A abertura do ano legislativo em 1º de fevereiro marca o verdadeiro início da presidência Bolsonaro. A posse dos novos parlamentares e a eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado definiram o perfil do Congresso com o qual o governo terá de negociar as reformas. Para alívio do presidente e sua equipe, o comando das casas legislativas ficou nas mãos de aliados que prometem facilitar-lhe a vida. Batida e abatida, a oposição demonstra pouca capacidade para criar constrangimentos.

Indevidamente travestido de poder político, o Judiciário não perdeu a chance de, no imbróglio das disputas pelo controle do Senado, atacar a independência e autonomia daquela casa. Mas o tiro saiu pela culatra. A irrefreável onda de renovação continua a varrer os personagens mais repugnantes da vida pública brasileira – sua excelência, o cidadão, agradece. Quando o político bandoleiro e o magistrado obsceno são escrachados publicamente, o país como um todo sai ganhando.

O fraco desempenho dos partidos de esquerda nas eleições de outubro empurrou-os para as franjas do parlamento. Escanteados e fora das luzes da ribalta, carecem agora de uma nova narrativa existencial. Sem a relevância a que se habituaram no passado recente, falta à esquerda força para intervir na pauta legislativa e influenciar as votações no Congresso.

Na Câmara, o governo poderá contar com o apoio de Rodrigo Maria, eleito seu presidente por votação avassaladora – a maior em primeiro turno desde 2011. Já no Senado, a disputa foi mais encarniçada. Aconteceu de tudo, até furto de pasta de documentos, interferência da Suprema Corte (STF) e fraude eleitoral (82 votos para 81 senadores). No fim e ao cabo, a eleição para a presidência do Senado viu a espetacular frustração daquele que já a presidira por quatro vezes. Renan Calheiros logrou sobreviver ao tsunami eleitoral de 2018, mas seus poderes saíram gravemente reduzidos.

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O até então soberano das Alagoas (o estado funciona como sua capitania hereditária), Renan não resistiu à ascensão do jovem senador Davi Alcolumbre. Mas, antes de finalmente sucumbir ante o novato, um espantado Renan, que nem de longe lembra o político veterano audaz que resistiu a cinco tentativas de cassação em 2007 e é alvo de 14 inquéritos no STF, não hesitou em lançar a reputação da casa à sargeta. Findo o duelo, uma punição exemplar não pode ser descartada para o bem dos valores republicanos.

Sob o comando de Alcolumbre, o Senado não deverá impor obstáculos a Bolsonaro. Mais até, o novo governo não deverá ter problemas com a oposição. Constituída pelo grupo de Renan, PT e demais partidos de esquerda – aliados pela delinquência comum de mafiosos travestidos de políticos – falta-lhes na oposição a força aglutinadora que o butim estatal representava na situação.

Por não conseguir definir uma estratégia oposicionista, a esquerda, cuja principal força ainda é o PT, perde-se cada vez mais em trincas internas. A politização da prisão de Lula da Silva aprisionou o PT dentro dos seus próprios equívocos (a campanha pela indicação do líder petista ao prêmio Nobel evidencia a dimensão tendencialmente infinita do seu delírio). E a mais recente condenação do ex-presidente a uma pena de 12 anos e 11 meses de prisão, longe de trazer os petistas de volta a realidade, deverá apenas enredá-los mais profundamente em sua fantasia.

Não houve qualquer perseguição indevida por parte de Sérgio Moro. Lula da Silva está preso por ter cometido atos tipificados em lei. Em razão deles, foi ele processado, julgado, condenado e preso. A mais recente condenação de Lula foi assinada não por Sérgio Moro, mas por uma juíza. Seria motivo de orgulho para as feministas empoderadas se o réu não fosse o demiurgo do lulopetismo. Sem remorsos, Lula da Silva preso é um bem para o Brasil.

Derrotada nas eleições, a esquerda parece continuar resoluta em sua trajetória descendente. Agora na oposição, a prometida resistência dos socialistas delirantes de todos os matizes ruiu logo de início. Reeleito deputado, o midiático Jean Wyllys, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), não suportou a hipótese de conviver numa Câmara renovada em quase 50%. Wyllys, que havia cuspido (no sentido literal) no então deputado Bolsonaro, durante a sessão de votação do impeachment de Dilma Rousseff, renunciou ao novo mandado. A perspetiva de atuação parlamentar em uma Câmara maioritariamente hostil às causas gayzistas teria motivado o acovardamento do deputado.

Numa tentativa de politizar a própria fraqueza, Jean Wyllys faz-se de perseguido e congratula-se por ser o primeiro exilado político da era Bolsonaro. Exemplo das incoerências que habitam o universo dos esquerdistas defensores da “democracia” venezuelana, o agora ex-deputado elegeu como destino do seu autoexílio a cidade de Barcelona. Motivo: a facilidade do idioma castelhano. Havana ou Caracas, falantes da mesma língua e cujos regimes o ex-deputado tanto enaltece, foram preteridas. Óbvio, para a mentalidade do tipo vale a máxima: capitalismo para os ricos, socialismo para os pobres. Quanto não deve custar a renúncia a um mandato? No paraíso socialista nem o cafezinho é grátis.

