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Ao nono dia do enorme incêndio que fustigou a Madeira durante o mês de agosto, o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque (sob pressão política por ter demorado a suspender as férias em resposta à crise), procurava tranquilizar o público assegurando que não havia danos significativos a registar. Questionado pelos jornalistas sobre o dano ao património natural da ilha, Albuquerque garantia: “Não consumiu grande património natural. Consumiu foi mato.” |
Já depois do incêndio, a propósito de uma possível visita do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, à Região Autónoma, Albuquerque voltou ao argumento, questionando a pertinência da deslocação: “Não tem nada para ver. Há mato queimado e nós vamos recuperar.” |
Entretanto, chegou o balanço final deste incêndio de enormes proporções: arderam 5.116 hectares, incluindo 139 hectares de floresta laurissilva, o ecossistema natural exuberante exclusivo da ilha da Madeira que é classificado como património da humanidade pela Unesco. |
Será verdade que só ardeu mato sem valor? Para perceber o impacto que este incêndio teve na biodiversidade vegetal única da ilha da Madeira, falei com o botânico Miguel Sequeira, investigador da Universidade da Madeira, que tem dedicado os últimos anos ao estudo da vegetação daquela ilha — e que também já foi diretor regional de Florestas e presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. |
Miguel Sequeira rejeita a desvalorização feita pelas autoridades regionais das perdas provocadas pelo incêndio — a começar pelo chamado mato. “Quando se diz que arderam matos, aquilo a que se chama matos são formações onde estão dezenas de endemismos que são arbustos”, disse o académico. “São a etapa de recuperação para o futuro bosque.” |
O botânico também recusa que se relativizem as perdas vegetais. “Temos mais de 100 endemismos na ilha da Madeira”, conta, salientando que a “maior parte” está em risco crítico de extinção. “Perder cinco espécies endémicas é muito? Estamos no século XXI. Perder uma espécie endémica quando temos INCF, União Europeia, fundos europeus… é inacreditavelmente incompetente.” |
E a verdade é que o fogo impactou duramente várias espécies protegidas na ilha da Madeira: espécies como a ameixeira-de-espinho ou o cedro-da-madeira só existem nesta ilha portuguesa, em locais muito específicos (vários deles afetados pelo fogo) e é ainda impossível apurar o que se terá perdido. Outra história é ainda mais impressionante: pouco antes do incêndio, Miguel Sequeira e outros investigadores tinham descoberto pela primeira vez uma população de gerânio-da-madeira (uma espécie criticamente ameaçada) no sul da ilha. Estavam a preparar o artigo para relatar a descoberta, mas o incêndio destruiu a região antes da publicação. |
“Ainda nem sequer tínhamos publicado que esta população existia”, lamenta. Agora, será preciso usar drones para tentar chegar novamente ao lugar e perceber se há alguma hipótese de sobrevivência para aquela planta raríssima. Pode ler tudo sobre o impacto natural do incêndio da Madeira aqui. |
Duas cidades portuguesas no top-10 da qualidade do ar |
Mas a Madeira também foi recentemente notícia por boas razões: a cidade do Funchal está no top-10 das cidades europeias com melhor qualidade do ar. A capital da região autónoma ocupa o oitavo lugar do ranking produzido pela Agência Europeia do Ambiente, que foi divulgado na semana passada. O destaque nacional desse ranking, contudo, vai para outra cidade: Faro é a terceira cidade europeia onde o ar é mais limpo, ficando a capital algarvia apenas atrás de duas cidades suecas, Uppsala e Umea. |
De acordo com aquela agência, três em cada quatro europeus vivem atualmente em zonas urbanas, sendo que a maioria dos europeus está exposta a níveis inseguros de poluição atmosférica — com especial destaque para as partículas finas que pairam no ar. A lista, composta por 372 cidades, foi elaborada através de análises aos níveis de partículas finas por metro cúbico de ar. |
No topo do ranking está Uppsala, com apenas 3,5 microgramas de partículas finas por metro cúbico. Segue-se Umea, com 3,6 microgramas por metro cúbico — o mesmo valor que Faro, embora a cidade portuguesa tenha metade da população, o que a remete para o terceiro lugar no desempate. Já a cidade do Funchal surge no oitavo lugar com 4,4 microgramas de partículas finas por metro cúbico. A capital, Lisboa, está no 38.º lugar, com 7 microgramas por metro cúbico. No final da lista está a cidade croata de Slavonski Brod, com 26,5 microgramas de partículas finas por metro cúbico de ar. |
Aos microfones da Rádio Observador, o ambientalista Francisco Ferreira, da associação Zero, explicou que a concentração de partículas finas no ar é “o parâmetro mais importante” para medir a qualidade do ar, já que é o poluente “que tem maiores consequências para a saúde pública”. Estas partículas, explicou o ambientalista, “são aquelas que têm uma reação mais direta com efeitos agudos e crónicos na nossa saúde”. |
“Estamos a falar de partículas que chegam aos pulmões, que conduzem um conjunto de substâncias e de compostos tóxicos diretamente para o nosso organismo”, sintetizou Francisco Ferreira. |
Já o presidente da Câmara Municipal de Faro, o social-democrata Rogério Bacalhau, reagiu à notícia destacando o modo como todas as entidades do concelho têm trabalho para “preservar” o ecossistema “muito particular” do Algarve, marcado pela Ria Formosa. Todas as entidades, em geral, têm tido muito cuidado com todo este ecossistema. “Daí, penso eu, com esse cuidado das entidades todas, conseguimos preservar aquilo que de melhor temos, que é o nosso ambiente”, disse à Rádio Observador, mostrando-se “satisfeito” por ter “uma excelente qualidade do ar” na cidade e sublinhando a importância de “compatibilizar” o cuidado do ambiente com uma economia significativamente dependente do turismo. |
“Não é só Faro. Estamos a falar de todo o Algarve. Temos excelentes condições ambientais, que temos tido o cuidado de preservar, tanto no desenho urbano, na construção, nas vias rodoviárias, nos parques de estacionamento, no incentivo à mobilidade elétrica. Há um esforço que tem vindo a ser feito ao longo dos últimos anos no sentido de preservar todo o ambiente”, destacou. “Este ranking para nós é uma motivação para continuarmos a trabalhar.” |