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Os anúncios de campanha ainda valem a pena? |
Nunca uma mudança de olhar valeu tantos votos — até porque ela aconteceu de duas formas. Primeiro, a mudança de olhar que era ver um candidato à presidência dos EUA na televisão a dizer o que pensa e aquilo que quer para o país. Depois, literalmente, a mudança de olhar naqueles anúncios históricos. |
Refiro-me a Dwight D. Eisenhower, homem que viria a ser o 34.º Presidente dos EUA — título que mereceu muito por ter sido o primeiro a usar os anúncios de campanha. A ideia era simples: “Eisenhower responde à América”. |
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Era esse o título dos vídeos, que começavam sempre com cidadãos norte-americanos do lado esquerdo do ecrã a fazerem uma pergunta ao candidato republicano. |
— Pode cortar nos impostos, senhor Eisenhower?
— General, se vier uma guerra, este país está mesmo preparado?
— General, até que ponto é que vai o desperdício em Washington? |
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Esse era sempre o plano inicial: um ou mais cidadãos com uma pergunta a partir do lado esquerdo. E depois, do lado direito, Dwight Eisenhower. No início da resposta começava a olhar para o lado esquerdo do ecrã, de onde lhe vinha a pergunta. Depois, lentamente, começava a mudar foco — hoje em dia, seria demasiado lento e não faltaria quem gozasse com aquele olhar perdido algures. Mas aqueles eram os primórdios da televisão e, por isso, tudo aquilo era espantoso. Até porque, no final, Eisenhower fazia uma coisa simples: olhava para a câmara. E, no final, olhava nos olhos dos cidadãos. |
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— Podemos e vamos cortar nos impostos, se vocês ajudarem. Os impostos estão a subir há 15 anos. Os democratas dizem que ainda podem subir mais. Ajudem-me a pôr um travão no gastos loucos do governo. |
— Não está preparado [para a guerra]. Esta administração gastou milhares de milhões na defesa nacional. Mesmo assim, não temos aviões suficientes para combater na Coreia. Está na altura de uma mudança. |
— Até que ponto [vai o desperdício em Washington]? Recentemente, uma agência do governo perdeu 400 milhões de dólares. E nem o FBI os consegue encontrar. Está mesmo na altura de uma mudança. |
Em bom rigor, esta não foi a primeira vez que um político apareceu entre programas na televisão. Nas eleições de 1948, já o derrotado Thomas Dewey tinha comprado tempos de antena com longas durações — às vezes, perto de uma hora — para discursar a seu bel-prazer. Mas, em 1952, isso mudou quando um dos pioneiros dos anúncios de televisão, Rosser Reeves, o contactou. |
A conversa que o publicista teve com Eisenhower demonstra que ambos estavam a desbravar caminho nunca antes pisado. Rosser Reeves perguntou-lhe se achava bem que um candidato discursasse na televisão durante 30 minutos. E depois 15. E depois 5. Eisenhower respondeu sempre que “sim”. Finalmente, perguntou-lhe: “E se cortarmos esse discurso para um minuto, haveria algum problema com isso?”. Resposta: “Okay, vamos a isso”. |
Nem sempre foi fácil. Cansado depois de um dia de gravações, Eisenhower chegou a perguntar, esbaforido: “Porque é que não arranjam um ator?”. Não se conhece a resposta, mas terá sido algo do género: “Porque, por esta altura, quase 44% dos lares norte-americanos têm televisão e convém que cada um deles lhe conheça a voz, a cara, as ideias — e, já agora, que goste de tudo isso”. No final de contas, valeu a pena: Eisenhower ganhou com 10,9 pontos de vantagem sobre o democrata Adlai Stevenson. Também ele fez anúncios, mas recusou-se sempre a aparecer neles ou a dar-lhes voz. Mais tarde, viria a dizer: “A ideia de que se pode vender um candidato para um alto cargo como quem vende cereais para o pequeno almoço é uma indignidade para o processo democrático”. |
A verdade é que, desde a campanha vitoriosa de Eisenhower, e tal como o açúcar dos cereais de pequeno-almoço, a arte de fazer anúncios de campanha para a televisão foi ficando cada vez mais refinada. |
