|
|
|
|
Os debates são assim tão decisivos para as eleições? |
Puxe o que quiser pela cabeça, que o mais certo é não encontrar lá dentro muitas ocasiões em que Donald Trump e Joe Biden estiveram juntos, em público, e trocaram algumas palavras. Na verdade, foi só uma, na manhã de 20 de janeiro de 2017, debaixo de um céu de onde, não tardaria muito, começaria a cair uma chuva miudinha, mas moedora. Já deve estar a perceber ao que me refiro: a tomada de posse de Donald Trump. Depois do juramento daquela cerimónia, o então empossado como 45º Presidente dos EUA cumprimentou a família e, depois, foi ao lado oposto: Barack Obama, Michelle Obama e, já está a ver, Joe Biden. Um aperto de mão a cada um, palavras de circunstância de parte a parte e por ali ficaram. |
Agora, às 21h00 de terça-feira em Washington D.C. (que em Lisboa serão já as 2h00 de quarta-feira), essa escassez será definitivamente resolvida. No auditório da Case Western Reserve University, em Cleveland (estado do Ohio), Donald Trump e Joe Biden vão estar frente a frente para o primeiro de quatro debates para estas eleições. Entre os candidatos à presidência, além deste primeiro debate haverá outros dois: a 15 e a 22 de outubro. Sobra ainda outro, entre os dois candidatos a vice-Presidente, que têm encontro marcado para 7 de outubro. |
Os debates são um dos momentos mais importantes das campanhas eleitorais — e, por isso mesmo, não é raro os candidatos investirem tempo e meios na sua preparação. |
Joe Biden está desde quinta-feira a preparar o debate com a sua equipa, que lhe passa resumos com as diferentes matérias a estudar e lhe lança perguntas nesse processo. Ao contrário do que é costume, e de acordo com a Atlantic, Biden recusou simular um debate — apesar de já haver quem estivesse preparado na equipa do democrata para vestir um fato à Trump. |
Já Donald Trump parece estar menos focado na preparação do debate. “O Presidente prepara-se ao ser Presidente”, disse Tim Murtaugh, diretor de comunicações da campanha republicana, à CBS. Mas também ele se prepara para o embate com Joe Biden — a maior parte das vezes a bordo do Air Force One, entre um comício e outro. Afinal, é preciso preparar tudo — até o tipo de imprevistos que, num par de segundos, marcam os 90 minutos daqueles debates. |
Se os debates deste ano vão ou não ter momentos decisivos para o desfecho destas eleições só o futuro o dirá — mas, olhando para ocasiões do passado, são vários os exemplos em que um movimento, uma tirada, uma hesitação e às vezes até umas simples gotas de suor deram que falar. |
Isso mesmo: gotas de suor. Essa é uma das memórias mais duradouras do primeiro debate televisivo entre dois candidatos à presidência, em 1960, quando o democrata John F. Kennedy enfrentou o então vice-Presidente, Richard Nixon. Perante aquele senador do Massachusetts, bem parecido e bem falante, Nixon apareceu visivelmente agastado. Tudo começou com uma joelhada que o republicano deu a entrar numa limousine durante a campanha. Daquele impacto resultou uma infeção que o deixou acamado durante 12 dias. E dessa infeção sobrou um corpo macilento a afundar-se num fato cinzento e uma febre de quase 39 graus em frente a 70 milhões de espectadores, a maior audiência até então na televisão dos EUA. No final, foi por bem menos do que isso que Nixon perdeu: 0,17% dos votos (correspondente a 112 mil votos), embora no Colégio Eleitoral a derrota tenha sido mais contundente. |
Certo é que, mais tarde, Nixon viria a lamentar aquele momento. Na sua autobiografia “Six Crises” (1990), admitiu: “Devia ter-me lembrado que uma imagem vale por mil palavras”. Mas a lição que Nixon aprendeu foi antes esta: nunca ir a debate. Tanto que, em 1968, quando voltou a concorrer, recusou os vários desafios do adversário democrata, Humbert Humphrey, para um frente a frente. Valeu a pena, já que dessa vez foi eleito. |
