Ainda estão por analisar muitas das repercussões da questão catalã, tal como ela se apresentou desde o referendo de 1 de outubro de 2017, mas uma coisa é certa: está a contribuir, tanto ou mais do que o Brexit ou o chumbo francês de 2005 à constituição europeia, para acabar com o sonho de uma Europa federal.

Segundo o federalista austríaco Robert Menasse, a geração fundadora da UE “sonhou com uma Europa sem nações” devido à sua experiencia de duas guerras: “para evitar isso no futuro, tem de se superar o nacionalismo e as nações”. Para ele, “a identidade regional não é uma ficção, a nação é”. Exemplifica: “uma nação vai tentando ganhar mais território, uma região não. Os bascos não têm interesse em território onde não vivem bascos”. Daí que, na sua opinião, a natureza transnacional da UE tendia a enfraquecer o Estado Nação a favor de uma “Europa das regiões”, favorecendo as pretensões catalãs.

Mas, ao revindicarem as suas ambições independentistas, os catalães provocaram o Governo central de Madrid que respondeu com duras medidas de fortalecimento do Estado Nação, apoiadas inclusive por grande parte da população espanhola. Recentes sondagens mostram que os espanhóis não querem conceder mais autonomia às regiões para resolver o problema catalão. De acordo com o “Instituto El Cano”, os adeptos de um Estado mais centralista passaram de 25% em 2015, para 36% em 2017, tornando-se atualmente a opção maioritária no conjunto dos espanhóis. Isto foi confirmado pelo “Centro de Investigaciones Sociológicas” que apurou, em Dez. 2017, que 37,8% dos espanhóis são favoráveis ao atual modelo territorial e 27,4% querem diminuir as autonomias; contra apenas 25,4% favoráveis a aumentar a autonomia das regiões.

Ou seja, contrariamente ao que se poderia esperar, a questão catalã tem provocado um endurecimento da opinião pública espanhola contra a concessão de mais autonomia às regiões e reforçado o Estado Nação, afastando, no horizonte do modelo territorial espanhol, a tendência no sentido de um sistema federal para o seu próprio país.

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Isto pode explicar a subida do partido Ciudadanos (Cs) na opinião pública espanhola e sobretudo nas últimas eleições ao Parlamento catalão. Contra aqueles que pretendem resolver o problema catalão pela via negocial, Ciudadanos propõe-se robustecer a posição atual do Governo central e preservar o cumprimento integral da Constituição. Este partido que nasceu em 2006 precisamente em Barcelona e que inesperadamente saiu vencedor nas últimas eleições catalãs, não acredita que atribuir maior autonomia contribua para resolver o problema, antes pelo contrário, entende que mais concessões dadas aos independentistas apenas irão aumentar o desejo de independência. A vitória de Inés Arrimadas, presidente do Cs catalão, expressa o sentir da maioria da população espanhola e a tendência atual é para que o Governo central liderado pelo Partido Popular venha a ser substituído por outro, mais assertivo, precisamente do Ciudadanos.

Para além de reforçar a unidade nacional espanhola, a crise catalã também está a obrigar os europeus a decidir o que querem da UE. Se a UE for encarada como um projeto de natureza essencialmente supranacional, a questão catalã não deveria ser um problema, porque tanto os independentistas como os constitucionalistas estariam a lutar por poderes que já não lhes pertenciam: as competências, que ambos reivindicam, estariam ou iriam parar, mais tarde ou mais cedo, a mãos europeias. Afinal, nenhum deles retém controlo sobre a política monetária ou sobre as fronteiras, que já foram cedidas à UE.

Em contrapartida, se a UE for apenas compreendida como uma aliança de Estados com instituições compartilhadas, já se compreende que os Estados europeus se tenham unido em torno das posições do Estado espanhol e condenado o separatismo catalão.

A questão catalã está a ser um divisor de águas a nível nacional e a nível europeu – e o tão apregoado federalismo europeu está a mostrar não ser mais do que um pretexto sob o qual se prosseguem, afinal, interesses nacionais.

Inesperadamente, é a própria Europa das regiões que está a dar cabo do federalismo europeu.