As eleições autárquicas aproximam-se. São milhares de candidatos, para milhares de lugares executivos ou de fiscalização de executivos, que irão gerir milhares de milhões de euros de despesa pública, que decidirão de impostos que os munícipes e as empresas pagarão e que tomarão decisões que afetarão a vida de todos os portugueses. Era assim útil que os candidatos se posicionassem em relação a algumas questões essenciais. Seleciono sete questões a colocar a candidatos a municípios. Para as enquadrar e sobretudo para enquadrar possíveis respostas, trago alguns dados públicos sobre quatro municípios da área metropolitana de Lisboa geridos por forças políticas diferentes no último mandato e algo comparáveis do ponto de vista populacional.

1 População – A primeira questão que merece ser colocada é esta: que população residente deseja que o município tenha daqui a oito ou dez anos? A diversidade de situações na última década é evidente com Cascais e Oeiras a crescer significativamente e Almada e Setúbal a diminuir. Para além de uma dinâmica económica geral que está a penalizar os municípios da margem sul é certo que os municípios têm, através do Plano Diretor Municipal e outros instrumentos, formas de, por um lado, controlar o crescimento populacional, por outro atrair emprego e população.

Fonte: Pordata

É assim necessária uma estratégia e saber o que se quer. Tão mal é um município que deixa aumentar o crescimento urbano sem controlo degradando a qualidade ambiental (porventura com o oportunismo de querer mais receita de IMI e IMT) como o reverso de um município com economia deprimida que vê fugir as suas gentes.

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2 Gestão e Despesa Municipal – Que melhorias na gestão municipal tenciona introduzir para, com os mesmos impostos sobre munícipes e empresas, conseguir oferecer mais serviços, ou com menos impostos conseguir fazer o que já faz hoje?

É também uma opção política, dentro de certos parâmetros, escolher a dimensão da despesa local e o número de colaboradores necessários para desempenhar as várias funções. Dos quatro municípios selecionados apenas Setúbal terá diminuído o número de trabalhadores, sendo o aumento mais expressivo de funcionários no município de Cascais. Facilmente se verifica que os municípios da margem norte do tejo têm níveis de despesa per capita muitíssimo superiores aos da margem sul. Cascais tem quase o dobro da despesa per capita do que Almada.

Fonte: PORDATA e cálculos próprios

Uma análise mais fina seria necessária para saber em que se concretiza esta despesa superior e este crescimento de funcionários (ainda antes da descentralização de competências nomeadamente na educação). Mas há um elemento relevante a que é necessário responder: os recursos relativamente mais elevados  de Cascais e Oeiras (que permitem maior despesa) devem-se a: i) maiores transferências do OE; ii) maior base tributária nestes concelhos ou iii) a uma maior pressão fiscal junto dos contribuintes (municípios e empresas). Uma resposta parcial será dada a seguir.

3 Política fiscal – pretende manter, aumentar ou reduzir a carga fiscal sobre os munícipes? Com que objetivos? Os municípios têm um conjunto variado de receitas fiscais, mas há sobretudo duas, que recaem sobre os munícipes sobre as quais têm autonomia para determinar a carga ou o alívio fiscal (IRS e IMI). É por isso que a questão anterior é relevante e se articula com esta. Se o candidato quer mais impostos, ou mantê-los elevados deve justificá-lo.

Há 5% da coleta do IRS dos munícipes que não vai para o Estado. A assembleia municipal (sob proposta da câmara) decide se fica no município, se é devolvido ao munícipe, ou se é repartido entre ambos.

Os dados para os quatro municípios no último mandato são os seguintes:

Fonte: Portal das Finanças, OE2021 e cálculos próprios; 

*A receita do Município em 2021 (OE 2021) depende da taxa definida para os rendimentos de 2020

Na última revisão da Lei das Finanças Locais (LFL), uma habilidosa e discreta alteração fez com que, por defeito, isto é se a Assembleia Municipal (AM) nada deliberar o município fica com a totalidade dos 5% que poderiam ser deduzidos à coleta do munícipe e assim não são. Estes dados mostram por um lado que a base tributária de Cascais é muito superior à de Setúbal. Ambos retendo a totalidade dos 5% do IRS dos seus munícipes, Cascais tem muito maior receita. Almada é o que retira uma menor proporção do IRS aos seus munícipes devolvendo 2,75M€. Oeiras retira algo mais, mas ainda  assim “devolve” 1,29M€. Aquilo que todos os candidatos autárquicos deviam esclarecer para os próximos quatro anos é quanto tencionam retirar do IRS dos seus munícipes, porquê e para quê.

Para além do IRS a política fiscal local que afeta os cidadãos tem também a ver com a escolha da taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). O IMI é uma importante receita municipal de qualquer município e ao contrário do IMT em que as taxas são definidas de forma geral e universal pela Assembleia da República no caso do IMI  existe margem de manobra na escolha da taxa aplicável aos prédios urbanos.

Fonte: DGAL (receita cobrada liquida – receitas fiscais 2019) em milhões de euros.