Em 1960, John F. Kennedy usou o método de Eisenhower (ao fazer um anúncio em que a mensagem era a de que o futuro estavas nas mãos dos eleitores), mas deu-lhe uma melodia animada e orelhuda, com versos que o descreviam como “velho o suficiente para saber e novo suficiente para fazer”. |
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Quatro anos mais tarde, Lyndon B. Johnson inaugurou a era dos anúncios puramente negativos — potenciando ali uma sensação de medo perante a candidatura adversária. Em 1964, a perspetiva de uma guerra nuclear era real: tinham passado apenas dois anos desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba e a postura do candidato republicano, Barry Goldwater, era mais agressiva do que a do democrata no poder. E quem não tivesse essa ideia passou a tê-la depois de ver o anúncio intitulado de “Margarida”. |
No centro da imagem vê-se uma menina loira a arrancar pétalas de uma margarida, contando uma a uma com um forte sotaque sulista. “Um… dois… três…”. Depois, mais à frente, ouve-se outra voz, desta vez metálica, a contar em decrescente: “Dez… nove… oito…”. À medida que a contagem se aproxima do zero, um zoom forma-se no olho da criança, até que o ecrã fica todo preto. Nessa altura vê-se uma explosão nuclear. E, só então, a voz de Lyndon B. Johnson a explicar: “É isto que está em causa: ou fazemos um mundo onde todas as crianças de Deus conseguem viver ou então vamos para a escuridão. Ou nos amamos uns aos outros ou morremos”. |
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Vinte anos mais tarde, o anúncio mais marcante viria a ser diametralmente oposto: positivo quanto ao presidente e ainda mais otimista quanto ao futuro. Só podia ser um Presidente à busca de reeleição: Ronald Reagan, em 1984. “É de novo manhã na América”, ouve-se com uma voz hollywoodesca no fundo, perante uma sucessão de cenas de da vida americana a passar. |
“Hoje, mais homens e mulheres irão para o trabalho na História do nosso país”, ouve-se no anúncio, onde se fala de taxas de juro baixas, poder de compra alto, inflação baixa. Tudo temas que até poderiam fazer bocejar qualquer um, mas que ali eram razão de um otimismo inegável: “Sob a liderança do Presidente Reagan, o nosso país está mais orgulhoso, mais forte e melhor. Porque é que alguma vez haveríamos de querer regressar onde estávamos há menos de quatro anos?”. |
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Não demorou até ao negativismo voltar. Quatro anos depois, os republicanos, sob a liderança de George H. W. Bush, voltaram a fazer dois dos mais memoráveis anúncios em campanhas norte-americanas, ambos com o intuito de expor o democrata Michael Dukakis como um político fraco. |
O primeiro mostrava uma porta giratória, onde eram vistos prisioneiros a entrar e a sair — tudo porque, enquanto governador do Massachusetts democrata, foi contra medidas como a pena de morte. O segundo elencava as posições do democrata no tema da Guerra Fria (comparativamente com o republicano, Michael Dukakis eram um pacifista) e depois rematava: “E agora quer ser o nosso comandante. A América não pode correr esse risco”. Tudo isto sobre um pano de fundo em que o democrata andou em cima de um tanque — um gesto em que ele quis transmitir força, mas que, no final de contas, foi alvo de chacota, no momento e na posteridade. |
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Mais tarde, os democratas inauguraram uma perspetiva: concorrer a partir da oposição e, ainda assim, oferecer uma mensagem de esperança. Essa foi a ideia literal de Bill Clinton em 1992: “Nasci numa pequena vila chamada Hope [Esperança] no Arkansas”, ouvia-se o então candidato a dizer. Mas quem a levou mais longe foi Barack Obama, em 2008, com um anúncio de outra era: a era YouTube. |
Em vez dos habituais 30 a 60 segundos, o anúncio passou para 4’24” — neste caso, os suficientes para musicar um discurso de Barack Obama. E ali aproveitou-se para elevar ao máximo aquilo que outros tinham feito até então timidamente: usar celebridades numa campanha. Naquele vídeo, ao mesmo tempo que Barack Obama vai dizendo “Yes We Can”, as mesmas palavras são cantadas por will.i.am, John Legend ou Scarlett Johansson. |
