relação entre o Presidente e o Senado é fácil. Até porque, neste caso, o filho adolescente é apenas um e os pais são 100, representando os interesses de 50 estados, da Califórnia ao Maine, da Flórida ao Alaska. |
É claro que nem sempre é uma relação de conflito, como ficou bem visível nos quatro anos de Donald Trump à frente da Casa Branca, durante os quais contou sempre com um Senado controlado por uma maioria republicana. Fazendo as contas aos números do FiveThirtyEight, os 63 republicanos que passaram pelo Senado durante a presidência de Trump votaram ao lado do Presidente em 89% das ocasiões. Mesmo dois ex-candidatos presidenciais republicanos conhecidos por criticá-lo estiveram com ele na maior parte das votações — falo de Mitt Romney, com um score de 80,5% e de John McCain, que morreu em 2018, nos 83%. |
Há exceções, como foi a do voto decisivo daquele mesmo John McCain em 2017 e que acabou por travar com o seu polegar a abolição do sistema de saúde criado por Barack Obama. Mas a verdade é que a regra é esta: quando um Presidente é da mesma cor que o Senado, a vida ser-lhe-á mais fácil. Nem é preciso recuar assim tanto para entendê-lo: Barack Obama não teve vida fácil a partir do momento em que a câmara alta foi para os republicanos. A promessa, aliás, já tinha sido feita antes disso, com o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, a dizer logo que o seu objetivo era “conseguir que o Presidente Obama seja um Presidente de um só mandato”. |
O desprezo era mútuo. No Jantar dos Correspondentes da Casa Branca de 2013, Barack Obama falou do Senado com o humor próprio daquele evento — mas também sem esconder o rancor que a aquela relação lhe causava. “Há gente que acha que eu não passo tempo suficiente no Congresso. ‘Porque é que não bebe um copo com Mitch McConnell’, perguntam-me. A sério?! ‘Porque é que não bebe um copo com Mitch McConnell?’?!”, insistiu, com uma voz exageradamente indignada no tom, mas com um conteúdo que diria de qualquer maneira. “Desculpem, às vezes fico frustrado.” |
No primeiro volume das suas memórias da Casa Branca, “Uma Terra Prometida”, Obama conta como fazia do então vice-Presidente Joe Biden o seu Cavalo de Tróia para negociar com o Congresso. “Um dos motivos por que escolhera Joe para agir como intermediário — para além da sua experiência no Senado e perspicácia legislativa — fora a noção que tinha de que, na mente de McConnell, as negociações com o vice-presidente não atiçavam a base republicana da mesma maneira que qualquer aparência de colaboração com Obama (socialista negro e muçulmano) atiçaria”, disse em alusão ao tratamento que recebia de alguns bastiões conservadores, do Senado à Fox News. |
Agora chegou a vez de Joe Biden preocupar-se com esta questão — e amanhã, 5 de janeiro, decide-se afinal que tipo de Senado é que o próximo Presidente dos EUA vai ter pela frente. Depois de as eleições para o Senado na Geórgia terem sido inconclusivas, a 3 de novembro, a votação vai ser novamente repetida esta terça-feira. |
Caso os republicanos ganhem um dos dois lugares, Biden terá de lidar com um Senado com uma maioria que lhe é contrária. Se os democratas ganharem as duas corridas, terá o sonho de qualquer Presidente: a Câmara dos Representantes e o Senado do seu lado. Ou, dito de outra forma, a felicidade de um adolescente que terá a casa só para si e que se prepara para chamar os amigos para uma festa. Convém, ainda assim, ter cuidado para não partir nada. |
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Histórias do passado de Joe Biden e Kamala Harris |
Chamaram-lhe a Cimeira da Cerveja — e fica na História como, entre outras coisas, talvez o primeiro de vários momentos em que a presença e imagem de Joe Biden foram úteis a Barack Obama durante a sua presidência. |
Tudo remonta a julho de 2017, quando a polícia parou e deteve Henry Louis Gates, professor afro-americano na Universidade de Harvard, à porta de sua casa. Henry Louis Gates estava com dificuldades em abrir a porta e a polícia tomou-o como um assaltante — e acabou por detê-lo quando este já estava dentro de casa, mas pelo crime de conduta desordeira. |
O caso levou a várias reações de ultraje, nomeadamente de Obama, que tinha sido aluno daquele professor de Direito. Quando chamado a falar sobre o assunto, disse, entre outras coisas, que “a polícia de Cambridge agiu de forma estúpida”. |
