Proprietários de casas sobrelotadas obrigados a realojar inquilinos” avisa o  Jornal de Negócios. Este título fez-me regressar directamente a Agosto de 1974, quando ainda não se falava directamente de reforma agrária mas nos gabinetes se começavam a dar os passos que criariam a emergência que a tornaria inevitável: em Agosto de 1974, José Gomes Palma, proprietário do Monte do Outeiro, foi informado que teria de passar a empregar mais dois trabalhadores. Em Novembro chegam mais 20 trabalhadores, cuja contratação não queria, com ordenados que não tinha definido, mas que teve de pagar.
O que estava então a acontecer na Herdade do Monte do Outeiro nesse Agosto de 1974 era um processo que se havia de alargar a outras propriedades rurais no Alentejo: umas chamadas Comissões Paritárias (os nomes destas estruturas totalitárias são sempre um manifesto de boas intenções), criadas em Junho/Julho de 1974 e compostas por 1 técnico do Governo; 2 representantes dos trabalhadores e 2 representantes dos agricultores (na prática o PCP escolhia os membros) definiam quantos mais trabalhadores podiam ser empregues por cada herdade. Em seguida os trabalhadores eram lá colocados com ordenados e funções definidos pelo sindicato mas a pagar pelos proprietários das terras. O número de trabalhadores aumenta exponencialmente (em média mais  do que triplicou). Alguns proprietários recusam pagar os vencimentos, outros ainda o tentam mas acabam submersos em dívidas. Perante a desobediência estavam criadas as condições para o passo seguinte: a 10 de Dezembro de 1974, o Monte do Outeiro é ocupado. Em conjunto com as outras herdades de José Gomes Palma, o Monte do Outeiro vai dar origem à Cooperativa Vanguarda do Alentejo.

A imagem destes proprietários agrícolas obrigados a pagar ordenados a trabalhadores que não contrataram, assumir despesas que não fizeram e a terem de acatar ordens estatais sobre o que deviam fazer com as suas terras, ressurge 49 anos depois nos senhorios que têm de garantir uma “alternativa habitacional” aos inquilinos sempre que uma câmara municipal detete “desadequação da tipologia da habitação face à dimensão e características do agregado habitacional”. (Como pode um senhorio ser responsabilizado pelo facto de um seu inquilino num T0 ter levado mais pessoas para viver na casa que lhe alugou ou muito simplesmente ter tido trigémeos?)

Como é óbvio o PS conhece a história da passagem da Herdade do Monte do Outeiro para Unidade Colectiva de Produção Vanguarda do Alentejo. Não ignora também o PS que a Vanguarda do Alentejo, que gerou tantas notícias esperançosas sobre o futuro dos trabalhadores e da agricultura, acabou num falhanço silencioso: a produção nunca foi o que se esperava, o modelo agrícola era desajustado, os seus membros desuniram-se. Eufemisticamente passou a dizer-se que foi um sonho que acabou. Não, não foi um sonho, foi sim uma opção política errada, com resultados desastrosos. E, sobretudo, o PS sabe que a terra onde existiu a Herdade do Outeiro de José Gomes Palma, e depois a Unidade Colectiva de Produção Vanguarda do Alentejo, é agora explorada por grandes fundos de investimentos. Uma evolução que muito provavelmente vai ser partilhada pelo mercado de arrendamento pois muitos dos actuais senhorios não resistirão a esta intervenção desastrosa do PS no mercado de arrendamento.

Perante isto cabe perguntar: o que quer o PS? Porque está a tomar estas medidas agora que a geringonça acabou? É uma perigosa ilusão achar que a forma como António Costa governou nos anos da chamada geringonça se deve às concessões que teve de fazer ao PCP e ao BE. Antes pelo contrário, nesses anos o PS tinha de se demarcar dos partidos à sua esquerda. Agora o PS quer crescer à esquerda e vai ultrapassar o PCP e o BE pela esquerda.

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Mas esta é apenas uma parte da explicação para o desastroso pacote da Habitação. A outra parte da resposta vem do falhanço executivo dos governos de António Costa. O anúncio de legislação é a manobra de diversão que nos desvia a atenção do falhanço quotidiano deste governo. Por isso  as urgências hospitalares fecham mas os noticiários estão cheios de notícias sobre as novas obrigações dos senhorios. Quantas mais, melhor! Por isso, quando a CP está paralisada, o Governo avança contra as casas devolutas! Por isso, quando se anulam sentenças porque, mesmo no exercício dos poderes inalienáveis do Estado, como é a justiça, o Governo nem sequer conseguiu atender aos problemas que a não adequação da legislação portuguesa sobre metadados iria causar, o que conta é que a nova legislação vai permitir ao governo expropriar as nossas casas para alegadamente fazer políticas sociais.

O PS precisa de radicalizar a sociedade portuguesa para criar a ilusão de que não há alternativa ao falhanço dos seus governos.

PS. Os jovens e não jovens do movimento “Greve Climática Estudantil” que exigem o fim dos combustíveis fósseis até 2030 e energia 100% renovável e acessível para todas as pessoas até 2025 importam-se de detalhar com exactidão as consequências para a nossa vida se estas suas reivindicações fossem atendidas?