Vamos considerar que europeus, são os povos que ao longo dos últimos dois milénios, se foram instalando nesta península continental, pois uma pequena península à escala mundial, é o que territorialmente, a Europa é.

A Europa do ponto de vista demográfico e cultural, entendidas todas as suas conexões históricas, incluiu a Rússia europeia e o Cáucaso e finda no Atlântico, em Portugal. Isso é a Europa real. Depois, temos as europas políticas e religiosas. Não é por acaso, que a Europa é, historicamente, o continente que soma mais barbaridades ao longo da sua existência. Se quiséssemos encontrar uma única palavra que definisse a história do continente europeu ao longo de um milénio, a palavra certa e incontestável é fácil: guerra. Apesar deste sanguinário passado, os europeus – e isto é comum a todas as nações – sempre se acharam e ainda hoje se comportam, como se fossem superiores aos povos de outros continentes. E de facto, a Europa dominou o mundo através dos seus vários impérios, entre o Sec. XV e o Séc. XX, quando duas sucessivas guerras medonhas, findaram em definitivo esse domínio.

Quando findou a II Guerra, o panorama europeu era este: pessoas que se deslocavam em busca de comunidades que já não existiam; governos nacionais inexistentes; sem escolas, universidades ou livrarias; sem cinema e teatro; sem informação, sem caminhos de ferro e sem combustível; com um dinheiro sem qualquer valor; sem fábricas, sem estradas, sem edifícios; sem lei e sem ordem; sem medicamentos, cuidados médicos e com fome. Se alguma vez a Europa esteve á beira do apocalipse, foi mesmo em 1945.

Não sendo a memória histórica, uma das qualidades humanas e para evitar que as nações europeias, na sua tradicional mesquinhez por mais um palmo de terra – é mesmo disso que tratou durante séculos — os governos do pós-guerra da França, Alemanha e Itália, criaram em conjunto com a Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo um Mercado Comum, que depois se tornou a Comunidade Económica Europeia e mais recentemente a União Europeia, como todos sabemos.

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No princípio, o que se pretendeu foi muito claro. As fronteiras das nações ficariam desenhadas como resultou da II Guerra — que não terminou com um tratado de paz, mas com a vitória de uns e a derrota de outros, note-se – não haveria mais reivindicações territoriais e em troca disso, cada nação e os seus nacionais, poderiam circular, instalar-se, comprar e vender livremente os seus produtos, no espaço das outras nações. Para quê disputar territorialmente a Alsácia, a Lorena, o Ruhr, entre a França e a Alemanha, se cada uma, poderia instalar livremente nesses territórios, as suas fábricas, os seus empregos e fazer a sua circulação, em grande medida, como se fosse sua, afinal?

Aquilo que é hoje a União Europeia, começou de facto por ser um generoso tratado comercial, que desmotivaria as nações a empenharem-se em novos conflitos, que assim se tornariam inúteis. Vários tratados ao longo das décadas, foram aprofundando os laços e as interdependências, muitos mais países aderiram e de entre estes, alguns dos membros têm inclusive, uma união monetária. E a verdade, é que, com altos e baixos, isto subsiste há 70 anos.

Mas a principal fragilidade do nosso continente, que é o egoísmo nacional – pode chamar-se nacionalismo, que é mais fino – nunca desapareceu e ressurge ou abranda, conforme a conjuntura.

A crise de 2008, mostrou que a União Europeia, funciona quando está tudo bem e deixa de funcionar quando alguma coisa fica mal. Parece ser como os Bancos, que emprestam chapéus de chuva, quando está sol. Para que serve uma União assim? Se é só para evitar a guerra, então poderíamos ter ficado apenas pelo inicial Mercado Comum, a chamada união minimalista. No resto, seria cada um por si, como no passado.

Mas não foi isso que sucessivas gerações de governos europeus, de todas as correntes políticas quiserem. Fomos caminhando de aprofundamento em aprofundamento até que os Estados abdicaram voluntariamente de alguns dos principais instrumentos de soberania, como sejam as tarifas alfandegárias e a emissão de moeda.

Uma União a este nível, implica contrapartidas do todo, em relação a cada parte. E essas contrapartidas têm-se limitado aos fundos de coesão, o que é muito interessante em situação de normalidade e absolutamente insuficiente em situação de crise.

O exemplo mais claro da completa desorientação europeia foi o recente fecho de fronteiras para conter o contágio, como se ainda estivéssemos em 1945. Se a União Europeia, fosse isso mesmo, uma União, é claro que se tinha fechado zonas, cidades ou regiões. Nunca se deveria fechar as fronteiras territoriais históricas, como se o vírus use um passaporte.

O cepticismo dos europeus quanto à sua União, ficou muito abalado com a falta de resposta comum à crise de 2008. A crise em curso, com reflexos já completamente identificados, salvo na sua extensão, vão deixar uma marca inapagável na consciência de cada um. Se é, de novo, cada um por si, estamos conversados.

Talvez estejamos hoje, perante a mais desafiadora prova da viabilidade da UE. Tem de existir uma acção comum e  que seja perceptivel pelos cidadãos, que a todos os europeus beneficie e proteja nesta gravíssima situação. A coordenação dessa responsabilidade é dos actuais governantes de cada país da União, ou esta pode mesmo soçobrar. Faltando os governos à sua responsabilidade, que aja o Parlamento Europeu – servindo finalmente para alguma coisa – porque tem legitimidade democrática ou a própria Comissão. Se extravasarem os seus poderes, respondem perante os europeus em conjunto e não perante os seus nacionais. Doutro modo, desta vez, o bebé, pode mesmo ir com a água do banho.