Vladimir Putin deverá sentir-se um dirigente feliz, um autocrata que impõe medos dentro e fora do seu país, que obrigou todo o mundo a ouvir a sua voz de trovão.

Diariamente, ele recebe um ou vários telefonemas de dirigentes de outros países a propósito do alargamento da NATO, da situação em torno da Ucrânia, sucedem-se as visitas a Moscovo de presidentes e primeiros-ministros para se encontrarem com ele e abordarem os mesmos temas. Nunca antes Putin se sentiu um líder tão temido (recuso-me a empregar o adjectivo respeitado, pois ele não se adequa à política do autocrata russo) como actualmente. A sua política de “pressão permanente” está a surtir efeito, criando uma atmosfera de histeria na Rússia e no Ocidente.

Não faltam na Rússia cabeças delirantes que apelam não só a uma invasão da Ucrânia e muito mais. Margarita Simonyan,  chefe do canal propagandístico Russia Today, perguntou, em nome dos seus seguidores nas redes sociais, a Serguei Lavrov, dirigente da diplomacia, quando é que a Rússia irá “fazer Washington ir pelos ares?”. O ministro russo respondeu, utilizando a fórmula oficial: “Não queremos guerra. Mas também não permitiremos que espezinhem os nossos interesses, que os ignorem”.

Serguei Soloviov, que dirige um dos programas onde mais se ataca a Ucrânia na televisão russa, não quer ficar atrás no discurso e, durante uma discussão sobre um possível ataque da NATO contra Kalininegrado, grita: “Nós abriremos imediatamente fogo e nada lá restará. Golpe imediato. Putin disse uma vez que atacaremos tanto os quarteis-generais como os lugares onde são tomadas semelhantes decisões”.

O líder palhaço-nacionalista, Vladimir Jirinovskii, que diz aquilo que realmente vai na cabeça de alguns dirigentes russos, afirma em mais um programa televisivo: “Como resultado das acções militares, passaremos a ser a única superpotência no mundo. Só Moscovo ditará as condições… Utilizaremos todos os nossos armamentos, mesmo aqueles que vocês não conhecem… Arderá metade da Europa, metade da América… Nós também iremos sofrer, mas será o vosso fim… A destruição das vossas forças armadas, do sistema financeiro, da vossa direcção. Não existirá qualquer Ucrânia. Esqueçam essa palavra… Vamos ter todo o mundo ajoelhado a nossos pés… É preciso fazer isso imediatamente…”.

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A propaganda russa faz-me lembrar o seguinte ditado soviético: “Não irá haver guerra, mas terá lugar uma luta tão intensa pela paz que não ficará pedra sobre pedra”.

Deste lado saem também expressões semelhantes da boca de alguns políticos, comentadores e jornalistas, pois nesta crise não há santos e pecadores.

Foram cometidos muitos erros de parte a parte e devem ser emendados. Nesse sentido, seria importante dar ouvidos às vozes sensatas. Uma delas é o general-coronel na reserva Leonid Ivashov, que, entre 1996 e 2001, esteve à frente da Direcção Principal de Cooperação Militar Internacional do Ministério da Defesa da Rússia. Trata-se de um militar nacionalista, o que mostra que não é só a fraca oposição liberal que critica a política de Putin face à Ucrânia e à NATO.

Em nome da União dos Oficiais da Rússia, organização que reúne militares na reserva, Ivashov,  dirigiu a Vladimir Putin uma dramática mensagem.

Peço desculpa ao leitor, mas vou traduzi-la integralmente para que não seja acusado de má-fé. Esta organização afirma: “Hoje, a humanidade vive na expectativa de uma guerra. E a guerra significa inevitáveis vítimas humanas, destruições, sofrimentos de um grande número de pessoas, o fim do modo de vida normal, a destruição de sistemas vitais de funcionamento de Estados e povos. Uma guerra grande é uma enorme tragédia e um crime grave. Acontece que no centro desta ameaçadora catástrofe está a Rússia. E pela primeira vez na sua história.

Antes, a Rússia (URSS) conduziu guerras inevitáveis (justas) e, guerra geral, quando não havia outra saída, quando estavam sob ameaça os interesses vitais do Estado e da sociedade.

E o que é que hoje ameaça a existência da própria Rússia, há semelhantes ameaças? Pode-se afirmar que, realmente, as ameaças estão à vista: o país está no limiar de terminar a sua história. Todas as esferas vitalmente importantes, incluindo a demografia, degradam-se constantemente e os ritmos de redução da população batem recordes mundiais. E a degradação tem um carácter sistémico e, em qualquer sistema complexo, a destruição de um dos elementos pode conduzir à queda de todo o sistema.