Seguiu-se nova onda de ultraje, desta vez contra Barack Obama, acusado de desrespeitar a polícia. Até o próprio agente responsável pela detenção, James Crowley, se juntou a esse coro. “Creio que ele está completamente fora de jogo ao entrar num assunto local sem conhecer todos os factos”, disse o agente na altura. |
Solução? A Casa Branca convidou o professor Henry Louis Gates e o polícia James Crowley. E a forma encontrada ficou célebre: uma caneca de cerveja para cada um deles, acompanhados de Barack Obama — e Joe Biden, pois. À altura, muitos perguntaram o que é que o vice-Presidente estava ali a fazer. A resposta, mais de 10 anos depois, parece evidente: garantir que aquele encontro não fosse visto como um sermão do professor negro de Harvard e do Presidente afro-americano ao polícia branco. |
No fundo, Biden serviu para acalmar a fervura — deitando-lhe água, ou cerveja, para cima. |
Margaret Lanca, neuropsicóloga. “Há uma relação direta entre o stress político e a saúde mental da população” |
Margaret Lanca nasceu no Canadá, mais propriamente em Montreal, numa família que perdeu a cedilha no apelido quando decidiu sair de Aljustrel, no distrito de Beja, para o outro lado do Oceano Atlântico. É fluente em português (“mas é só português de praia, quando a conversa fica mais intelectual prefiro sempre falar em inglês”, avisa num arranque de conversa totalmente em português) e estudou nos EUA no campo onde veio a tornar-se numa voz importante: a saúde mental. Hoje é neuropsicóloga na zona de Boston e investigadora em Harvard. Nas consultas que dá e na investigação que tem feito, chega invariavelmente à mesma conclusão: a saúde mental dos norte-americanos não está bem e a política é a principal razão por trás disso. E, por cima de tudo isso, a pandemia. |
O CDC diz que entre o início de abril e o final de maio havia 30,8% de americanos com ansiedade e no final de novembro e início de dezembro já contava 36,1%. Na depressão, a evolução é semelhante: de 23,5% subiu para 28,9%. É seguro dizer que estas subidas se devem à pandemia?
Não conheço esses números, mas eles apontam para a crise de saúde mental neste país. Certamente que a pandemia exacerbou as causas por trás dos problemas de saúde mental. Há pelo menos duas outras questões que contribuem para esta situação: a primeira é stress político e a segunda é stress racial. As desigualdades raciais são a segunda pandemia neste país e isto tem sido muito perturbante — tanto para grupos sub-representados como para os americanos brancos. Isto ganhou importância com a morte de George Floyd, mas esta é uma situação que foi ampliada nos últimos quatro anos da política neste país. Por isso, sobre esses números, diria que há stress da Covid-19, mas o stress político e racial também contribuiu. |
O que pensa sobre as possíveis consequências a nível da saúde mental na sociedade norte-americana do debate político que marcou as eleições e ainda perdura? Estamos a falar de uma sociedade onde, nos últimos tempos, os dois lados pouco ou nada dialogam.
Há uma relação direta entre o stress político e a saúde mental da população, no sentido em que esta administração quebrou tão radicalmente com as normas políticas e partiu numa direção que vai para lá da maioria das opiniões. Foi um abanão, mesmo para quem apoiou esta administração. |
Diria que o problema é o Presidente Donald Trump ou alargaria a questão à sociedade? É que o debate político já era bastante aceso nos anos que antecederam o surgimento político do atual Presidente.
Ele próprio está ligado a um bom número de variáveis, tal como o seu partido, que serviu para ampliar a sua mensagem. Mas concordo com o que diz: a situação já se encaminhava para esta direção ainda antes das eleições de 2016. Também é justo apontar para as redes sociais e referir a radicalização das opiniões, o que a nível de saúde mental causa um stress enorme nas pessoas. Embora se sintam bem dentro da sua bolha, assim que saem dela fica tudo mais difícil. |
Para lá das redes sociais, há a televisão. Muitos canais são acima de tudo câmaras de ressonância: a Fox News, a CNN, a MSNBC… Isto também contribui para esse stress?
