A grande maioria dos portugueses não sabe como funciona um hospital. Muitos têm uma versão romanceada sobre o tema, vinda da ficção cinematográfica americana, onde entre mortos e feridos e a azáfama habitual de um Serviço de Urgência, existem sobretudo romances tórridos entre profissionais. Outros têm a ideia do internamento em enfermaria, através da experiência com um familiar: “A situação merece mais exames”, “terá de ser intervencionado”, “está estável”, ou “necessita de mais dias de antibiótico”. Já quando toca às Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), a perceção geral é diametralmente diferente e aumenta a preocupação, pois os doentes estão em risco de vida, estão “ligados à máquina” e podem, a qualquer momento, morrer. Para o cidadão comum, estes são os doentes verdadeiramente graves num hospital.

A pandemia da Covid-19 veio revelar esta perceção enganadora de conceitos. A opinião publica desvaloriza os internamentos em enfermaria geral e o poder político também o faz (provavelmente, igualmente influenciado pela imagem televisiva do que representa este internamento). O indicador fundamental do rumo da epidemia e da pressão sobre os sistemas de saúde não é, contudo, o número de internamentos em UCI’s, é precisamente o número de internamentos gerais. E este tem vindo a crescer, significativamente, em Portugal, mais do que duplicando o número em apenas um mês.

É errado considerar que um doente internado por Covid-19 está estável e apenas merece uma atenção de rotina matinal por parte da equipa médica. Um doente internado com Covid-19 é um doente que necessita de vigilância médica 24 horas sobre 24 horas. Não internamos doentes infetados sem necessidade de cuidados médicos. Um doente Covid-19 pode estar estável de manhã e ter necessidade de ser entubado, ventilado e transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos a meio da tarde. A pressão que isto coloca sobre o internamento hospitalar é brutal. Transformámos enfermarias gerais em unidades de cuidados intermédios, com vigilância permanente. Isto implica uma realocação significativa de recursos médicos e de enfermagem, de forma a que se prestem os melhores cuidados a estes doentes. Com recursos humanos iguais, a solução é desproteger outras áreas, com compromisso da atividade hospitalar não Covid. Este cobertor, afinal, não é elástico, se se tapa de um lado, vai destapar do outro.

Por outro lado, é importante que as pessoas percebam que existe um risco real e significativo de um doente adquirir a infeção em meio hospitalar. Ou seja, pessoas que foram admitidas por qualquer outro motivo, podem vir a ser infetadas durante a permanência num hospital. Este é um drama, que cada hospital luta por combater: reduzir a possibilidade de um doente se infetar apenas por estar internado. As instalações não ajudam, na medida em que os espaços são exíguos. Onde devia estar um, estão dois, onde deveriam estar dois doentes, estão três. O número de camas e o distanciamento seguro entre elas são deficitários. Por isso mesmo, e sem qualquer norma da DGS, a maioria dos hospitais optaram, desde há muitos meses, por testar os doentes na admissão hospitalar. É a forma de minimizar o contágio, ainda assim insuficiente. A atenção tem de ser constante, os cuidados redobrados, na medida em que esta população é muito vulnerável.

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Seria também interessante que as pessoas pudessem conhecer qual a idade média dos doentes internados com Covid-19. Conhecemos a idade média dos que morreram, mas isso não transparece o esforço do que se faz sobre os que se salvam. Obviamente, que o nível de investimento médico em pessoas com idade superior a 85 anos será muito inferior a quem é mais jovem, mas é nesses que reside o grande ênfase das equipas e nunca será patente numa estatística, que apenas contabiliza a idade dos mortos.

Sem informação honesta e séria sobre o que se passa dentro dos hospitais, não é possível que os portugueses percebam porque motivo se continua a dar tanta importância a esta epidemia: afinal, bem vistas as coisas, só há registo de morrerem os velhinhos!

Também seria importante desmistificar a ideia das camas reservadas para doentes Covid-19, em enfermaria ou UCI. Fico estupefacta com a ideia de muitos comentadores, que acham que existem camas livres com pessoal desocupado, sentadinho a conversar e a fazer crochet enquanto esperam que venham doentes Covid-19. Isto é completamente absurdo. Não existem profissionais à espera de receber doentes e, na maior parte das vezes, nem sequer existem camas. A resposta hospitalar é que se modifica: ou seja, em caso de aumento da procura por doentes Covid-19, suspende-se outra atividade, habitualmente a atividade cirúrgica, de forma a libertar camas e recursos humanos.

Ou seja, todos ficamos a perder se esta epidemia não for controlada onde tem de ser, nos comportamentos individuais de cada um e na comunidade, com uma saúde publica robusta, com capacidade de rastreio, de teste e de isolamento dos contactos. E não é possível continuar a pensar que o SNS vai conseguir assegurar sozinho, durante uma pandemia, a resposta às várias necessidades de saúde dos portugueses. O sector privado e social terá de ser envolvido. Afinal, nos últimos anos, o desinvestimento no sector público da saúde, com o favorecimento claro aos privados, foi a grande aposta dos governos. No mínimo, exige-se que estes também sejam chamados à resposta nacional à pandemia.