Nixon, já se percebeu, foi afetado por aquilo que não conseguia controlar. Mas nem sempre é assim: é longa a história de candidatos presidenciais que cometeram gaffes nos debates, que levaram muitos a questionar, afinal, se dominavam temas básicos. Talvez o maior exemplo remeta para 1976. À altura Presidente em busca da reeleição, Gerald Ford alçou a voz e, com a mão direita a dar ênfase, disse isto: “Não há um domínio soviético da Europa de leste e nunca haverá numa administração de Ford”. Incrédulo, o jornalista do The New York Times que lhe tinha colocado a pergunta insistiu, mas agora a rir: “Desculpe, posso só… Eu ouvi bem quando o senhor disse que os russos não estão a usar a Europa de leste como a sua esfera de influência ao ocuparem a maioria dos países de lá?”. Ford referiu os exemplos da Roménia, da Jugoslávia e da Polónia, dizendo que cada um era “independente e autónomo”. O facto era que faziam parte do Pacto de Varsóvia, isto é, a aliança pró-Moscovo. No final de contas, Gerald Ford perdeu as eleições o democrata Jimmy Carter foi para a Casa Branca. |
A gaffe de Gerald Ford consistiu em dizer algo que estava errado com convicção. Já a gaffe do candidato democrata de 1988, Michael Dukakis, foi a de dizer aquilo que achava correto, mas sem nenhuma convicção. O tema em causa era a pena de morte, à qual o democrata se opunha em abstrato, mas a pergunta que o jornalista da CNN lhe lançou no debate era bem mais concreta: “Governador, se Kitty Dukakis fosse violada e assassinada, estaria a favor de uma pena de morte irrevogável para o homicida?”. A resposta saiu-lhe fria e maquinalmente: “Não, Bernard, não estaria [a favor da pena de morte]. E eu acho que você sabe que eu tenho sido contra a pena de morte durante toda a minha vida. Não vejo nenhuma prova de que tem um efeito dissuasor e eu acho que há maneiras melhores e mais eficazes para lidar com o crime violento”. |
O mal estava feito. A campanha de George H. W. Bush utilizou aquele momento como a prova irrefutável de que o democrata era um candidato frágil em convicções e com uma postura débil. No final de contas, Dukakis acabou quase 8 pontos percentuais atrás de George H. W. Bush. |
Depois, há as gaffes de quem nada diz — e que, mesmo assim, diz tudo. Foi o caso de Al Gore, em 2000. Logo no primeiro debate, o ex-vice-Presidente demonstrou uma postura tida por muitos como snob e impaciente perante George W. Bush. Enquanto este falava, era audível como Al Gore suspirava bem alto, por vezes revirando os olhos. E, no terceiro debate, enquanto o republicano falava, Al Gore levantou-se, caminhou na direção do adversário e só parou quando estava praticamente em cima dele. George W. Bush olhava em frente mas, ao ver o democrata ali ao seu lado, olhou-o de lado e depois seguiu o discurso. O público riu-se daquele momento fanfarrão de Al Gore, que ficou ali especado, com um sorriso amarelo. Pior que aquele sorriso só o que terá feito quando, no final das eleições mais renhidas de que há memória, saiu derrotado no Colégio Eleitoral. |
Depois, os deslizes. Meras palavrinhas que, provavelmente, nem ensaiadas foram, mas que, nos resumos televisivos dos debates, mancham tudo o resto. |
Foi assim com John McCain, em 2008, quando defrontou Barack Obama. A certa altura, o republicano procurava distanciar-se de George W. Bush e, ao mesmo tempo, colar Barack Obama ao ainda Presidente naquela altura, referindo para esse efeito uma lei proposta pela Casa Branca sobre petróleo. “Sabem quem votou a favor?”, perguntou John McCain. Depois, apontou para Barack Obama e disse: “Aquele ali”. A expressão não caiu bem (“O senador Obama tem um nome”, disse o diretor de campanha dos democratas, David Axelrod) e com ela caíram as poucas possibilidades de John McCain naquelas eleições. No final, perdeu com 45,7% dos votos contra 52,9% de Barack Obama. |
E em 2012, também o republicano Mitt Romney passou um mau bocado por um deslize num dos debates com Barack Obama. Depois de um debate em que saiu por cima do democrata, Romney cometeu uma gaffe quando foi chamado a falar sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres nas mesmas funções, tal como a falta de oportunidades para quem é o do sexo feminino. Sem negar essas realidades, Mitt Romney procurou descolar-se delas, dizendo que, quando foi governador do Massachusetts, pediu à sua equipa que lhe encontrasse mulheres para fazer parte do executivo. E o que é que a equipa lhe trouxe? Resposta: “Dossiers cheios de mulheres”. Não tardou para que a expressão fosse ridicularizada — inclusive por várias mulheres que se fizeram fotografar dentro de dossiers gigantes. |