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A era do YouTube veio acelerar em muito os anúncios campanha — em parte, porque os custos caíram consideravelmente com a possibilidade de poder levá-los não só à televisão como também à Internet. A campanha em que isso ficou mais visível foi a de 2016, altura em que pouco bastava para uma gaffe de um político se tornar num vídeo de ataque feito pelo seu adversário — como quando a campanha de Donald Trump fez um anúncio com o discurso em que Hillary Clinton chamou de “deploráveis” aos apoiantes do republicano. |
Em 2020, o mercado dos anúncios televisivos está mais fragmentado do que nunca — e por isso cabe a cada candidato focar a sua mensagem consoante a audiência. |
A maior parte dos anúncios de Joe Biden que são transmitidos na televisão têm-se focado em temas como a pandemia e a saúde porque, naquele meio, o target é composto de pessoas mais velhas — que, indicam as sondagens, podem estar a afastar-se de Donald Trump. Já Trump tem investido fortemente nas zonas de swing-states onde sente o voto a fugir-lhe, como nas cidades de Tampa ou Orlando. Alguns anúncios são feitos em espanhol — e, no caso da Flórida, com narradores que têm um sotaque cubano em evidência, de forma a garantir a atenção e os votos daquele grupo importante. |
Esses são os anúncios de quem procura chegar a várias pessoas. E, depois, há os que acima de tudo querem chegar a uma: os do Lincoln Project, um grupo composto por antigos estrategas do Partido Republicano que nos últimos anos têm estado contra Donald Trump. “A audiência que eles procuram é de uma pessoa apenas: Donald Trump e a cabeça dele”, disse-me no final de setembro o Geoffrey Kabaservice. E como é que fazem isso? Simples: procuram ver onde o Presidente está e compram tempo de antena para anúncios nessas partes do país na Fox News, o seu canal preferido. Assim, seja na paragem entre comícios ou num momento de descanso num do seus resorts de golfe, estes anúncios terão a atenção de Trump. Basta um minuto. |
O que aconteceu esta semana |
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- Trump e Biden responderam a perguntas de eleitores ao mesmo tempo
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Depois de ter estado marcado para 22 de setembro um debate em formato town hall (em que cada candidato responde a perguntas feitas por eleitores indecisos), o segundo encontro entre Donald Trump e Joe Biden foi cancelado por as duas candidaturas não terem chegado a um entendimento contra o formato: o republicano queria que este fosse presencial, numa altura em que ainda estava infetado com Covid-19; o democrata queria que fosse virtual, tal como tinha definido a organização. |
A solução acabou por ser o mesmo, ao mesmo tempo, mas em separado: Donald Trump foi a um town hall na NBC, tendo pela frente uma moderadora combativa e perguntas difíceis da plateia; e Joe Biden respondeu a perguntas no mesmo formato na ABC, num debate que esteve muito mais focado em questões programáticas e que só quando o tema foi o Supremo Tribunal foi mais difícil para o democrata. |
Esta semana, na quinta-feira, dia 22, os dois candidatos estarão frente a frente para o segundo e último debate desta campanha. |
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- Amy Coney Barrett respondeu no Senado em sessões marcadas pelo tom de campanha
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De segunda a quinta-feira, a juíza Amy Coney Barrett, nomeada por Donald Trump para preencher a vaga do Supremo Tribunal, foi ouvida na Comissão de Assuntos Judiciários do Senado para responder às perguntas dos eleitos pelos dois partidos. As quatro sessões foram marcadas por um tom de profunda divisão entre republicanos e democratas. Do lado dos republicanos não faltaram as acusações de os democratas quererem politizar a Constituição. Do lado dos democratas foram várias as acusações de que Amy Coney Barrett se preparava para abolir o Obamacare e reverter decisões daquele tribunal em relação ao direito ao aborto. |
Nas suas respostas, Amy Coney Barrett recusou a ideia de que será um “peão” de Donald Trump, mas quando lhe perguntaram se “qualquer Presidente” deve fazer uma transferência pacífica de poder caso perca eleições preferiu não responder, por esse ser um tema que está atualmente a ser debatido. |