Durante os últimos cinco anos a União Europeia viu, pela primeira vez na sua história, sair um Estado-membro por vontade própria, enfrentou uma pandemia que fez cair o tabu do apoio com endividamento europeu, geriu como conseguiu crises migratórias, e vive sob a ameaça de a guerra entrar pelas suas fronteiras, quebrando-se a ligação que tinha à Rússia e abalando-se o escudo que tinha nos Estados Unidos. No meio deste turbilhão enfrentou e está prestes a controlar um surto inflacionista e lançou-se num ambicioso plano de combate às alterações climáticas.

Os eurodeputados que vamos eleger de 6 (na Holanda) a 9 de Junho (em Portugal e na maioria dos países) recebem uma União Europeia submersa em desafios internos e externos. E terão de se preparar para um Parlamento deslocado para a direita e eventualmente sem a capacidade de socialistas e populares determinarem os principais cargos europeus. É, assim se pode interpretar, uma consequência das tempestades que se abateram sobre a construção europeia no passado recente. E que terá consequências no desenho das políticas europeias.

No grupo dos partidos com representação parlamentar em Portugal poucos nos transmitiram essas preocupações, embora, com exceção de Marta Temido, todos tenham revelado algum trabalho de casa. Da avaliação dos debates destacam-se João Cotrim de Figueiredo e Sebastião Bugalho pelo conteúdo do que disseram – mesmo levando em conta a embrulhada em que o candidato da AD se meteu nos temas do aborto e dos direitos das mulheres.

À esquerda Catarina Martins revelou bem como tem qualidade política e João Oliveira mostrou uma combatividade ímpar na defesa do que é difícil se não impossível de defender. Do Livre Francisco Paupério foi uma surpresa positiva e é lamentável que Rui Tavares o tenha isolado, corrigindo apenas essa actuação depois de ter sido criticado.

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Pedro Fidalgo Marques do PAN, em contrapartida, parecia estar concentrado apenas no combate às touradas quando tinha tanto tema ambiental para desenvolver. Quanto a António Tânger-Corrêa foi o peixe fora da água, um diplomata que foi fugindo como pôde ao confronto a que muitas vezes foi chamado pelos seus opositores, e que se enredou logo de início em teorias da conspiração que se lhe colaram até ao fim.

Finalmente Marta Temido, a inexplicável escolha de Pedro Nuno Santos para liderar os candidatos do PS às europeias, quando tinha Francisco Assis e até Ana Catarina Mendes – que vão em segundo e terceiro lugar. Não se entende aliás como aceitou Francisco Assis ser número dois e, se as imagens não mentem, o que se vê é o seu constrangimento quando aparece ao lado de Marta Temido– até agora pouco, tal como Ana Catarina Mendes.

A ex-ministra e líder da lista do PS já era candidata a pior responsável da Saúde da era da democracia portuguesa, sujeitando os portugueses às suas opções ideológicas, em vez de se focar nas soluções que tinha disponíveis para lhes prestar os cuidados de que precisavam. Se hoje temos a Saúde no estado em que está podemos dizer que parte é herança da pandemia, do envelhecimento e do aumento da procura, mas há uma boa parte que se deve à ausência de soluções práticas para os problemas.

Nos debates – recusou ir ao frente-a-frente organizado pelo Observador – Marta Temido mostrou estar mal preparada, o que tentou disfarçar com truques politiqueiros – como o que usou com Sebastião Bugalho sobre a visita do presidente da Ucrânia -, falando da pandemia ou fazendo afirmações genéricas sobre a Europa. Consideram alguns analistas políticos que é eficaz nesses truques e popular entre os portugueses, tendo sido esta última a razão que conduziu à sua escolha. Esperemos que não tenham razão e que durante esta última semana de campanha a ex-ministra mostre aos eleitores que é mais do que apenas popular e eficaz em truques políticos.

Porque vamos precisar de eurodeputados – mesmo tendo poucos – que sejam capazes de enfrentar os desafios que a União Europeia vai ter. Desde logo porque não sabemos se este novo tempo vai ser o da entrada da guerra num espaço que pensou um projeto para que nunca mais isso acontecesse.

Mesmo sem ser num cenário de conflito, a União Europeia terá de escolher de forma mais activa a sua estratégia de defesa. Mesmo que Donald Trump não seja eleito presidente dos Estados Unidos, Bruxelas aprendeu que não pode deixar a sua Defesa nas mãos dos Estados Unidos – esse tempo já passou. E as escolhas não são fáceis, como até aqui. Gastar mais dinheiro em Defesa pode significar menos para o Estado Social, mesmo que se siga o modelo da pandemia com a emissão de Obrigações europeias – porque, ao contrário do que pareceu transparecer em alguns debates, a dívida paga-se.

A perspetiva de viragem à direita, como apontam as sondagens, perspetiva igualmente alterações em políticas como a ambiental. Com prováveis retrocesso na transição verde em matérias, por exemplo, como a biodiversidade – em parte já danificadas por oposição dos agricultores. Mas também podemos ver um abrandamento ou mesmo retrocesso no caminho para uma economia de carbono zero, como por exemplo na mobilidade. Teremos igualmente políticas mais proteccionistas e mais anti-imigração (Sobre as mudanças nas políticas vale a pena ler este artigo do Político).

Os turbulentos últimos cincos anos da vida da União Europeia lançaram as raízes dos problemas que agora vamos enfrentar – e as escolhas que os eleitores vão fazer. Os eurodeputados que vamos eleger, por poucos que sejam, nunca foram tão importantes. Especialmente para quem considera que as soluções para os problemas de Portugal e da Europa estão na União Europeia. Em tempos difíceis como estes precisamos de mais e não menos União Europeia.