Absolutamente. Até excede as televisões e chega aos media em geral. Cada uma surge com uma determinada perspetiva sobre os temas, o que leva as pessoas a agirem como seguidores de um meio de comunicação social por oposição a outro. Isto acaba por criar bolhas independentes, o que impossibilita que se chegue a um meio-termo. |
Será possível a uma administração de Joe Biden “curar as feridas”, como ele próprio tem prometido?
As pessoas têm esperança nisso. Claro que há muitas pessoas que oferecem grande resistência à administração que se segue, o que será uma barreira difícil de ultrapassar. O tempo dirá. Mas há uma coisa que os dois últimos relatórios anuais da American Psychological Association referem, tanto na edição de 2019 como na edição de 2020, onde a política foi sempre identificada como a maior fonte de stress na América: ambos os estudos referem que várias pessoas eram afetadas, mas quem sofre mais são os que fazem parte da geração Z. Ou seja, os mais jovens, que vão dos 14 aos 23 anos. |
O CDC aponta na mesma direção: quanto mais novos são os inquiridos, maior é a predominância de depressão e ansiedade. Esta é uma geração mais propensa a estes problemas ou é simplesmente mais diagnosticada?
Não diria que são mais propensos, mas, no último ano, com a pandemia, as suas vidas sofreram as maiores reviravoltas. A vida escolar foi completamente interrompida e a maior parte das crianças fica em casa — e as que saem vivem com um nível de precauções enorme. A saúde social na infância e na juventude é essencial e a incapacidade de comunicar e interagir com amigos tem um impacto extraordinário neles. Como maneira de compensar, muitos acabam por se concentrar nas redes sociais, mas vários estudos apontam para os efeitos adversos na saúde mental em casos de uso exagerado dessas plataformas. |
O que pode dizer sobre a saúde mental da comunidade luso-americana? Está em linha com as restantes comunidades ou há alguma questão que a diferencie?
Eu trabalho na Cambridge Health Alliance, um hospital com milhares de pacientes que são portugueses ou que falam português. Estas pessoas têm sido extremamente afetadas pela pandemia, porque sabemos que os grupos étnicos, raciais e linguísticos são os que mais têm sofrido com a Covid-19 — o risco de contração da doença é mais alto porque muitos têm empregos que requerem que eles saiam das suas casas. Além disso, a maior parte das pessoas que eu sigo são mais velhas e não têm literacia digital. Estas pessoas não têm acesso a videoconferências e a videochamadas, pelo menos ao mesmo nível dos jovens. Isto significa que não têm acesso a tantas coisas como a maior parte das pessoas — incluindo a cuidados de saúde mental. |
O que aconteceu esta semana |
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- Trump ligou a responsável eleitoral da Geórgia para pressioná-lo a fazer nova recontagem
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O Presidente dos EUA, Donald Trump, fez uma chamada este sábado na qual pressionou diretamente o responsável pelas eleições na Geórgia, estado que foi fulcral para a sua derrota e para a vitória de Joe Biden. “Veja, o que eu quero fazer é isto: só quero encontrar 11.780 votos, que é um a mais do que aquilo que temos. Porque nós ganhámos este estado”, disse, pedindo um voto acima da margem da sua derrota, fixada nos 11.779. |
A chamada foi entre Trump (que estava acompanhado pelo seu chefe de gabinete, Mark Meadows, e pela advogada Cleta Mitchell) e o secretário de estado da Geórgia, Brad Raffensperger, que tinha ao seu lado Ryan Germany, assessor jurídico daquele responsável estadual. A gravação foi feita por conselheiros de Brad Raffensperger, conforme escreve o Politico. |
Durante a chamada de 64 minutos, que o Washington Post publicou, Donald Trump voltou a dar a voz a várias queixas de fraude eleitoral — entre votos que estariam a ser destruídos para prevenir uma recontagem, falsificação de identidade ou até votos por “milhares” de mortos. Nenhuma destas alegações foi provada até aqui, nem no decurso desta chamada — de acordo com as investigações levadas a cabo pelas autoridades estaduais da Geórgia, houve apenas dois casos de eleitores já mortos. |
