Os holandeses, no fim do ano passado, não se revelaram saturados de Geert Wilders.  A sua retórica algo incendiária, que utilizou durante vários anos (nomeadamente durante os executivos de Jan Peter Balkenende e de Mark Rutte), reclamando por um maior controlo da imigração (principalmente de muçulmanos) e defendendo a saída da Holanda da UE e a priorização dos holandeses (“os holandeses primeiro”), parece ter valido a pena.

Artigos, comentários televisivos e livros que “culpam” homens e mulheres brancos nas áreas rurais da Europa e dos EUA pelo sucesso eleitoral de Donald Trump, Víktor Orbán e Mateusz Morawiecki não faltam. Mas se nos quisermos afastar de interpretações redutoras dos motivos pelos quais a confiança dos eleitores holandeses em alguém como Wilders chegou aos níveis que presenciámos, então temos de procurar explicações mais abrangentes (e sérias). A Professora Mara-Katrina Cortez expôs duas teorias no seu artigo “Who Are Populist Voters” (“Quem São os Eleitores Populistas”), publicado a 4 de Dezembro de 2023 no City Journal, que podem ser aplicadas às últimas eleições na Holanda. Estas duas teorias são da autoria de Pippa Norris e Ronald Inglehart.

Uma teoria é a de que a privação económica (percecionada ou materializada) e a globalização encorajam os eleitores a depositarem confiança em políticos da direita radical. Acompanhado este raciocínio, a globalização, a automação e a imigração, produtos de economias cada vez mais interligadas, têm minado as expectativas económicas dos cidadãos da Europa e dos EUA. A direita radical é, segundo esta teoria, chamada a intervir, para resolver ou fingir que resolvem os problemas mais ou menos angustiantes dos perdedores da imigração, do desenvolvimento tecnológico e da intensificação dos fluxos migratórios. Enquanto os mais afluentes vêm com bons olhos a globalização e se aproveitam dos seus benefícios económicos, outros, os chamados “perdedores da globalização”, são deixados para trás.

Em contrapartida, uma outra teoria tende a destacar os fatores culturais, mas nunca ignorando o poder explicativo (mas nunca exclusivo) dos fatores económicos. Assim, esta última teoria defende que a escalada eleitoral dos partidos e dos políticos de direita radical provém de uma “reação cultural” protagonizada pelos cidadãos europeus e norte-americanos (se bem que também existam evidências empíricas no chamado Terceiro Mundo e nos países emergentes, como no Brasil). Segundo esta teoria, em vez da insegurança económica, os eleitores preocupam-se em travar o avanço de valores culturais progressistas. Cortez entende que esta teoria, a que chama de “modelo do choque cultural”, é determinante para compreendermos o desenrolar campanha para as eleições gerais holandesas de Novembro de 2023 e o seu resultado. Se, no início de Outubro de 2023, o partido de Geert Wilders obteve nas sondagens pouco mais de 10% dos votos, o seu apoio eleitoral (estimado nas sondagens) disparou “depois de a Guerra entre Israel e o Hamas ter começado e os protestos pró-Palestina varrerem a nação (a Holanda)”. Aqui, não diria que a teoria foi verificada, até porque Cortez admite que não é possível “estabelecer uma conclusão causal”. Contudo, diria que é inevitável concordarmos que estes acontecimentos poderão ter encorajado muitos eleitores holandeses a assumirem a sua simpatia por Wilders, precisamente por terem observado uma “mudança cultural radical a explodir diante dos seus olhos”. Não seria assim se Wilders não tivesse uma carreira política baseada, entre outras temas, na oposição à imigração muçulmana desenfreada ou insuficientemente regulada.

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Outro aspeto que pode desiludir aqueles que tentam impingir a imagem dos eleitores de políticos como Wilders como velhos rabugentos que não se conformam com o progresso e os direitos humanos, seja lá o que cada um desses conceitos significa, é que o mais conhecido representante da direita radical holandesa foi o que obteve mais votos de eleitores com idade entre os 18 e os 35 anos.

Se tivermos em mente o “modelo do choque cultural”, então não devemos partilhar da reação de surpresa que vários jornalistas, políticos e académicos revelaram quando Geert Wilders venceu as eleições de Novembro de 2023. A cientista política Ayann Hirsi Ali e a psicóloga, escritora e consultora Evelyn Markus escreveram, em conjunto, o ensaio “The Death of the Old Europe-and the Rise of the Right” (“A Morte da Velha Europa-e a Ascensão da Direita”), que foi publicado no The Free Press a 29 de Novembro de 2023. Neste artigo, apresentaram algumas anedotas curtas que sumarizam “a transformação desde a década de 2000 para a frente” (da Holanda). Enumeremos algumas: durante a Segunda Intifada, que começou em 2000, imigrantes muçulmanos de Marrocos começaram a agredir judeus em Amesterdão; expressões como “judeu cancerígeno” foram-se vulgarizando nas ruas de Amesterdão; durante partidas de futebol e nas comemorações dos mortos na II Guerra Mundial, tornaram-se quase banais cânticos como “Hamas, Hamas, judeus para o gás”; o poder judiciário considerou a afirmação de que “a homossexualidade é contagiosa e um perigo para a sociedade”, proferida por um imã na rede pública de televisão holandesa, e a distribuição e venda de livros islâmicos em mesquitas e livrarias que instruíam o lançamento de homossexuais “do telhado com as suas cabeças para baixo” como discursos e comportamentos protegidos pela liberdade religiosa; o sociólogo e político Pym Fortuyn, que esteve perto de vencer as eleições em 2002, foi “abandonado” pela elite política holandesa quando intensificou a referência à imigração e ao Islão durante a sua campanha, tendo chegado a chamar ao Islão “retrógrado” e “misógino” e que acabou por ser assassinado por um homem vegano que queria “impedir um Hitler potencial de chegar ao poder”; em Novembro de 2004, a garganta do realizador de cinema Theo van Gogh foi cortada no centro de Amesterdão, em pena luz do dia.

