A primeira preocupação que se nos colocou perante a perplexidade e o choque em que todos mergulhámos quando confrontados com a Covid-19, foi a salvaguarda da saúde pública. Mas desde o primeiro momento percebemos também, que numa economia altamente endividada como a portuguesa, particularmente dependente do turismo e na qual o peso da ciência e da inovação no PIB é extraordinariamente baixo face à media europeia, os efeitos económicos desta crise seriam especialmente devastadores, com enormes consequências e impactos sociais.
De acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional para 2020, o PIB português registará uma queda de 8% e o desemprego atingirá 13,9% até ao final do ano. As previsões em causa apontam para que venhamos a enfrentar a mais profunda recessão económica desde que existem estatísticas sólidas e fiáveis.
A crise económica e social que se avizinha exige, sem dúvida, que se desenvolvam medidas de emergência, com o propósito de mitigar os seus efeitos.
Mas, do mesmo modo que os nossos trabalhadores, os empresários, as confederações patronais e sindicais, têm demonstrado uma enorme capacidade criativa reinventando as nossas empresas e as suas cadeias produtivas, adaptando-as e canalizando os seus esforços para a produção de ventiladores, equipamentos de proteção social, com uma enorme tenacidade e espírito de iniciativa, o Estado tem também de demonstrar igual criatividade para enfrentar este momento sem precedentes. Não será suficiente enfrentar uma crise como a que estamos a enfrentar usando as receitas típicas experimentadas a propósito de crises com origens, configurações e impactos significativamente diversos da atual.
Mas, por outro lado, importa que não nos deixemos dominar apenas pela urgência da situação critica que estamos a enfrentar e encaremos os desafios estruturais da nossa economia.
Portugal registou em 2019 uma divida pública de 117% do PIB, muito acima da média da União Europeia, (77,8% do PIB), o que nos coloca como sendo o terceiro país da UE com a mais elevada dívida pública em percentagem do PIB.
Somos, por outro lado, o 20.º país em termos de PIB per capita na União Europeia. Apenas sete países apresentam um PIB per capita mais distante da média europeia do que Portugal.
Continuamos a registar, em comparação com os nossos parceiros da União Europeia, baixa qualificação da nossa mão de obra e elevadíssimos custos de contexto. Somos o sétimo país da União Europeia com a mais alta taxa de abandono escolar precoce e somos o quinto país com a maior dívida externa líquida, apenas atrás de França, Espanha, Itália e Grécia.
No que diz respeito à produtividade por hora de trabalho encontramo-nos na 16.ª posição com um valor consideravelmente inferior a metade da média da União Europeia. Na Justiça, por seu turno, o cenário não é mais animador. Somos o 5.º país com maior taxa de congestão dos tribunais de 1.º instância de processos criminais (71,2%).
De acordo com o Global Competitiveness Report de 2019 do World Economic Forum, que mede a competitividade dos países com base em 12 indicadores de competitividade, os obstáculos fundamentais ao crescimento e à competitividade global da nossa economia, são, por um lado, o elevado peso dos impostos na economia, as rígidas práticas de contratação e despedimento, a dificuldade de acesso a financiamento por parte das pequenas e médias empresas, a ausência de uma verdadeira indústria de capital de risco, bem como uma enorme aversão ao risco por parte dos nossos empresários.
Na segunda metade do século XX o PIB per capita português cresceu 6,9 vezes, desenvolvendo Portugal uma trajetória de convergência com a União Europeia nesse período. Contudo, essa trajetória de convergência foi interrompida nos últimos 20 anos, tendo Portugal crescido a um ritmo consideravelmente mais baixo do que os nossos parceiros europeus.
Em síntese, Portugal tem problemas estruturais do ponto de vista da produtividade, da criação de riqueza, e da competitividade. Temos problemas crónicos de endividamento externo.
Apesar dos significativos progressos que temos registado nos últimos 50 anos ao nível da educação, continuamos com seríssimos desafios no que diz respeito à qualificação dos cidadãos. Do mesmo modo, embora tenhamos desenvolvido progressos importantes em matéria de sistema de justiça persistimos com dificuldades crónicas no funcionamento do sistema, que continuam a constituir um sério obstáculo ao investimento e ao crescimento da nossa economia.
Naturalmente que estamos focados na urgência da resolução da crise em que estamos mergulhados. Mas, não podemos perder o foco nos desafios estruturais da economia portuguesa: o crescimento e o bem-estar dos cidadãos
Com um nível de endividamento público tão elevado como o que regista Portugal, o crescimento da economia terá de assentar no investimento privado. Mas, para tal é determinante que se desenvolvam as condições necessárias para que a nossa economia tenha condições para atrair investimento. É fundamental diminuir os custos de contexto, potenciar as competências dos cidadãos, estabelecer um sistema fiscal verdadeiramente competitivo, um sistema de justiça eficaz e célere, assim como estabelecer condições para que os processos produtivos demonstrem capacidade de integração da inovação.
Os últimos meses demonstram um governo focado na prescrição de um receituário para a crise que privilegia o aumento do endividamento da nossa economia. É certo que as empresas precisam urgentemente de reforço da sua tesouraria. Todavia, numa economia fortemente endividada como a portuguesa a persistência exclusiva nessa direção não significará, de modo algum, um aumento da nossa competitividade, do nosso crescimento e do aumento da qualidade de vida dos cidadãos.
Sem enfrentarmos os verdadeiros constrangimentos que se colocam à competitividade da nossa economia não seremos capazes de nos afirmar, como aspiramos, como um país mais equitativo e apto a oferecer às novas gerações a capacidade de desenvolverem os seus projetos pessoais, profissionais e familiares.
Do mesmo modo que entre os finais dos anos 1980 e anos 2000, fomos capazes de enfrentar desafios de convergência que muitos julgavam insuperáveis, cumprir os critérios para adesão ao Euro, modernizar a nossa economia e lançar as fundações para o processo de internacionalização da nossa economia, seremos também capazes hoje de estar à altura dos desafios que temos pela frente.
Com a criatividade, tenacidade e capacidade de adaptação dos nossos empresários, trabalhadores e confederações patronais e sindicais, enfrentaremos e ultrapassaremos os desafios que esta crise nos coloca.
Somos um povo que não espera que o Governo resolva os problemas por nós. Somos um povo com uma enorme capacidade de superação, que ao longo da nossa história tem dado provas épicas de como ultrapassar momentos únicos. Somos um povo que tem demonstrado persistentemente que não deixamos de encontrar forma de concretizarmos as ambições das nossas comunidades locais, das nossas famílias e dos indivíduos.
Mas a resiliência individual que os portugueses uma vez mais demonstram, não substitui a necessidade de o Governo liderar uma resposta colectiva à crise. Não isenta a necessidade de deixar de navegar à vista. De deixar de viver preso à gestão do curto prazo e se focar numa visão de esperança e de futuro para a nossa comunidade.
O povo português tem, como ao longo da sua história, estado à altura das responsabilidades e exigências que esta critica crise coloca. Cabe ao Governo estar à altura do povo português!