Recentemente uma professora referiu-me que tinha sido vítima de assédio sexual por parte de um aluno.  Um adolescente, com 14 anos de idade, abordou-a e pediu-lhe para ter sexo. Perante a indignação e a recusa perentória da professora, o rapaz insistiu: «Então, nesse caso, tenha pelo menos dois minutos de sexo comigo».  Não se tratava obviamente da negociação da duração do ato sexual, mas da desadequação do pedido, e da forma estranhamente educada como este foi realizado. Investigado o caso, veio a saber-se que o adolescente consumia pornografia de forma compulsiva, passando largas horas diariamente a ver conteúdos pornográficos. Ao mesmo tempo, o rendimento escolar tinha caído significativamente.

Através da internet e das novas tecnologias, as crianças e os adolescentes têm um acesso muito facilitado e precoce à pornografia. Com a generalização da internet nos dispositivos móveis, a supervisão parental torna-se muito difícil, senão quase impossível.  Atualmente, a primeira exposição à pornografia ocorre em idades cada vez mais jovens e de forma frequentemente involuntária. Este fenómeno é preocupante, dado que uma exposição precoce a este tipo de imagens pode ser traumática, conduz a uma visão distorcida da sexualidade humana, e aumenta o risco para a adição à pornografia em indivíduos suscetíveis.

A realidade mostra-nos que a adição à pornografia existe, atingindo adolescentes, jovens e adultos. Este é um assunto tabu devido ao preconceito e à questão moral associada. Mesmo na psiquiatria, esta é uma matéria raramente debatida e pouco estudada. Porém, independentemente dos aspetos morais, interessa-nos discutir a dimensão relacionada com a saúde mental. Curiosamente, em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria reconheceu como provável doença a perturbação de jogos de internet, mas não incluiu a adição à pornografia na internet, apesar destas perturbações terem sintomas e mecanismos fisiopatológicos semelhantes.

Por sua vez, contrastando com esta omissão, a Sociedade Americana de Medicina de Adição, veio clarificar o fenómeno da adição. Na sua definição, a adição é considerada uma doença do cérebro, com base neurobiológica, que afeta os sistemas da recompensa, motivação, memória e circuitos relacionados. Esta sociedade acrescenta ainda que a adição pode estar associada à comida, sexo, álcool e outras drogas.

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Estranhamente poucos se interrogam por que razão se promove apenas o tratamento especializado para a adição em jogos de internet e não se incentiva também o tratamento para a adição à pornografia. Não serão ambas adições comportamentais? Isto acontece provavelmente por vergonha e estigma social. Além disso, prevalece uma visão sectária da sexualidade humana, na qual tudo é possível, não existindo lugar para o autocontrolo e domínio dos impulsos sexuais.

Nos últimos tempos, a educação sexual tem sido baseada numa visão libertária — como se ainda estivéssemos nos anos 60 — e numa perspetiva redutora que procura apenas a diminuição de riscos associados às relações sexuais. Mas a sexualidade humana vai muito mais além disto. Importa educar os adolescentes e os jovens para terem responsabilidade, respeito ao outro, e para uma sexualidade madura ligada ao amor.  Ainda hoje me surpreende que tenha sido aprovada no nosso país uma Lei sobre educação sexual na qual não consta uma única vez a palavra “amor”.  Desvalorizar este aspeto é promover uma sexualidade superficial, promíscua e sem pensamento.

Com base em testemunhos pessoais, tem-se observado cada vez mais casos de adição à pornografia nos adolescentes e jovens. Esta adição provoca uma visão perturbada da sexualidade humana, uma redução no rendimento escolar, dificuldades no relacionamento interpessoal, um aumento do risco de comportamentos sexuais agressivos e uma incapacidade para se alcançar uma vivência da sexualidade plena e gratificante. É tempo para se discutir e estudar este assunto, já que não se reduz ao campo da educação, trata-se também de uma matéria de saúde pública que não pode ser ignorada.

Médico Psiquiatra