Há precisamente 20 anos, Philip Roth lançou um dos seus livros mais bem-sucedidos comercialmente: A Conspiração contra a América. Neste livro, Roth faz um exercício de história contrafactual: na eleição presidencial de 1940, Charles Lindbergh, cujo filho tinha sido raptado na vida real em 1932, derrotara FDR, assinando, de seguida, um pacto de não-agressão com a Alemanha Nazi. O novo presidente Lindbergh dedicou-se então a subverter a democracia Americana e a alimentar o antissemitismo latente em largas camadas da população WASP. Roth resolve o livro fazendo com que Lindbergh desapareça no meio de um voo no Atlântico, abrindo o caminho para a eleição de FDR em 1942.

A história contrafactual que Roth escreveu brilhantemente como era seu apanágio, mostra com meridiana clareza como uma eleição pode ser consequente ao ponto de mudar a história do mundo. A provável eleição de Donald Trump em 2024 será um ponto de viragem no mundo Ocidental construído no pós-Guerra. Trump é um candidato iliberal, anti-institucional e que despreza o mundo civilizado de regras e normas que os Estados Unidos lideraram desde que saíram vencedores da Guerra Fria.

Em 2016, Trump chegou ao poder de forma inesperada e sem qualquer preparação para o cargo. Para além de algumas tiradas racistas e de proteccionismo económico que interpretavam muito bem o ar do tempo, Trump não tinha um grupo político preparado para implementar um programa coerente e consistente. Sobreviviam ainda facções dentro do GOP que não haviam sido infectadas pelo MAGA. De resto, durante meses (ou mesmo anos) houve um conjunto de lugares-chave na Administração (e até mesmo em embaixadas no estrangeiro) que ficaram por ocupar porque Trump simplesmente não tinha preparado uma equipa para seleccionar e, mais tarde, nomear as pessoas que encarregar-se-iam da implementação das políticas públicas do presidente. Esta dificuldade permitiu, em grande medida, mitigar os danos da presidência Trump. A maior e mais importante consequência do seu primeiro mandato acabou por ser a nomeação, muito ajudada por Mitch McConnell de quem Trump entretanto se afastou, de três juízes para o Supremo Tribunal que, quando tiveram oportunidade, acabaram por tomar um conjunto de decisões que, pouco a pouco, estão a desmantelar a democracia Americana.

Todavia, em 2024, Trump já não cometerá o mesmo erro. Iniciado em 2022, o Project 2025 tem por objectivo desenhar políticas públicas conservadoras, em grande medida tributárias da Heritage Foundation, a serem implementadas pela nova administração em caso de vitória. Para além disso, esta coligação de facções conservadoras está envolvida no moroso e delicado processo de recrutamento de pessoal político e técnico para, rapidamente, em caso de vitória de Trump, nomear burocratas e políticos para lugares-chave para fazer a mudança política acontecer. Em muitos casos, Trump terá apenas como função a nomeação destas pessoas. Uma vez nomeadas, estas pessoas seguirão à risca o plano traçado e terão pouca necessidade de ajuda do presidente para a implentação destas políticas. Em última análise, Trump poderá entreter-se a utilizar a presidência para fazer que já anunciou: resolver os seus problemas judiciais e, acima de tudo, vingar-se de todos o que tentaram, de alguma forma, pará-lo desde que apareceu na cena política a descer as escadas da Trump Tower em 2015.

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A escolha de JD Vance como candidato à vice-presidente evidencia a preocupação de Trump com a ideia de total institucionalização do MAGA e a nomeação de um herdeiro político. A sua nomeação parece indicar que Trump está seguro da vitória e aposta na mobilização intensa da sua base eleitoral. Vance é um ultraconservador com visões verdadeiramente medievais sobre os direitos das mulheres e das minorias. Com esta escolha, ao contrário, por exemplo, de Tim Scott ou Marco Rubio, Trump parece ignorar a necessidade de piscar o olho ao eleitorado afro-americano ou latino.

Será tudo isto uma inevitabilidade? Os Democratas cometeram um enorme erro ao esconderem aquilo que são as evidentes debilidades cognitivas do actual presidente. Ao invés de terem admitido que Biden já não está capaz de derrotar Trump por manifesto peso da idade, o círculo mais próximo de Biden escondeu a realidade, impedindo, assim, a existência de primárias abertas para escolher um candidato forte que impedisse Trump de chegar novamente à Casa Branca. Depois da catástrofe do debate, onde ficou visível para o mundo que Biden não está em condições, agora é presumivelmente tarde demais. A pouco mais de um mês da convenção Democrata, a substituição de Biden afigura-se muitíssimo complexa, quanto mais não seja porque abriria uma grande incerteza sobre o que aconteceria em seguinte. Obviamente que existem dados de grande qualidade sobre qual seria o resultado expectável caso outro candidato ou candidata tomasse as rédeas do partido Democrata. No entanto, o acto de mudança de candidato introduziria um choque no modelo que impede qualquer previsão realista.

O atentado falhado à vida de Donald Trump parece complicar ainda mais a vida a Joe Biden. É certo que temos de ser muito cautelosos quanto às suas consequências. A incerteza que este evento introduz na campanha é enorme. Não acho que o atentado garanta por si só a eleição a Trump. Ninguém saberá as suas consequências até serem contados os votos e, mesmo aí, nunca conseguiremos isolar com clareza o efeito deste único evento. No entanto, parece-me claro que, se não ajudar Trump, certamente não o prejudicará.

Em primeiro lugar, o atentado teve uma consequência politicamente relevante: matou o momentum que existia para pressionar Biden para abandonar a corrida. Se este assunto voltar novamente acima da mesa, será então tarde demais. Salvo alguma grande surpresa de última hora, Trump enfrentará Biden em Novembro. Em segundo lugar, permitiu a Trump emergir cenicamente como um candidato com coragem física que, mesmo perante uma tentativa de assassinato, levanta-se e grita contra os poderes instituídos. Em terceiro lugar, o atentado dificultará a vida aos seus adversários para fazerem críticas acutilantes. Muitos membros do Partido Republicano apontam já a retórica Democrata acerca do perigo existencial de Trump para a democracia Americana como tendo alimentado o clima político e social que levou ao atentado. Nos próximos meses, esta consideração pesará como uma Espada da Dâmocles nos Democratas que pensem fazer críticas mais acintosas a Trump e ao perigo que este representa para a democracia. Por último, o atentado poderá ter um efeito eleitoral importante. Nestas eleições não haverá eleitores indecisos. No fundamental, a vitória será de quem conseguir mobilizar a sua base eleitoral. A imagem de Trump ensanguentado contra uma bandeira Americana, rodeado pelos serviços secretos, é perfeita para mobilizar a sua base e, em grande medida, permite confirmar a narrativa que Trump tem alimentado ao longo dos últimos anos.