Em 2016, não são as gaffes que fica na memória, mas antes a agressividade dos debates, de parte a parte. A determinada altura, Hillary Clinton disse que “é imensamente bom que alguém com o temperamento de Donald Trump não esteja à frente da justiça do nosso país”. Donald Trump respondeu-lhe de sopetão: “Sim, porque você estaria na prisão”. E também não perdeu a hipótese de atirar à sua adversária a sua maior gaffe em toda a campanha (mas fora dos debates), quando disse que uma grande parte dos eleitores de Trump eram “irrecuperáveis” e por isso estavam no que ela própria chamava de “cesto dos deploráveis”. “Acreditem em mim, ela tem um ódio tremendo no coração”, atirou Donald Trump. |
Os debates de 2016 foram ainda marcados por aquilo que se passou à margem deles. Dias antes do segundo debate, foi divulgada a gravação de 2005 em que Donald Trump se gabava de usar o seu estatuto de celebridade para forçar contactos sexuais com mulheres, sem esperar pelo seu consentimento. O vídeo saiu a uma sexta-feira e o debate foi a um domingo. Estava marcado para as 21h00 mas, menos de uma hora antes, Trump e a equipa de campanha do republicano chamaram os jornalistas à parte para uma conferência de imprensa. Com quem? Donald Trump — mais quatro mulheres que, ao longo dos anos, têm acusado Bill Clinton, ex-Presidente e marido de Hillary Clinton, de assédio sexual e também violação. |
Foram os debates mais violentos de que há memória numa campanha presidencial nos EUA. Agora, nas vésperas do primeiro de três encontros entre Donald Trump e Joe Biden, fica a pergunta: essa agressividade ainda tem por onde crescer? Até sabermos a resposta, é caso para ficarmos nervosamente a suar do bigode. |
O que aconteceu esta semana |
|
- Trump nomeia a conservadora Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal
|
Donald Trump nomeou a juíza conservadora Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal, depois de a morte da liberal Ruth Bader Ginsburg ter deixado uma vaga por preencher naquela que é a mais alta instância da justiça norte-americana. Católica e discípula do falecido juiz Antonin Scalia (decano da escola “originalista”, que muitas vezes favorece uma leitura conservadora da Constituição), Amy Coney Barrett passa a ser, com 48 anos, a juíza mais jovem no Supremo — um dado importante, já que o cargo é vitalício. |
Do lado dos democratas, esta nomeação foi mal recebida — tanto pelas posições jurídicas de Amy Coney Barrett, que acreditam estar pronta para levantar barreiras à expansão do direito ao aborto e aos direitos das minorias LGBT, entre outros; como pelo facto de o Senado, de maioria republicana, estar disposto a aprovar o seu nome em vésperas de eleições, quando em 2016 recusou fazê-lo para um juiz liberal nomeado por Barack Obama a nove meses da votação. Em reação, já há democratas que, no caso de uma vitória de Joe Biden e de uma viragem do Senado para o Partido Democrata, admitem mudar as regras das nomeações do Supremo Tribunal ou até aumentar o número de juízes, para poderem nomear uma nova maioria liberal. Biden, para já, recusa falar disso. |
|
- The New York Times divulga declaração fiscal de Donald Trump, que nega acusações
|
O The New York Times teve acesso aos documentos da declaração fiscal de Donald Trump e escreveu uma série de artigos onde detalha como em 15 anos o Presidente dos EUA não pagou impostos em 10. Além disso, aquele jornal apurou que tanto em 2016 (ano da primeira campanha presidencial) como em 2017 (primeiro ano do mandato) Trump só pagou 750 dólares de imposto sobre o seu rendimento. Este equilíbrio terá sido atingido através de dois opostos: por um lado, o amontoar de prejuízos das suas várias atividades empresariais, em constante expansão; por outro lado, um salário que chegava a ser de 600 milhões de dólares anuais por apresentar o reality-show “O Aprendiz”. O The New York Times refere ainda que Donald Trump está a ser auditado pelas finanças norte-americanas por ter recebido um reembolso fiscal no valor de 72,9 milhões de dólares (62,5 milhões de euros) em 2010. |
O próprio Trump reagiu a estas notícias pouco depois de elas terem sido divulgadas. “São fake news, totalmente”, respondeu em conferência de imprensa na Casa Branca. ” Eu pago impostos. E vocês vão ver isso quando a minha declaração vier — está sob auditoria há muito tempo. Porque a Autoridade Tributária não me trata nada bem… eles tratam-me muito mal.” |
|