No dia seguinte às generales espanholas voltei ao “A clareza que defendemos” – manifesto que assinei, orgulhosamente. A actualidade e a pertinência daquele texto mantêm-se intactas, mas ignorar a realidade, os factos e as matemáticas eleitorais dos últimos três anos é um erro.

O centro-direita democrático, liberal e reformista vive, dizem alguns, entalado entre os que defendem um cordão sanitário tout court – a tese nobre, mas ingénua – e os que desistiram de lutar perante os gritos dos radicais – a tese fatalista. Dizem, não há alternativa.

Ora, como gosto pouco de trincheiras e de tribalismo, tentarei nas próximas linhas explicar – a partir do caso espanhol – que há uma 3ª via, vencedora. Dito isto, não pretendo nem me coloco no papel, absurdo e ilógico, de retirar leituras ou fazer comparações com a realidade política portuguesa. Deixo isso para os que se dedicam à política comparada, ou aos que inchados de uma superioridade moral – típica dos fanáticos religiosos – tentam provar as suas teses e alimentar as suas agendas domésticas. Adiante.

1 Em Espanha, a tese do cordão sanitário tout court foi defendida (e posta em prática) por Pablo Casado, ex-líder do PP. Um tribuno notável – como poucos – que num discurso histórico nas Cortes – no Outono de 2020 – colocou o Vox no divã. Ou melhor, colocou o Vox diante do seu espelho de horrores, de absurdos e de teorias da conspiração da dark web.

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Na altura, Casado afirmou o óbvio: o Vox era o maior seguro de vida da esquerda. Os resultados do passado Domingo dão-lhe razão: o “bloco da direita” – apesar de ter tido 11.125.584 votos e o seu 3º melhor resultado eleitoral em Democracia – foi incapaz de ultrapassar a barreira dos 176 deputados, quando em 2011, o PP de Mariano Rajoy obteve 10.867.344 votos e 186 deputados. Ou seja, a existência do Vox foi inútil para pôr fim ao sanchismo.

Mas a realidade é a que é, e a tese do cordão sanitário tout court levou o PP ao osso. Em Fevereiro de 2022, as sondagens davam ao PP 23% e 94 deputados, e ao Vox 21% e 74 deputados. Como alguém disse um dia, um resultado “poucochinho”.

2 Mais, a tese do cordão sanitário tout court só tem sentido prático se for partilhada pelo PSOE. Admitir o contrário seria permitir que os códigos e as regras da Democracia só se devem aplicar ao centro-direita e nunca ao centro-esquerda.

Não se pode exigir ao PP aquilo que não se exige ao PSOE. Em suma, não se pode exigir ao PP que coloque uma cerca sanitária ao Vox, quando ao PSOE lhe é permitido negociar e governar com os herdeiros da ETA, com prófugos que fogem da justiça espanhola dentro do porta-bagagens de um carro, e com racistas como Oriol Junqueras – “los catalanes tienen más proximidad genética con los franceses que con los españoles” – ou Heribert Barrera – “En América los negros tienen un coeficiente intelectual inferior a los blancos, la inmigración es la principal amenaza de Cataluña y nadie me convencerá de que es mejor una Rambla con gente mestiza que una con gente blanca”.

3 A tese contrária – a dos que desistiram de lutar perante os gritos dos radicais – e com isso abdicaram das suas raízes democráticas, liberais e reformistas, levou ao cancelamento de peças de teatro de Virginia Woolf, à ridicularização das alterações climáticas ou à aceitação, sem mais, de um discurso insultuoso e intolerante para com os outros.

Esta posição, cobarde e mortal, permitiu que algum PP se diluísse no Vox, confundindo assim o eleitorado e com isso dando razão ao discurso apocalíptico do “regresso do neo-franquismo”.

Enquanto a tese do cordão sanitário tout court divide os eleitorados da direita, esta assusta o eleitorado centrista e promove o voto útil no PSOE. Enfim, ambas são sinónimos de derrotas eleitorais.

4 Pelo contrário, a 3ª via – ou “via JuanmAyuso” – tem provado ser a tese vencedora. Aquela que ganhas eleições e que leva o centro-direita democrático, liberal e reformista ao poder.

Vejamos os números:

  1. Nas eleições regionais de 2018 na Andaluzia, o PP ficou em 2º lugar com 26 deputados e 749.275 votos. Na altura, Juanma Moreno precisou do já defunto Ciudadanos e dos 12 deputados do Vox para formar Governo.
  2. 4 anos depois, Juanma Moreno conseguiu a 1ª maioria absoluta do PP – a solo – 58 deputados e 1.582.412 votos. O Vox, que apresentou como candidata Macarena Olona – antiga líder parlamentar do partido nas Cortes – teve 14 deputados e tornou-se irrelevante.
  3. Nas generales do passado Domingo – e comparando com as de 2019 – o PP passou de 15 deputados andaluzes para 25, o PSOE perdeu 4 e o Vox 3.
  4. Na mesma linha, e seguindo a mesma estratégia – mesmo que com estilos diferentes – nas eleições regionais de 2019 em Madrid, o PP ficou em 2º lugar com 30 deputados e 714.718 votos. Na altura, Isabel Díaz Ayuso formou Governo com o Ciudadanos e fez um acordo parlamentar com o Vox.
  5. Dois anos depois, as facas longas do Ciudadanos levaram a eleições antecipadas e Isabel Díaz Ayuso saiu vencedora com 65 deputados e 1.631.608 votos. O Ciudadanos morreu e o Vox ganhou um deputado.
  6. Em Maio de 2023, o PP conseguiu uma maioria absoluta a solo e 71 deputados. O Vox ficou reduzido a 10 deputados e perdeu influência. Durante a campanha eleitoral, Isabel Díaz Ayuso desfez-se do Vox.
  7. Nas generales do passado Domingo – e comparando com as de 2019 – o PP passou de 10 deputados por Madrid para 15, o PSOE ficou com 11 e o Vox perdeu 2.
  8. Em Castilla y León – onde o PP governa coligado com o Vox – o PSOE manteve os seus 11 deputados e os populares passaram de 13 para 18 deputados. A direita radical ficou reduzida a 1 parlamentar.
  9. Na Comunidade Valenciana, de novo, onde o PP governa com o Vox, os populares passaram de 8 para 13 deputados. O Vox perdeu 2. O mesmo cenário repete-se na Extremadura, nas Ilhas Baleares e em Múrcia onde há Governos ou acordos parlamentares entre os dois partidos.

5 A via JuanmAyuso serviu-se do Vox enquanto precisou, sem se travestir de verde-alface. Fez acordos pontuais em matéria de impostos, de redução da despesa pública, de liberdade na educação – políticas públicas normais de qualquer partido de centro-direita democrático, liberal e reformista – e pouco mais.

Em resumo, a via 3ª via impôs-se ao folclore do Vox e engoliu a direita radical sem com isso ridicularizar os seus eleitores, nem se transformar naquilo que não é. Na Andaluzia e em Madrid o Vox está no chão.

6 Como disse um dia Antonio Cánovas del Castillo, en política lo que no es posible es falso, pelo que não vale a pena rezar para que o Vox desapareça, fazer cenários ideais (mas irreais) – pelo menos a curto prazo – nem apelar incessantemente ao voto útil. Como se provou no passado Domingo em Espanha, nada disto foi suficiente. Se o centro-direita democrático, liberal e reformista quer chegar à Moncloa terá de replicar a 3ª via. A via JuanmAyuso.