Um dos aspectos mais assinaláveis na arquitectura de Richard Neutra é, para mim, a elegância recta dos telhados que se estendem para lá das paredes de vidro inteiro. Há um silêncio que se impõe e uma serenidade que nos preenche sem que saibamos como a definir, possivelmente um conforto e isso, por si, basta. Nunca estive numa casa desenhada por Neutra mas, através das fotografias para as quais espreito vezes sem conta, parece que sim. Talvez seja a horizontalidade das linhas. Não sei. O que sei é que não é a penumbra nem as sombras ou sequer o espaço reduzido, mas a abertura e a luz intensa que convidam ao recolhimento. A simplicidade do traço permite ao ser humano assumir a sua grandeza até que se compreende que tal se deve à simplicidade do projecto e este se torna no verdadeiro foco de admiração.

Richard Neutra nasceu em Viena, em 1892, e foi mais um na fornada de intelectuais que o império austro-húngaro deixou fugir nos princípios do século XX. O fim do império ditou-lhe a saída da Europa e a ida para os EUA, mais precisamente a Califórnia. E há aqui uma questão que se põe, se foi Neutra quem ficou impressionado com os espaços e a luz ou se foram esses mesmos espaços e essa mesma luz que caíram tão bem na obra de Neutra. De alguma forma, a modernidade de Adolf Loos (outro arquitecto austríaco, mas que ficou na Áustria) era compacta e maciça ao contrário da de Neutra, leve e transparente. Será que Neutra teria existido na Europa? Será que a Europa teria abarcado, aceite uma modernidade àquele nível? Teria sequer Neutra, em Viena, alcançado a visão dos seus traços, a simplicidade arrebatadora das linhas e aquelas aberturas no interior de uma casa? Possivelmente não.

Não sabemos. Apenas que Neutra ainda combateu na primeira guerra até que, em 1923, se mudou definitivamente para os EUA. Foi há 100 anos. No mesmo ano em que nasceu Kissinger, que seguiu para a América em 1938. A primeira metade do século foi uma sangria de talento apenas ultrapassada pelas vidas humanas perdidas nas duas guerras mundiais. Einstein, Zweig, Neutra, Schindler, Mises, Tesla (este mais cedo), Hayek (de Viena, primeiro para Inglaterra), Döblin (alemão, ainda regressou depois da 2.ª guerra para confirmar que a sua Alemanha não existia mais) e tantos outros, a maioria anónima, fugiram do nosso continente para os EUA. O fim do império austro-húngaro foi o falhanço da ideia de inclusão de várias nações e raças dentro de um só Estado e que a UE (noutros moldes, naturalmente) tenta replicar, mas que alguns destes europeus viram continuar do outro lado do Atlântico. Esta capacidade para incluir, aceitar a diferença, viver com ela, tão próprias da América e que se perdeu na Europa, não de repente, mas num processo contínuo que percorreu séculos e se iniciou com o fim da Idade Média.

Hoje em dia é quase ponto assente que o império austro-húngaro tinha os dias contados por ser um anacronismo impossível numa época de nações. Mas a paralisação das instituições austríacas, a teimosia de Francisco José, para quem o prestígio secular bastava, e a esperança que a cultura e arte seriam suficientes para rejuvenescer um modo de vida, ditaram-lhe o fim.

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A Europa de hoje vive um dilema idêntico. Em Julho, o Wall Street Journal noticiava que os europeus estavam mais pobres. Uma sociedade envelhecida, disposta mais a descansar que a trabalhar ou a investir num futuro que os mais velhos não verão e que os mais novos são poucos para exigir que se respeite. A incapacidade de a França se adaptar e aumentar a idade da reforma, os níveis de endividamento, o desprezo pelo capital que vem dos extremos, sejam estes de esquerda ou de direita, a incapacidade de inovação tecnológica e científica que conduzem à intolerância racial alimentada por quem prefere culpar os estrangeiros a fazer introspecção. São causas de quem espera que a arte e a cultura sejam suficientes para rejuvenescer um modo de vida que desaparece aos poucos.

Richard Neutra saiu da Europa e fez maravilhas. Inspirou-se, revelou-se e deslumbrou-nos. Passaram 100 anos e a Europa volta a viver o mesmo dilema. A questão é: ainda há alguém com valor para fugir ou já foram todos e ficámos sós?

P.S.: Já muito se escreveu sobre a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. O Papa Francisco conseguiu como só ele o sabe fazer, de modo directo e simples, explicar-nos o que é ser cristão. Dos ensinamentos de Cristo retiro, essencialmente, três mensagens: primeiro, o amor, perfeitamente natural a partir do momento em que somos criados à imagem e semelhança de Deus. Não há pessoas de primeira nem de segunda ou de terceira e quando se ajuda um, ajuda-se Deus. Por alguma razão a Igreja deve ser um lugar para todos. Francisco lembrou-nos isso e ao dizê-lo recordámo-nos das palavras de Cristo no Evangelho. Segundo, a liberdade. Cristo disse-nos que podíamos falar directamente com Deus. Quando tal sucede, quando cada pessoa tem uma relação pessoal com Deus, não há lugar a qualquer tipo de submissão humana. Terceiro, a esperança, pois com amor e em liberdade a luz nunca se apaga.