As duas autoras identificam problemas na Holanda que têm muito mais anos do que os barulhentos e agressivos protestos pró-Palestina. Os holandeses ordinários já não tinham sido consultados no que toca ao aumento da população muçulmana no seu país: enquanto, em 1960, 60 mil muçulmanos viviam na Holanda, esse número alcançou aproximadamente os 1.2 milhões em 2023. Essa variação astronómica, segundo Hirsi Ali e Markus, deveu-se a uma imigração em cadeia massiva, ao regime de asilo e às elevadas taxas de natalidade entre a comunidade muçulmana. Ao lado disso, “menos de 50 mil judeus permanecem na Holanda”. Os trabalhadores dos serviços secretos holandeses e os cidadãos ordinários revelam uma preocupação em comum, que foi ignorada durante décadas pelas elites políticas holandesas: os Islamistas infiltraram-se no país e isso é uma ameaça ao estilo de vida holandês, pelo que cabe tomar medidas o mais depressa possível para os combater. No início do século, a Holanda era um dos países mais europeístas da EU. Atualmente, o nível de confiança depositada na UE pelos holandeses no que toca à migração e à gestão das fronteiras é muito mais baixo do que há duas décadas. A oposição à concentração da autoridade em instituições supranacionais é hoje muito evidente na Holanda, precisamente um dos países fundadores da Comunidade Económica Europeia (CEE).

Foi o trágico dia 2 de Novembro de 2005, quando Theo Van Gogh foi assassinado, que trouxe Wilders para as luzes da ribalta. Ainda no mesmo ano, Wilders desfiliou-se do Partido Popular Para a Liberdade e Democracia (VVD) e começou a planear a fundação do novo partido que ainda hoje lidera, o Partido Para a Liberdade (PVV). Wilders não se conformou com a posição do VVD quanto a uma eventual adesão da Turquia à UE (o VVD esteve disposto a convidar a Turquia para o espaço europeu mediante o cumprimento de determinadas condições, o que Wilders viu como uma posição demasiado flexível). Desde então que Wilders tem tido pouco rivais no que toca ao nível de controvérsia na política holandesa, sendo apenas comparável com Thierry Baudet. É muito a Wilders que devemos a chegada à agenda política dos Países Baixos de duas medidas: a proibição do Alcorão e o fim da construção de novas mesquitas. Há mais de quinze anos que faz campanha contra a “Islamização da Holanda” e, em 2014, chegou a perguntar a uma multidão se queria “mais ou menos marroquinos” (na Holanda), tendo-lhe sido respondido um entusiasmado “sim”. Wilders prometeu que a redução do número de marroquinos no seu país podia ser concretizada, o que mereceu a condenação (sem atribuição de pena) do Tribunal Supremo da Holanda por ter proferido um “insulto coletivo ilegal”.

Há que referir que o líder do PVV se moderou um pouco durante a última campanha. Por exemplo, a frase “o Islão não é uma religião, mas sim uma ideologia totalitária” e a proposta de criação de um “Ministério da Re-Imigração e da De-Islamização” foram retiradas do último programa eleitoral.

Geert Wilders já disse que não ia ser primeiro-ministro, mas foi crucial para que uma futura coligação de direita venha a governar a Holanda em breve. O acordo foi alcançado entre o PVV de Wilders, o BBB (Movimento Agricultores-Cidadãos), o VVD (Partido Para a Liberdade e Democracia) e o mais recentemente fundado NSC (Novo Contrato Social). Apesar de em alguns círculos bem-pensantes se ter sublinhado que a eventualidade de Wilders vir a encabeçar um executivo poder manchar a imagem da Holanda, todos nós sabemos que ele estará por detrás de maior parte das políticas implementadas.

A época histórica em que a Holanda e outros países europeus se encontram, muitos deles fundadores da UE, acaba por ser um presente para figuras como Geert Wilders. Vale a pena aqui citar um jornalista norte-americano e norueguês que é, desde a década de 1990, completamente insuspeito quanto ao seu desconforto com o que considera ser o fundamentalismo de religiões como a do cristianismo evangélico: “(…) não ficara muito preocupado com o facto de a fé cristã na Europa Ocidental ter caído a pique desde a Segunda Guerra Mundial e com o facto de as igrejas estarem agora quase vazias. Mas começo agora a compreender que, ao desaparecer, a fé cristã levara com ela a conceção de sentido e objetivo de vida – e deixara o continente europeu vulnerável a ser conquistado por pessoas com uma fé mais profunda e convicções mais fortes”. Dezoito anos após a publicação da única obra de Bruce Bawer traduzida para português, “Enquanto a Europa Dormia: Como o Islamismo Radical Está a Destruir a Europa a Partir de Dentro”, parece que os europeus que acordaram ainda não são suficientemente compreendidos. Aliás, são demasiado satirizados e alvo de uma caça às bruxas, em nome do “antirracismo” e do “multiculturalismo”, o que não ajuda a avançarmos em direção à resolução de problemas prementes. Geert Wilders é, desde há muito, uma lição para a Europa e para o mundo. Ele pode ajudar a Europa a proteger-se das ameaças que a destroem, ora mais ruidosamente, ora mais silenciosamente. Espero que ele e os vencedores das últimas eleições europeias venham a tempo de evitar a queda definitiva da Europa e fazer com que os europeus reconheçam minimamente a sua casa.