Outra integrante da resistência, Dilma Rousseff espera abocanhar mais uma fatia do aparentemente inesgotável (ao menos para ela) erário público. Um despacho da atual ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre pedido de indenização feito à Comissão de Anistia pode garantir à Rousseff uma quarta indenização por tortura. Na qualidade de ex-presidente, ela já tem direito a quatro seguranças, dois veículos oficiais com motorista e dois assessores especiais. Apesar disso, não satisfeita, esbraveja: “o que é meu por direito não poderá ser negado pela história e pela Justiça”.

Ex-presidente da República impedida em decorrência de crime de responsabilidade, para além das regalias comuns aos ex-ocupantes daquele cargo, Rousseff recebe ainda uma pensão por tempo de serviço, embora não tenha contribuído o suficiente para tanto.  É que a ex-guerrilheira ficou 23 anos afastada do cargo que exercia no governo do Rio Grande Sul por alegada perseguição política. Sobre esse ardil dos esquerdistas para obterem pensões, o cartunista Millôr Fernandes foi definitivo: “não era ideologia, era investimento”.

A resistência opera nos baixios da imoralidade e a sua desfaçatez parece não ter limites. Aquilo que convencionou-se chamar de “bolsa ditadura” garante vida fácil a radicais que aderiram à luta armada para substituir uma ditadura militar por aquela do proletariado.

Mais de quatro décadas depois, os guerrilheiros de outrora recebem do generoso Estado brasileiro aposentadorias vitalícias com as quais viajam o mundo a propagar seus ideais tresloucados. Neste momento de conflagração, a Venezuela está repleta de senis revolucionários brasileiros dos idos de 1964 a espalhar o seu repugnante odor a naftalina.

Há ainda os “militontos” que apostam no quanto pior melhor – torcem para o naufragar do barco no qual o país atravessa a tempestade. O clamor histérico pela reestatização da Vale, mineradora responsável pelo crime ambiental que ceifou a vida de mais de 300 pessoas e matou parte do Rio Paraopeba, é um retrato fiel da ignorância ou desonestidade – ou seria um misto desses dois males –, que mobiliza opositores ao governo Bolsonaro.

Entretanto, desde que chegou ao poder, Lula da Silva e seus sequazes mantiveram certa promiscuidade com a Vale. Embora privatizada em 1997, o governo indiretamente controla, por meio de fundos de pensão de estatais e do banco público de fomento BNDES, 54% do capital da empresa. Executivos da mineradora, cujos salários médios passam dos R$ 2 milhões (cerca de meio milhão de euros) por mês, são nomeados ou exonerados do cargo por ordem de Brasília. A Vale financia centenas de políticos, uma forma de investimento em “despachantes” para defender seus interesses nas altas esferas de poder.

A barragem estourou porque a empresa não se sente obrigada a garantir segurança para quem quer que seja. Acredita pagar, e muito bem, para operar de forma negligente a cobrir de lama pessoas e ecossistemas. Num país em que o governo brinca de ser empresário e os empresários de governo, a tragédia da Vale contou seguramente com a cumplicidade de muitos políticos.

É contra uma oposição encalacrada na infâmia política e atávica disposição para obstaculizar o governo que Bolsonaro terá de conduzir o Brasil rumo à superação da tragédia lulopetista. Ao pior triênio econômico da história republicana (2014, 2015 e 2016), juntam-se mais de 12 milhões de desempregados e pelo menos 63 mil assassinatos por ano, parcela significativa do desafio que pode ser amainado pelos planos apresentados recentemente por Paulo Guedes, ministro da Economia, e Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública.

Guedes já alinhou com os presidentes da Câmara e do Senado a aprovação da reforma da Previdência. Na apresentação do seu pacote anticrime, Moro avisou: “se você é um criminoso profissional, o sistema será mais rigoroso com você”.

O povo, tudo indica, parece ter tomado para si as rédeas da nação. Assume cada vez mais o protagonismo no debate político. A pressão popular sobre membros recalcitrantes do Legislativo e do Judiciário, pelo menos por algum tempo, deverá poupar o governo, cujos primeiros atos visam a cumprir promessas de campanha. O ex-capitão do Exército descortina um céu de brigadeiro para conduzir o seu governo num voo suave, sem turbulências – sinaliza que despenhar-se-á apenas se confrontado com os próprios erros.

Contudo, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Não se pode esquecer que o Brasil é um país às avessas. Naquela ponta continental, é o rabo que abana o cachorro.

Jornalista e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Pesquisa os desafios do multilateralismo liberal no presente contexto de transformação da ordem mundial.