O país ficou chocado com a notícia da expulsão de mais de um milhar de jovens devido a atos de vandalismo num hotel de Torremolinos, onde estavam hospedados. Mas o que é que pode explicar esta autêntica olimpíada de vandalismo e de destruição? Existem várias razões, mas talvez a mais importante seja a ausência de uma capacidade que os clássicos chamavam de temperança (do latim temperantia), mais recentemente designada por autocontrolo e que faz parte da “Inteligência emocional”.

Quando não se possui autocontrolo são transferidos para o comportamento um conjunto de impulsos mais primitivos, entre os quais se encontram a busca do prazer imediato e a violência. Nestas idades o córtex pré-frontal ainda não atingiu a maturidade necessária para controlar de forma adequada os impulsos e as emoções provenientes da ativação de outra estrutura nervosa chamada amígdala e que integra o sistema límbico. Mas este aspeto não serve por si só para tornar inimputáveis os jovens, nem tão-pouco para justificar o seu comportamento, serve apenas para reforçar a necessidade de se defender uma educação com uma componente normativa, de modo a serem transmitidas regras e um sentido de responsabilidade.

Neste contexto, é totalmente incompreensível que se organize uma viagem de finalistas com o “bar aberto”, possibilitando o consumo de bebidas alcoólicas a menores de forma totalmente desregrada. Ora, nestas idades é o mesmo que dizer “podes beber até caíres para o lado”, e muitas vezes caem mesmo para o lado sem darem por isso. Quando se bebe álcool o objetivo é fazê-lo de forma moderada, facilitando o convívio social, e não propriamente beber até atingir o coma alcoólico, como infelizmente acontece cada vez mais nestas idades.

Se o autodomínio é uma virtude, há muitos jovens que não conseguem desenvolver esta capacidade e levam esta limitação para a vida adulta, tornando-se pessoas imaturas, escravos dos próprios desejos, com grandes dificuldades de adaptação e com poucas probabilidades de sucesso na sua vida familiar, social e profissional.

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Nas últimas décadas houve uma tendência para se implementar modelos educativos experimentais teóricos, como uma vertente demasiado desresponsabilizadora, totalmente dissociados da realidade psicobiológica humana. Os resultados estão à vista: casos crescentes de indisciplina, desautorização da figura do professor e uma desvalorização do ensino. A sociedade não melhorou, e este modelo acaba por contribuir para que muitos jovens perpetuem a sua adolescência na idade adulta, através de uma atitude perante a vida irrealista, governada pelos desejos, repleta de direitos e desprovida de deveres.

Talvez por isso, as expulsões de alunos das salas de aula, por razões disciplinares, continuem a ser demasiado frequentes nalgumas escolas. Há dias escutei um relato de uma professora que tinha expulso 15 dos 30 alunos da turma por indisciplina. Percebe-se que há um ambiente difícil. Estes casos fazem da atividade docente um exercício insuportável de paciência, comprometem a saúde psíquica dos professores, e originam uma tensão constante que nem o melhor dos ansiolíticos consegue atenuar. Estas situações de indisciplina revelam comportamentos antissociais que — embora num modelo de menor escala, e sem o efeito potenciador do álcool e das drogas —, acabam por replicar a situação de expulsão dos finalistas em Torremolinos.

Muitos pais têm perdido a autoridade sobre os seus filhos, e com frequência capitulam quando é necessário impor limites ou aplicar castigos perante comportamentos desviantes. Ouço-os dizer, num tom resignado, “agora é tudo assim”, “todos os amigos consomem álcool e drogas”, etc. Porém os limites e as repreensões também têm uma função pedagógica, ajudam a estruturar a personalidade, preparando os adolescentes para a vida adulta, já que na vida real todos nós somos confrontados com limites e consequências quando desrespeitamos determinadas regras e obrigações.

Os atos de vandalismo ocorridos em Espanha, cometidos provavelmente por um número restrito de jovens, acabaram por dar uma péssima imagem dos colegas, humilharam os pais e desprestigiaram o país. Afinal, o autocontrolo é uma virtude humana que deve ser ensinada e aprendida. Como disse Benjamin Franklin “A fúria tem sempre uma razão, mas raramente uma boa razão”.

Médico Psiquiatra