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Tiroteios e estatísticas. Primeira paragem: Chicago, onde a criminalidade é o tema número um |
“O crime neste país disparou!” Donald Trump referiu-se assim ao tema da criminalidade no debate da semana passada contra Kamala Harris, o que lhe valeu um reparo de um dos moderadores: “Presidente Trump, como sabe, o FBI diz que a taxa de criminalidade geral está a descer neste país.” A resposta do candidato republicano foi a de que o organismo está a “falsear as estatísticas”: “Eles não incluem as piores cidades.” |
Uma das “piores cidades” frequentemente invocadas por Trump como exemplo de elevada criminalidade é Chicago, no estado do Illinois, o ponto de partida da nossa viagem pela famosa Route 66 que atravessa a América. Ao longo das próximas semanas e até ao dia da eleição presidencial (a 5 de novembro), em cada uma das newsletters “Até à Casa Branca” o Observador fará paragens por várias cidades norte-americanas que são atravessadas por esta estrada. Em cada uma, olharemos para um tema que marca esta campanha. |
A “Cidade Ventosa”, nome pelo qual é conhecida a cidade de três milhões de residentes, é a terceira maior do país. A sua população é diversa: é composta por cerca de um terço de afro-americanos, um terço de caucasianos e um terço de hispânicos. É uma cidade claramente pró-democrata, elegendo frequentemente autarcas mais à esquerda e votando consistentemente nos nomeados presidenciais do Partido Democrata. |
Nas estatísticas nacionais, não é sequer a cidade com a maior taxa de criminalidade; Nova Orleães e St. Louis, em estados que são bastiões do Partido Republicano, estão acima, por exemplo. Mas Chicago é frequentemente apontada como um exemplo grave no que diz respeito à segurança, devido à sua alta taxa de homicídios. E é também destacada uma e outra vez por Trump como exemplo de caos: “É pior do que o Afeganistão. É pior do que uma zona de guerra”, chegou a dizer quando ainda era Presidente, em 2020. |
O desmentido ao candidato feito no ar durante o debate tem por base os dados mais recentes do FBI, que mostram uma descida acentuada da criminalidade a nível nacional no último ano quando comparada com o último ano de mandato de Trump. |
E os democratas têm tentado dar visibilidade a esses números: ainda em abril, o procurador-geral Merrick Garland foi precisamente a Chicago para se gabar das estatísticas, destacando a descida de 13% de todo o tipo de crime nesta cidade. |
Mas os números não explicam tudo. Apesar das estatísticas oficiais, o tópico da criminalidade e segurança é aquele que continua a mais preocupar os habitantes de Chicago. Uma tendência que é nacional e histórica. Desde 1993 que em 85% de todas as sondagens da Gallup os norte-americanos dizem achar que o número de crimes aumentou quando comparado com o ano anterior — mesmo quando os números dizem o contrário. Como explicar esta aparente contradição? E que impacto pode essa sensação ter nesta eleição? |
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Em relação à primeira pergunta, foi claramente respondida em julho pelo especialista em justiça criminal da Universidade Loyola, em Chicago, à televisão local WTTW: “Muitas vezes, o que importa às pessoas não são os dados oficiais sobre a criminalidade. É como elas sentem as coisas ou se apercebem delas.” |
Ou seja, quando toca a criminalidade e insegurança, o reflexo político é sempre uma questão de perceção. “A criminalidade [em Chicago] está a descer há três décadas. Mas digam isso às pessoas que vivem em Highland Park depois do tiroteio do 4 de julho e elas vão dizer que vocês são loucos”, acrescentou o professor. |
Olson referia-se a um dos crimes mais violentos do último ano. Durante o fim de semana do feriado nacional, um homem de 21 anos disparou sobre a multidão que assistia à parada do Dia da Independência. Ao longo desse fim de semana, registaram-se vários crimes com armas: ao todo, 109 pessoas foram atingidas a tiro nesses dias, em diferentes atos criminosos. Acabaram por morrer 19, entre elas uma criança de oito anos. |
As soluções políticas para resolver a questão não são simples. Para Donald Trump, o aumento de criminalidade percecionado (embora não sustentado pelas estatísticas) está ligado a um aumento da imigração, propondo que seja barrada a entrada no país aos estrangeiros. |
