Segundo o Direito Internacional e a mais comum das lógicas, as sanções internacionais servem para punir acções ilegítimas ou crimes cometidos por uns países contra outros e para obrigar o culpado a rever e retificar as suas posições, mas parece que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE) decidiram fazer excepção à regra.
A PACE decidiu devolver o direito de voto à Rússia, o que está a provocar uma autêntica onda de euforia em Moscovo e de indignação em Kiev.
“Consideramos esse passo muito, mas mesmo muito positivo. Foi importante que as delegações que votaram por essa resolução, que constituem a maioria, declararam com toda a clareza que os direitos devolvidos à Federação da Rússia não poderão ser contestados”, reagiu Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia.
As autoridades ucranianas decidiram suspender a sua participação nessa organização, pois considera que não desapareceu a causa que levou à suspensão da Rússia da PACE: a anexação da Crimeia em 2014. Moscovo não mudou de posição e nem sequer tenciona abandonar os territórios ucranianos ocupados, mas os deputados da Assembleia Parlamentar da Assembleia da Europa decidiram perdoar uma das mais graves violações de fronteiras na Europa depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Além disso, a PACE esqueceu-se que os dirigentes russos são acusados pelas autoridades holandesas de estarem por detrás do derrube do avião comercial malaio no céu da Ucrânia.
A Europa perdoou à Rússia a invasão da Geórgia em 2018 e dá mais uma prova de “misericórdia” em 2019. A que se deverá este acto que traz à memória o famigerado Acordo de Munique, que escancarou as portas da invasão do continente a Hitler? (Não comparo Vladimir Putin a Adolf Hitler, mas o facto é que o mundo dá muitas voltas.)
Gostaria de acreditar que tal medida não se deva ao facto de Serguei Lavrov ter prometido pagar as quotas russas em atraso à PACE logo que o seu país fosse readmitido, no valor de 75 milhões de euros, mas já nada me espanta na chamada realpolitik.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, explicou ao seu homólogo ucraniano, Vladimir Zelenski, que isso foi feito para que a Rússia não abandonasse a OSCE, o que faria com os que os cidadãos russos deixassem de poder recorrer à defesa de organismos como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Verdade seja dita, os cidadãos russos são dos europeus que mais recorrem a esse tribunal devido à “independência” dos tribunais do seu país. Gostaria de acreditar nas palavras de Macron, mas cheira-me a hipocrisia…
Uma coisa parece ser certa: este passo dos deputados da Assembleia Parlamentar da PACE não fará aumentar o prestígio dessa organização, bem pelo contrário. Segundo os seus estatutos, ela constitui uma organização que une democracias e Estados de Direito. Será que a Rússia ou a Turquia, por exemplo, cumprem esses requisitos? Claro que não. Por isso, seria mais honesto reconhecer que a PACE é apenas um meio de contacto entre países, uma espécie de clube onde os diversos regimes podem discutir os problemas do continente, sem terem de se esconder por detrás de frases bonitas.
A propósito de sanções. O Kremlin é daquelas vozes que mais se levanta contra a imposição de sanções de uns países contra os outros. Critica as sanções dos Estados Unidos e da Europa contra a Rússia pela invasão da Crimeia, as sanções norte-americanas contra a Coreia do Norte, Venezuela, Irão, Cuba, etc.
Isto teria sentido se Moscovo fosse um exemplo de verticalidade moral neste campo, o que está longe da verdade.
Por exemplo, na semana passada, milhares de manifestantes saíram para as ruas de Tbilisi, capital da Geórgia, em sinal de protesto contra o facto de um deputado (comunista e cristão ortodoxo) da Duma Estatal Russa, se ter sentado na cadeira do presidente do Parlamento Georgiano para dirigir uma conferência internacional de deputados cristãos ortodoxos. Além disso, o deputado russo é acusado de ter combatido na Abkházia e Ossétia do Sul, regiões separatistas georgianas controladas pela Rússia.
A pretexto de garantir a “segurança dos cidadãos russos”, Vladimir Putin suspendeu as ligações aéreas entre Moscovo e Tbilisi. Logo a seguir, as autoridades russas detectaram uma “baixa de qualidade” nos vinhos georgianos exportados para a Rússia, sinal de que deixarão de ser vendidos no mercado russo. Tendo em conta que se trata de duas áreas economicamente muito sensíveis para a Geórgia, pergunto se isto não são sanções?
P.S. No que respeita à tensão entre Washington e Teerão, um confronto armado seria uma catástrofe. Do ponto de vista meramente económico, a Rússia poderia vir a ganhar muito com o aumento brusco do preço do petróleo, mas Moscovo não está interessado num conflito de grandes dimensões perto das suas fronteiras. Seria um erro pensar que o Kremlin está completamente do lado do Irão. É verdade que tem nesse país grandes interesses económicos, mas também é verdade que receia um aumento exagerado do poderio iraniano no Médio Oriente, tanto mais que do outro lado da barricada está Israel, parceiro estratégico de Moscovo, e Arábia Saudita, bom comprador de armas russas. Além disso, a maioria da população muçulmana da Rússia (de 20 a 30% da população) é sunita. Este será um dos temas da conversa de Putin com Trump à margem da Cimeira do G-20 em Osaka, mas as expectativas são muito baixas quanto aos resultados.