Nota: * O conceito de receita fiscal da DGAL engloba impostos e taxas e os “impostos indiretos” são sobretudo taxas sobre empresas.

Em 2020, e nestes quatro  municípios, aquele com taxa mais elevada foi Setúbal* (0,44% do valor patrimonial tributário), seguido de Almada (0,36%), Cascais (0,34%) e Oeiras (0,3%) o que praticou uma taxa mais baixa. O que querem os candidatos? Mais carga fiscal, mais receita e mais despesa? Onde, como e porquê?

4 Emprego e Empresas – Que incentivos para a criação de emprego e de desenvolvimento do concelho? Se é verdade que quem cria emprego são os empreendedores e as empresas, as autarquias podem facilitar ou ser um obstáculo ao desenvolvimento. Há vários impostos municipais que incidem sobre as empresas, e um em particular, a derrama, onde também há deliberação da assembleia municipal. Há muitas taxas que incidem sobre as empresas e cujo montante é deliberado em Assembleia Municipal. Há uma diversidade de licenças e de burocracia, alguma dela nacional e outra autárquica.

Uma análise do pessoal ao serviço em empresas não financeiras entre 2010 e 2019 indica uma tendência clara de melhoria na situação económica neste período (não esquecer a recessão em 2009). Mostra que Oeiras ocupa uma posição de destaque no volume de emprego, mas Cascais e Almada tiveram algum desenvolvimento nesta década.

Fonte: PORDATA e Portal das Finanças e cálculos próprios

Mais uma vez precisaríamos de uma análise mais fina, mas olhando para  as taxas de derrama (a taxa máxima permitida por lei é de 1,5%) vemos que Setúbal, numa situação financeira complicada, pratica a taxa mais elevada e Almada é a que pratica a taxa mais baixa. Que políticas de incentivo ao emprego, à atração de empresas se propõem desempenhar os candidatos autárquicos? Que taxas de derrama pretende aplicar nos próximos quatro anos? Pretende discriminar positivamente as pequenas empresas?

5 Ambiente, economia circular e mobilidade – Quais as principais medidas para o combate às alterações climáticas e ao desenvolvimento sustentável no município? Este combate ganha-se ou perde-se no terreno autárquico. Isto envolve uma multiplicidade de objetivos e de indicadores que podem ser utilizados para monitorar a prossecução desses objetivos.

A título de exemplo um indicador que merece ser completado por mais indicadores: a quantidade de Kg por habitante de resíduos urbanos recolhidos selectivamente.

Fonte: PORDATA

Nota: ┴  significa quebra de série.

Mais do que objetivos vagos sobre mobilidade, uso do automóvel, ciclovias, eficiência energética, reciclagem, etc. aquilo que é preciso ouvir dos candidatos é um bom diagnóstico da situação actual do concelho e a clarificação dos objetivos que têm para o próximo mandato. Trazer alguns números à colação ajuda a que a resposta a estas perguntas não se fique por generalidades. 

6 Que políticas para os mais vulneráveis e para os que iniciam a vida activa? A intervenção autárquica é também essencial para lidar com os mais vulneráveis que podem ser certos idosos ou as famílias monoparentais pobres, os desempregados e com os jovens que iniciam a vida activa. Não é aqui no espaço deste breve ensaio que caberá discutir um conjunto de medidas que têm sido propostas por vários candidatos (apoios sociais, habitação, fiscalidade, etc.). Genericamente as medidas do lado da despesa e da prestação de serviços a estes grupos-alvo são mais justificáveis e eficazes do que medidas do lado da receita que complexificam o sistema fiscal, criam inevitáveis injustiças e são de eficácia muito duvidosa. Que resultados se espera alcançar com essas políticas?

7 Ética, transparência e corrupção  – Que medidas pensa tomar para melhorar a transparência no seu município, quer ao nível dos cargos políticos e públicos quer ao nível da gestão e informação autárquica? A temática da transparência tem várias dimensões. Uma relaciona-se com a legislação aprovada na Assembleia da República relativa às obrigações declarativas de titulares de cargos políticos e públicos. Já abordei este tópico em anterior artigo aqui. Que pensa fazer o candidato para implementar as leis aprovadas? Que ideias tem sobre a transparência nos processos de contratação pública e nos ajustes diretos. E sobre os processos de licenciamento camarário? Como pensa melhorar a informação sobre as inúmeras taxas municipais pagas por munícipes e empresas e clarificar os seus valores e a sua fundamentação económico-financeira como a lei prevê?  Que medidas tenciona tomar para prevenir a corrupção sobretudo naqueles cargos em que uma decisão camarária pode criar uma mais-valia de centenas de milhar ou de milhões de euros?

Há um grande manancial de perguntas que deve ser feita aos candidatos autárquicos nesta campanha. Porém, não nos devemos satisfazer com respostas vagas ou declarações de intenções. Queremos objetivos e alguns indicadores quantificados para que possamos avaliar quem ganhar hoje daqui a quatro anos. É assim que deveria funcionar a democracia local.

PS: * Setúbal tem um contrato de reequilíbrio financeiro ainda a decorrer  o que explica a necessidade de ter taxas de impostos tão elevadas.