Qualquer cor acompanha qualquer comida e a temperatura a que se serve é secundária. Não têm muito corpo, mas isso é uma característica e não um defeito. São frescos, rústicos, mas refinados. Falo dos vinhos talha.

Fui até Vila de Frades, e quem por lá já passou, deparou-se com certeza com as ruínas de uma enorme vila Romana, edificação, que em seu tempo, seria sede de uma grande lavoura dessa época. Mesmo ali ao lado, fica Vila de Frades, onde alguns dos seus habitantes mantiveram viva a arte de fazer vinho como os Romanos o faziam.

As talhas são feitas de barro vermelho, a sua forma assemelha-se às jarras cerâmicas de outros tempos, são arredondadas, altas, fazem lembrar a forma de um ovo, como evocavam os Gregos da antiguidade. Mas as maravilhas desta região não ficam só pelo líquido produzido nesses grandes potes de barro, há muitas outras coisas que nos podem encher a alma de alegria. Há o cante, a comida, e a arquitetura que em um só olhar nos cativa por ser tão bela, mas também porque se integra tão bem com a paisagem natural que a rodeia.

Com esta introdução sobre os vinhos de talha, não pretendo aqui escrever sobre enologia ou bebidas alcoólicas, quero sim realçar que existe, pelo território fora, tanto para apreciar, único e especial. E num momento em que as viagens e o turismo estão tão em voga, também podemos, se assim o entendermos, fazer esta diferenciação, entre formas de se viajar e visitar regiões.

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Continuando neste percurso, um pouco a norte da Vidigueira está Reguengos de Monsaraz, sendo Monsaraz, aquela vila lá no alto, um dos pontos mais belos do Sul do país. Por estas latitudes o sol bate de forma mais calorosa quando nos toca na pele, e encontramos por aqui também tão bons petiscos e pratos tradicionais. Saliento o ensopado de borrego, que quando bem quentinho e cheio de pão Alentejano molhado no seu caldo, nos cura de qualquer mal.

Mais abaixo podemos degustar os queijos de ovelha de Serpa, entre tantas outras iguarias, igualmente boas. Em termos de artesanato, as olarias de São Pedro do Corval também merecem referência e mesmo ali perto fica Vila Viçosa, terra onde os Reis de Portugal mantiveram o seu palácio de campo.

Seguindo pelo Guadiana abaixo, vislumbramos paisagens, quase selvagens, que se tivermos suficiente imaginação, nos podem dar uma indicação de como seria este paradisíaco vale em outras eras. E talvez seja em Mértola, que o Alentejo e o Algarve se fundem.

Chegamos ao Algarve, e é zona de praias e turismo, mas é também muito mais. É um Jardim do Éden, onde tudo o que se produz é bom. Falo do sal, da fruta, do azeite, do vinho, dos doces e claro, do marisco e do peixe. Já o clima, esse não necessita das minhas palavras. Se nos virarmos para o Oeste temos Faro, Tavira, Loulé, Albufeira e depois o Barlavento Algarvio até Sagres. Se nos virarmos para Este, Espanha.

Com Almancil do nosso lado direito, dá se início à paisagem de marismas e ria, e este ecossistema produz um espelho de água e luz, ampliando os tons prateados, esbranquiçados e amarelos irradiados pelo sol. Luminosidade única, e que tão belo contraste faz com o verde das copas dos tantos pinheiros mansos que adoram estes espaços. Passamos por cima da boca do Guadiana, entramos em Espanha, sabe bem fazer uma paragem para churros e um café bem quente.

Agora em plena Andaluzia, os Pueblos Blancos, que zona tão magica. Umas horas na Duna de Bolonia onde também encontramos vestígios Romanos, e mais outras em Barbate. Caminhamos a pé pela longa praia de Zahara onde as águas do Atlântico se transformam em águas do Mediterrâneo ou vice-versa.

Depois visitamos Vejer da La Frontera, Conil de la Frontera e San Lucar de Barrameda onde nas vibrantes esplanadas se pode provar o mais delicioso atum ou camarão. Talvez o ponto alto seja Cádis, a pérola da península Ibérica e do ocidente, uma cidade e uma ilha. Antigo entreposto Fenício, que se formos para lá levados de olhos vendados, não seria possível dizermos onde estávamos, se nos trópicos ou numa ilha mediterrânica. Vale a pena nadar nas águas que rodeiam o Faro de Cádis, descansar um pouco na Playa la Caleta e almoçar no bairro da Viña.

A caminho de Sevilha, passamos por Jerez de la Frontera, para tomar um vinho fortificado, seco ou doce, e ouvir umas Bulerias. Neste percurso etnográfico, já estamos por Sevilha, se for Abril, vale a pena assistir a uma corrida. Se não, há sempre o rio, as ruas do centro e as tapas que são tão boas, mas ao mesmo tempo surpreendentemente baratas.

Regressamos na direção de Portugal, estamos cansados, mas ao mesmo tempo maravilhados, se calhar vamos até Badajoz ver a maravilhosa Plaza Alta ? Ou talvez arriscamos mais uns quilómetros e vamos até Cáceres, Trujillo ou Olivença? Mas também é obrigatório ir até à maravilhosa cidade de Évora, apreciar as suas pitorescas ruas, a linda praça do Giraldo ou ver o templo Romano.

A cultura não é uma só coisa, são mil coisas e todas as camadas que a compõem. Neste texto não sou capaz de referir tudo o que é belo e especial, nesta região do nosso Sul, da Raia e de Espanha, mas de uma coisa tenho a certeza: o que temos de verdadeiramente especial é o que é único: a identidade cultural. Uma região é feita de tradições, mas as tradições não são totalmente estáticas, é preciso que haja continuidade e mais importante, pessoas, umas para as manter e outras para as apreciar.