E, pensamos nós, esta é a principal ameaça para a Federação da Rússia. Mas esta ameaça tem uma natureza interna, que parte do modelo de Estado, da qualidade do poder e da situação da sociedade.

E as causas do seu aparecimento são internas: a inviabilidade do modelo estatal, a total incapacidade e falta de profissionalismo do sistema de poder e administração, a passividade e desorganização da sociedade. Nenhum país viverá muito nestas condições.

No que respeita às ameaças externas, elas estão incondicionalmente presentes. Mas, segundo peritagens nossas, elas, actualmente, não são críticas, não ameaçam directamente o Estado da Rússia, os seus interesses vitalmente importantes. Em geral, conserva-se a estabilidade estratégica, as armas nucleares estão seguras, os contingentes da NATO não aumentam, não há sinais de actividade ameaçadora.

Por isso, a situação crescente de tensão em torno da Ucrânia tem, antes de tudo, um carácter artificial, mesquinho para algumas formas internas, nomeadamente da Rússia. Como resultado da desintegração da URSS, em que a Rússia (Ieltsin) teve uma participação decisiva, a Ucrânia tornou-se um Estado independente, membro da ONU, e, em conformidade com o artigo Nº 51 da Carta da ONU, goza do direito à defesa individual e colectiva. A direcção da Federação da Rússia não reconheceu até agora os resultados do referendo sobre a independência da República Popular de Lugansk e da República Popular de Donetsk, nomeadamente no processo do Processo de Transição de Minsk, sublinhou a pertença desses territórios e da população à Ucrânia. Também nada se disse a alto nível sobre o desejo de manter relações normais com Kiev, não destacando relações especiais com Donetsk e Lugansk.

A questão do genocídio por parte de Kiev nas regiões do sudeste não foi levantada nem na ONU, nem na OSCE. Claro que para que a Ucrânia se mantivesse um vizinho amigo da Rússia, seria necessário demonstrar-lhe o poder atrativo do modelo russo de Estado e de sistema de poder.

Mas a Rússia não fez isso, o seu modelo de desenvolvimento e o mecanismo político de cooperação internacional afastam praticamente todos os vizinhos, e não só. A inclusão da Crimeia e de Sebastopol pela Rússia e o não reconhecimento disso pela comunidade internacional (ou seja, a esmagadora maioria dos Estados do mundo continua a considerá-los parte da Ucrânia) mostra claramente o falhanço da política externa russa e a falta de atracção da interna.

As tentativas, através de ultimatos e ameaças de emprego da força, de obrigar a “amar” a Federação da Rússia e os seus dirigentes não têm sentido e são extramente perigosas.

O emprego da força militar contra a Ucrânia, primeiro, põe em causa a existência da Rússia como Estado; segundo, fará para sempre dos russos e ucranianos inimigos mortais. Terceiro, haverá de ambos os lados milhares (dezenas de milhares) de jovens mortos, o que se reflectirá incondicionalmente na nossa futura situação demográfica nos nossos países em extinção. No campo de batalha, se tal acontecer, as tropas russas enfrentarão não só militares ucranianos, entre os quais haverá muitos jovens russos, mas também soldados e armamentos de muitos países da NATO e os Estados membros da Aliança deverão declarar guerra à Rússia.

  1. Erdogan, Presidente da Turquia, declarou claramente de que lado irá a Turquia combater. E pode-se prever que à Turquia será ordenado “libertar” a Crimeia e Sebastopol e, possivelmente, invadir o Cáucaso.

Além disso, a Rússia será evidentemente incluída na categoria dos países que ameaçam a paz e a segurança internacional, sofrerá sanções pesadíssimas, transformar-se-á num pária da comunidade internacional, e, provavelmente, ver-se-á privada do estatuto de Estado independente.

O Presidente, o Governo e o Ministério da Defesa não serão tão tontos para não compreenderem essas consequências”.

Isto deveria fazer pensar os analistas políticos que justificam a limitação da soberania da Ucrânia e a invasão deste país pela Rússia. Vladimir Putin, ao apresentar o ultimato aos Estados Unidos e NATO, como que subiu a uma árvore muito alta e agora não sabe como descer. Esperemos que desça de forma a não provocar estragos ao seu país e ao mundo.