A Procuradoria Europeia foi criada em 2017 com o intuito de investigar crimes económicos no espaço europeu, uma instituição que seria composta por um procurador de cada país participante.

No final de 2018, o Governo abriu um concurso para o lugar português naquele organismo europeu. Recebidas as candidaturas, o Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho Superior da Magistratura tinham de tomar posição. Sucede que o júri constituído dentro do Conselho Superior do Ministério Público para avaliar as candidaturas ao cargo de procurador europeu só definiu o valor de cada um dos critérios de avaliação depois de saber quem eram os candidatos, num plenário presidido por Lucília Gago, a Procuradora-Geral da República escolhida pelo PS para substituir Joana Marques Vidal.

O Conselho Superior ordena, então, os candidatos seleccionados. Em primeiro lugar, o procurador José Guerra. Em segundo, João Santos, e em terceiro, Ana Carla Almeida.

A lista foi enviada para o júri europeu do concurso, que inverteu a ordem e escolheu a procuradora Ana Carla Almeida, por considerar que tinha mais experiência na investigação do crime económico.

Ana Carla Almeida encontrava-se a liderar o processo das célebres golas anti-fumo, onde eram arguidos José Artur Neves, ex-Secretário de Estado da Protecção Civil no ministério chefiado por Eduardo Cabrita, o ex-presidente da Protecção Civil, Mourato Nunes, e o ex-adjunto do Secretário de Estado, o padeiro Francisco Ferreira, dirigente local do PS.

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Como a decisão europeia não é vinculativa, o Governo português tinha de decidir quem nomear para o cargo.

A Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que tomou posse como Juiz Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça enquanto ministra, decidiu, então, manter a intenção de nomear o procurador José Guerra, uma vez que tinha experiência europeia, por ter trabalhado no Eurojust.

José Guerra trabalhou, de facto, no Eurojust, sob a liderança de José Lopes da Mota. Ora, José Lopes da Mota, hoje adjunto do gabinete de Francisca Van Dunem, foi acusado e condenado a uma pena de suspensão de 30 dias, por ter pressionado procuradores do Ministério Público a arquivar o processo que investigava o Freeport e José Sócrates.

Lopes da Mota fora Secretário de Estado da Justiça entre 1996 e 1999, no reinado de Vera Jardim à frente do Ministério. Saiu do Governo para o Ministério Público e, em 2007, torna-se vice-presidente do Eurojust. Nesse mesmo ano, o Governo de José Sócrates nomeou para o Eurojust o procurador José Guerra. Outro membro nacional do Eurojust era António Luís dos Santos Alves, que foi Inspector-Geral do Ambiente entre Dezembro de 2000 e Agosto de 2002, por escolha e nomeação de José Sócrates,e que também viu a nomeação renovada em Abril de 2007.

O Eurojust foi o órgão que estabeleceu a ligação entre as autoridades portuguesas e inglesas nas investigações ao caso Freeport e nele estavam, então: um antigo colega de Governo de Sócrates, o antigo Inspector-Geral do Ambiente nomeado por Sócrates e José Guerra.

Sucede que José Guerra é irmão de Carlos Guerra, que foi o presidente do Instituto de Conservação da Natureza que viabilizou a construção do projecto Freeport.

O outro irmão Guerra é João, o procurador do processo Casa Pia, que acusou Paulo Pedroso. Recorde-se, que numa escuta telefónica divulgada pela SIC, António Costa telefonou a Paulo Pedroso no dia 21 de Maio de 2003, pelas nove da manhã, dizendo-lhe: “Já fiz o contacto. Disse que ia imediatamente falar com o procurador do processo, portanto o Guerra. O receio que tem é que a coisa já esteja nas mãos do juiz. Pá, talvez o teu irmão seja altura de falar com o Guerra.”

Soube-se, entretanto, que a resposta que o Governo deu ao Conselho sobre o currículo de José Guerra continha dados falsos, que o Ministério da Justiça descreveu como “lapsos”.

Na sequência da contestação pública ao que se ia conhecendo, demitiu-se o Director-Geral de Política de Justiça, Miguel Romão, que na carta em que coloca o lugar à disposição menciona que a informação enviada às instituições europeias “foi preparada na sequência de instruções recebidas e o seu conteúdo integral era do conhecimento do Gabinete da senhora Ministra da Justiça desde aquela data”.

A carta do Director-Geral é publicada no portal da Justiça e logo apagada. O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, também Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e até 2019 Vice-Presidente do Conselho Superior de Magistratura, escreve no Twitter que “quanto ao facto de ter sido retirado do Portal da Justiça um comunicado, a razão é simples: a dignidade das instituições e a autoridade democrática do Estado não permitem que dirigentes demitidos usem plataformas e serviços públicos como se fossem quintas privadas.”

Sobre a dignidade das instituições, protegida desta forma pelo Governo, o Senhor Presidente da República teve ocasião de dizer que o caso era “lamentável” e pediu mais informação. Aqui a tem.