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Primeiro, segundo, terceiro… Qual a ordem por que devemos comer? |
Imagine que se senta à mesa para jantar e à sua frente tem algumas entradas, uma bebida e uma travessa com um prato típico português. Tem de tomar uma decisão: o que vai comer em primeiro, segundo e terceiro lugar? Ou será um bocadinho de cada, tudo ao mesmo tempo? É que comer de forma saudável não é só aprender a escolher os alimentos certos. É também conhecer a ordem e conjugações certas. |
E se, comendo o mesmo (os mesmos nutrientes e as mesmas calorias) mas alterando a ordem com que o faz na refeição, isso tivesse impacto na sua saúde? |
A ordem dos alimentos que ingerimos influencia os níveis de glicémia (açúcar no sangue) e, consequentemente, os níveis de insulina (hormona que o pâncreas liberta para fazer a glucose entrar nas células). Isto foi descrito num estudo publicado em 2015 na revista Diabetes Care, no qual um grupo de indivíduos começou por beber um sumo de laranja e comer um pão branco numa primeira semana, fazendo um intervalo de 15 minutos. De seguida comeu um peito de frango grelhado sem pele acompanhado de salada temperada com vinagrete e brócolos cozidos temperados com molho de manteiga. O mesmo grupo, na segunda semana, comeu exatamente o mesmo mas a ordem foi invertida: primeiro consumiram o prato de vegetais com frango e 15 minutos depois beberam o sumo de laranja e comeram o pão branco. |
Foi feita a análise da glicémia e da insulinémia passados 30, 60 e 120 minutos desde o início da refeição. Os resultados foram claros: na segunda semana houve uma redução dos níveis de açúcar no sangue na ordem dos 29%, 37% e 17%, assim como uma redução da insulinémia. Estes resultados são válidos para qualquer pessoa, quer tenha diabetes ou não, e veio a corroborar este artigo de 2018 feito por um grupo de investigação do Japão e publicado na revista cientifica Journal of Nutritional Science and Vitaminology. |
Os dois estudos dão várias indicações claras sobre a ordem que devemos seguir à refeição: |
- No início deve-se dar prioridade aos alimentos que sejam boas fontes de fibra – como salada, legumes e sopa – e às fontes de proteína, neste caso frango, mas também poderiam ser uns ovos ou até frutos secos, que englobam os dois nutrientes (fibra e proteína);
- Deve-se deixar para o final da refeição o consumo de hidratos de carbono de absorção rápida, como sumo de fruta e pão refinado (no estudo feito no Japão o hidrato de carbono era o arroz branco);
- Beneficiamos em comer com calma. Ou seja, comer primeiro uma parte da refeição com vegetais e esperar até começar a outra parte da refeição.
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O facto de começarmos com fibra, como salada, também permite atrasar o esvaziamento gástrico, ou seja, os alimentos permanecem mais tempo no estômago e passam mais lentamente para o intestino. Desta forma atrasa-se a absorção dos hidratos de carbono, já que se impede a formação de picos tão grandes de glicose. Paralelamente, no intestino, a fibra forma uma espécie de rede viscosa interna que atrapalha a passagem da glicose para a corrente sanguínea, evitando novamente que os picos de glicémia sejam tão acentuados. |
Para as pessoas que gostam de comer separadamente cada elemento da refeição, estas serão boas notícias. Para os que gostam de misturar os vários alimentos em cada garfada, não desanimem: podem sempre começar com parte da salada e 15 minutos depois misturar os alimentos. |
Daqui podemos extrapolar algumas recomendações: |
- as refeições devem ter sempre dois pratos;
- devem começar com uma fonte de fibra (uma salada ou sopa de legumes), ao invés de nos tentarmos com entradas como pão com manteiga;
- devemos ter cuidado com as bebidas no início, em especial os refrigerantes, sumos de fruta ou bebidas alcoólicas;
- o consumo da fruta — um hábito saudável que deve ser diário — deve também ser feito no final. O que significa que quando as crianças têm fome antes do jantar e os pais sugerem uma peça de fruta, será melhor optar um pedaço de cenoura crua ou frutos secos para garantir uma fonte de fibra inicial sem grandes hidratos de carbono.
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Manter os valores de glicemia e insulina estáveis é uma questão de saúde, transversal a todas as idades. Após ocorrer uma subida abrupta de glicose no sangue, esta curva passa a ser descendente a toda a velocidade, formando picos de glicose, que são indesejáveis porque dão origem a fome constante, desejo por alimentos e cansaço, além de fazerem o valor de insulina aumentar, o que está associado a aumento de inflamação – factor de risco para muitas doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro, depressão, doenças neurológicas e inflamatórias. |
Verdadeiro ou falso? Comer um iogurte grego ligeiro antes de um bolo é uma boa opção |
Verdadeiro. Um bolo é, tipicamente, um alimento rico em açúcares e farinhas refinados e provocará um pico de glicémia. Comer um iogurte sem açúcar que não seja magro, ao mesmo tempo ou idealmente uns minutos antes, será benéfico para achatar a curva de glicémia. O iogurte é rico em proteína e terá também uma quantidade de gordura significativa (em regra terá 2 a 3g de gordura/100g) que, juntos, atrasam o esvaziamento gástrico e a absorção dos açúcares. |
Uma pergunta frequente nas consultas: há benefício em beber limonada na refeição? |
Sim, sobretudo para quem tem digestões lentas — desde que seja limonada sem açúcar. Este processo precisa de acidez, normalmente obtida com a produção de ácido clorídrico, para que as enzimas responsáveis pela digestão das proteínas sejam ativadas. Muitos casos de má digestão são devido a hipocloridria, ou seja baixa secreção de ácido clorídrico no estômago, o que faz com que não haja tanta acidez. |
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Joana Sousa, nutricionista, investigadora, professora auxiliar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública, desenvolveu um livro de fácil leitura sobre literacia alimentar. A autora aborda múltiplos temas que de alguma forma estão relacionados com alimentos e hábitos alimentares, dando ferramentas para se fazer uma decisão informada. E ainda dá dicas sobre como poupar e como poluir menos.
(ed. FFMS) |
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Mariana Chaves é nutricionista clínica, autora do podcast Aprender a Comer, na Rádio Observador, e do livro Dieta Única (ed. Guerra e Paz, 2016) [ver o perfil completo]. |