É, ao que parece, um dos temas mais quentes no actual debate político: será Pedro Nuno Santos um ganda daddy ou aquele mesmo rapaz com ar de presidente da Associação de Estudantes, agora mais magro e com um fatinho melhor?

Saltemos a parte em que reconhecemos não saber ao certo o que “ganda daddy” queira dizer. A questão é: o magnetismo pessoal tem, certamente, importância em política, mas quanto conta na hora de votar?

A imagem é um assunto seríssimo em qualquer carreira mediática. Desgraçadamente, a evolução biológica preparou-nos para formar em milissegundos uma ideia sobre os outros, muito antes de sequer abrirem a boca para soltar a primeira palavra. Vem do tempo da selva e ainda não nos passou, como o gato da vizinha que estuda cautelosamente se lhe vamos fazer uma festa ou atirar um pau, como avisava a cantiga, assim que lhe aparecemos no espantoso campo de visão.

Acresce o nosso tempo de atenção cada vez mais reduzido. Retiramos mais informação de uma foto do que de uma entrevista de uma hora. E, mesmo quando nos dispomos a dar descanso ao polegar estafado do scroll e ver um debate, tendemos a reter mais a postura global e um ou dois sound bites do que qualquer raciocínio com princípio, meio e fim.

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Dito isto, a pergunta é: que tipo de pessoa queremos para primeiro-ministro, sabendo, de antemão, que provavelmente estaremos sempre a votar mais numa personagem do que numa pessoa propriamente dita?

A beleza vende quase tudo: sabonetes, electrodomésticos, carros, filmes, canções, caixas de cereais, roupa, cremes, bebidas, casas, estilos de vida. Mas será mesmo um trunfo em política? Países famosos pela sua produção maciça de sex symbols, e em linhas bem diferentes, como o Brasil ou a Itália, não têm escolhido propriamente deuses gregos para liderarem os seus destinos – ou romanos, ou iorubá. Trudeau, no Canadá, ou Sanchéz, em Espanha, têm pinta de actores de cinema, mas foi Angela Merkel a personalidade política mais influente da Europa nos últimos 20 anos, e os Estados Unidos, que inventaram Hollywood e quase todas as grandes máquinas globais de fazer imagens, talvez o caso mais gritante de uma cultura que já não parece confiar em ninguém com menos de 70 anos para a liderar. Em Portugal, bem podemos gabar o charme aos líderes comunistas e o sex appeal ao Bloco, que, na hora de escolher candidatos presidenciais e líderes dos partidos de poder, caímos historicamente para figuras com ar de quem não perdeu com a sua aparência mais tempo do que o estritamente necessário.

É um equilíbrio curioso. De Tony Blair escreveu-se que um homem que não sabia o que fazer ao próprio cabelo, como haveria de saber o que fazer ao país. Mas, se alguém passa a ideia de que empenhou mais horas de volta da barba ou da maquilhagem do que do descongelamento da carreira dos professores ou de uma solução para a falta de médicos, também nunca vai sair de candidato a candidato. A beleza mete-nos no mapa, coloca-nos na conversa, atrai, mas nada tem a ver com confiança, que é o valor mais basilar em qualquer relação que não se passe num motel. Votamos em boas noras, bons genros, bons netos, bons pais (mas julgo que não seja essa a acepção do “daddy” d@s pedronunettes), bons candidatos a pais e mães dos nossos filhos, não em quem gostaríamos de levar para a cama.

Coisa diferente é o carisma. Palavra complicada. Diz-se de Pedro Nuno que “tem carisma”, como se diz de André Ventura que “tem carisma”. Note-se o imbróglio. O “carisma” não vem acoplado a ideologias políticas específicas; pior, pode bem não vir acoplado a ideologia alguma – nem sequer a uma ideia. Aliás, num e noutro caso, particularmente no segundo, a ocorrência costuma vir cautelosamente precedida de uma adversativa: “mas tem carisma”. O carisma torna-se, então, não apenas potencialmente vazio, mas um escudo capaz de esconder ou relativizar características que verdadeiramente importem. Um cavalo de Tróia a quem abrimos a porta e que só mostrará ao que vem quando já estiver dentro das nossas linhas. Ou, no mínimo, um contrapeso para descontar ao prejuízo, como quem diz: “o tipo não presta para nada, mas tem carisma”. Ou: “o fulano deve ser uma desgraça igual aos outros, mas, ao menos, tem carisma”.

Do carisma diz o dicionário ser “a autoridade do chefe fundada em certos dons sobrenaturais”. De facto, antigamente, dizia-se dos santos que tinham “dons carismáticos”, isto é, determinadas qualidades extraordinárias, recebidas por graça divina, que lhes permitiam realizar milagres – super-poderes. Nestes dias menos dados a metafísicas, já não acreditamos em deuses nem santos, mas ficámos, na separação de bens, com “o carisma”. Continuamos a reconhecer que não é genético nem adquirido, não sabemos de onde vem, mas sentimo-lo. Fulano ou fulana “tem qualquer coisa”, dizemos nós, o “je ne sais quoi” dos franceses, não por acaso mais dados a Bonapartes do que a velhinhos barbudos. Diz-se que se sente assim que a pessoa entra na sala – o que joga perigosamente bem com a tal velocidade a que formulamos convicções sobre quem nos aparece à frente.

Não sei o que seria pior nestas eleições: se escolher entre quem tem mais carisma, se entre quem tem e quem não o tem. Pelo sim, pelo não, é capaz de não ser má ideia começar a reparar no que cada candidato realmente diz e no que cada partido realmente é, para além da pessoa circunstancialmente posta a liderá-lo. E deixemos os super-poderes para o Super-Homem e para o Thor, que não consta alguma vez tenham corrido para governar sequer lá a junta de Vila Nova de Metrópolis, quanto mais para salvarem o país.