À esquerda, quando o tema da criminalidade surge na discussão pública, é frequentemente ligado ao slogan “Defund the Police” (“retirem os fundos à polícia”), que se popularizou na sequência dos protestos contra a morte do afro-americano George Floyd por um polícia. Mais um exemplo da complexidade do tema que, se para muitos republicanos, como Trump, parece estar ligada à imigração, à esquerda muitos consideram ter tudo a ver com questões de desigualdade racial. |
Inicialmente, Kamala Harris mostrou-se favorável a esta proposta. Quando era candidata às primárias democratas em 2020, Harris declarou numa entrevista que os manifestantes tinham razão, porque enquanto a polícia é recorrentemente “militarizada”, as escolas públicas vão “perdendo fundos”. Desde que se tornou vice-presidente de Joe Biden, contudo, Harris alinhou sempre com a política oficial da administração Biden: não reduzir o financiamento à polícia, mas sim aumentá-lo tanto quanto os fundos destinados a áreas como a educação e os projetos comunitários. |
O debate cristalizou-se na eleição para a presidência da Câmara de Chicago, em 2023, quando os dois principais candidatos (ambos do Partido Democrata) defenderam visões radicalmente diferentes sobre o tema: Paul Vallas, mais ao centro, projetou uma mensagem de “lei e ordem” e obteve votos até de eleitores pró-Trump; Brandon Johnson, mais à esquerda, chegou no passado a defender abertamente o slogan “Defund the Police” e acabou por vencer numa cidade tradicionalmente mais à esquerda. |
Mas o país não é todo igual a Chicago. E, mais uma vez, a perceção nem sempre corresponde aos números. No orçamento da cidade para 2024, o departamento de polícia não viu o seu financiamento reduzido; pelo contrário, foi reforçado em mais 91 milhões de dólares. Ao todo, a autarquia gasta agora quase dois mil milhões de euros por ano com as forças policiais locais, muito acima de outras grandes cidades como Nova Iorque ou Los Angeles. |
O que aconteceu esta semana? |
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- Donald Trump é alvo de nova tentativa de assassinato
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Depois de ter sido atingido a tiro numa orelha num comício em julho, na cidade de Butler (Pensilvânia), o antigo Presidente Donald Trump voltou a ser alvo de uma tentativa de assassinato, de acordo com o FBI. Tudo aconteceu este domingo, num dos campos de golfe de Trump, na Florida. |
Um agente do Serviço Secreto (agência responsável pela segurança de Presidentes e ex-Presidentes) detetou um homem armado entre a vegetação que teria a mira apontada ao candidato. Era Ryan Wesley Routh, que acabaria por ser detido nas horas seguintes. |
O caso relançou o debate sobre as possíveis falhas de segurança do próprio Serviço Secreto e o Presidente Joe Biden apressou-se a anunciar um reforço de meios da equipa que acompanha Trump ao longo desta campanha. Mas, desta vez, a retórica política subiu de tom, ao contrário do que tinha acontecido em julho. Se à altura Trump quis sublinhar uma mensagem de unidade contra a violência política, desta vez culpou os democratas pelo ataque, dizendo que estão a levar a política no país “a um novo nível de ódio”. |
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- Kamala Harris corteja o voto dos Teamsters, o sindicato mais à direita
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A candidata democrata reuniu-se esta segunda-feira com representantes da International Brotherhood of Teamsters, um dos maiores sindicatos do país — e o que está mais alinhado ao centro, contando com vários membros republicanos. |
Os relatos que saíram da reunião foram de que terá sido “tensa”. “Quero o vosso apoio, mas, se não o tiver, vou tratar-vos exatamente da mesma forma como se o tivesse tido”, terá dito Kamala Harris, segundo testemunhas presentes na reunião. |
Não está ainda excluída a possibilidade de isso acontecer. Na sequência da reunião, o presidente Sean O’Brien (que esteve no comício do Partido Republicano em julho) afirmou que, se o sindicato decidir apoiar algum dos candidatos, irá anunciá-lo a partir desta quarta-feira. |