Como mostra o início da campanha eleitoral, agora todos os partidos políticos são anti-despesistas. Até Catarina Martins, no debate com António Costa, quis sossegar os portugueses, dizendo que o Bloco é a favor das contas públicas equilibradas. Longe vão os tempos em que o Bloco fazia campanha contra as regras fiscais da zona Euro, ou quando os dirigentes do PS, como Pedro Nuno Santos, procuravam assustar os alemães com a ameaça da recusa do pagamento da dívida. Aliás, a famosa restruturação da dívida ainda nem entrou na campanha, nem entrará a sério.

Na relação dos partidos portugueses com o défice a dívida há o pré-Passos Coelho e há o pós-Passos Coelho. Antes de Passos Coelho, como se viu com os governos de Guterres e sobretudo com os de Sócrates, para o PS a despesa pública não era um factor central das suas políticas económicas. Como resultado, veio o desastre de 2011 e a intervenção da troika. Mas nem assim, os socialistas aprenderam, e atacaram o governo de Passos e Portas pelas políticas de consolidação orçamental, o que chamavam de “austeridade”. Mas Passos Coelho insistiu e explicou aos portugueses que deveria haver limites para as despesas. Caso contrário, a economia nunca recuperaria e o país continuaria nas mãos dos seus credores.

O resultado das eleições de 2015 obrigou o PS e António Costa a mudarem. A vitória eleitoral de Passos e Portas, apesar dos anos difíceis entre 2011 e 2015, forçou Costa a reconhecer que os portugueses ainda não confiavam no PS. Por isso, Costa fez tudo para se distanciar do despesismo de Sócrates e percebeu que Mário Centeno seria o ministro mais importante do seu governo. No essencial, em matérias orçamentais, Centeno pensa como Vitor Gaspar: ambos olham para o Euro como o elemento indispensável para disciplinar as contas públicas, e ambos se identificam com a ortodoxia do FMI (onde Gaspar trabalha numa posição de grande destaque e para onde Centeno não se importaria de emigrar).

Costa impediu Passos Coelho de se tornar PM, mas aceitou as suas políticas fiscais. O derrotado, Costa, aprendeu com o vitorioso, Passos, que para ganhar no futuro teria que adoptar as suas receitas orçamentais. Costa e o PS não mudaram porque descobriram de repente as virtudes do controlo da despesa pública. Mudaram porque os portugueses os forçaram a mudar, e perceberam isso quando perderam as eleições de 2015.

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A ‘Europa’ também explica a mudança das esquerdas em matérias fiscais. Há uma relação ambígua entre o Portugal socialista e a União Europeia: as regras do Euro ajudam a disciplinar os socialistas portugueses mas, ao mesmo tempo, os dinheiros de Bruxelas são indispensáveis para manter o Estado e as suas clientelas partidárias a funcionar. Se o Euro estabelece as regras, a ‘Europa’ é o ‘petróleo’ do regime socialista, que dá o dinheiro para distribuir.

A mudança de paradigma introduzida por Passos Coelho e pelo seu governo tem um triplo significado. Em primeiro lugar, a recusa do despesismo impede outras políticas que os comunistas, os bloquistas e muitos socialistas gostariam de implementar, como nacionalizações e a introdução de obstáculos ao investimento externo.

Em segundo lugar, quando a direita regressar ao governo (daqui a alguns anos e seguramente no pós-Rio), as esquerdas terão uma enorme dificuldade para contestar as políticas orçamentais mais ortodoxas dos governos de direita. Quando o PCP e o Bloco forem para as ruas contestarem as políticas económicas, bastará mostrar-lhes os orçamentos que aprovaram entre 2015 e 2019. Eles continuarão nas ruas e a fazer barulho, mas a maioria dos portugueses não os levará a sério.

Por fim, Passos Coelho preserva capital político para um dia regressar. Muitos políticos podem chegar a PM, mas são poucos os que provocam uma revolução no discurso e nos consensos políticos de um país.