Trump chegou a dizer a Brad Raffensperger que “não há nada de errado em dizer, enfim, que fez um novo cálculo”. A esta sugestão Raffensperger respondeu: “Bom, senhor Presidente, o seu desafio é que os dados que tem estão errados”. |
Este domingo, depois desta chamada, Donald Trump escreveu no Twitter que o secretário de estado da Geórgia “não quis, ou não foi capaz, de responder a perguntas sobre esquemas como os ‘votos por debaixo da mesa, destruição de boletins, eleitores de fora do estado, eleitores mortos e muito mais”. Brad Raffensperger respondeu na mesma rede: “Com todo o respeito, Presidente Trump, aquilo que está a dizer não é verdade”. Só depois desta troca de palavras é que a gravação da chamada foi divulgada. |
Em reação, Kamala Harris falou num “abuso de poder descarado pelo Presidente dos EUA” e o advogado de campanha de Joe Biden, Bob Bauer, apontou que a gravação em causa “demonstra na sua plenitude a lamentável história do ataque de Donald Trump contra a democracia americana”. |
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- Nancy Pelosi é reeleita para speaker da Câmara dos Representantes
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A congressista democrata da Califórnia Nancy Pelosi venceu a eleição para speaker da Câmara dos Representantes, assumindo assim, pela quarta e possivelmente última vez, a liderança da câmara baixa do Congresso dos EUA. Pelosi foi eleita com 216 votos, conseguindo todos os votos da maioria democrata à exceção de cinco congressistas. Do lado republicano, todos votaram em Kevin McCarthy. |
“A nossa prioridade mais urgente continuará a ser derrotar o coronavírus”, disse, depois de ter vencido a votação. “E vamos derrotá-lo.” |
A eleição de Nancy Pelosi (a segunda consecutiva desde que os democratas reconquistaram a maioria na Câmara dos Representantes em 2018, e a quarta vez na sua carreira como congressista, iniciada em 1987) foi menos contenciosa do que há dois anos, ao conseguir apoio de figuras da ala mais à esquerda do Partido Democrata. Foi o caso de Alexandria Ocasio-Cortez, que, ainda assim, e apesar de ter votado em Pelosi, voltou a dar sinais de querer uma mudança de liderança ao dizer: “Isto é maior do que qualquer um de nós”. |
Nancy Pelosi vai liderar uma das maiorias mais apertadas da Câmara dos Representantes, com um total de 222 assentos ocupados por democratas e 211 por republicanos, além de dois que estão vagos. |
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- Sondagens apontam que Senado pode passar para democratas, mas vantagem é ténue
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As sondagens para as eleições para o Senado na Geórgia, cujo último dia de votações é esta terça-feira, dão uma ligeira vantagem para os dois candidatos democratas. A confirmar-se essa previsão, o Senado sairá das mãos do Partido Republicano e passará a ter uma maioria democrata pela primeira vez desde 2015. |
Para que o Partido Republicano consiga manter a atual maioria no Senado é obrigatório vencer uma das duas corridas. Inversamente, se o Partido Democrata vencer as duas passará a estar em maioria — uma tripla para os democratas, que já têm a maioria da Câmara dos Representantes e terão a Casa Branca a partir de 20 de janeiro, com a tomada de posse de Joe Biden. |
Na disputa entre o senador republicano David Perdue (que procura ser reeleito) e o seu adversário democrata Jon Ossoff, este último aparece com 1,8 pontos percentuais de vantagem, de acordo com a média do FiveThirtyEight, mas apenas com 0,8 de acordo com os cálculos do RealClear Politics. |
Entre a senadora republicana Kelly Loeffler (também em busca da reeleição) e o democrata Raphael Warnock, o FiveThirtyEight aponta para uma vantagem deste último com 2,3 pontos percentuais, ao passo que o RealClearPolitics reduz essa margem para 1,8. |