Há umas semanas recebi, no meu escritório, um convite para um “workshop” sobre a educação dos homens para se tornarem aliados do combate político do feminismo. A iniciativa foi patrocinada pelo Mayor de Londres o qual, como bom homem de esquerda, acredita piamente no poder da educação para tornar o homem (neste caso, rigorosamente o homem) mais virtuoso. Por razões profissionais, não aceitei o convite. Mas, tendo em conta, as minhas últimas aventuras políticas activas e passivas, voto na coligação PSD/CDS em 2015, adesão à Comissão de Honra da candidatura de Teresa Leal Coelho à Câmara de Lisboa e participação na campanha de Santana Lopes à liderança do PPD, julgo que o meu apoio seria inútil, senão mesmo prejudicial. Os combates das feministas não precisam de homens, como eu, que politicamente perdem muito mais do que ganham.

A iniciativa londrina foi em grande medida resultado do movimento ocidental MeToo. O movimento ainda não se tornou global porque, aparentemente, em países como a China, a Rússia ou na maioria dos países muçulmanos, não consta que tenha havido assédio sexual em massa. Pelo menos, não há queixas. Mas voltando ao Ocidente, o movimento MeToo tem a virtude de expor, de um modo brutal, a desigualdade entre os homens e as mulheres. O assédio também está ligado a relações profissionais de poder e o facto da maioria das vítimas ser do sexo feminino mostra que há uma clara desigualdade de poder entre os dois géneros. Numa sociedade mais igual, de duas, uma: o assédio diminuirá drasticamente, ou deixará de ser uma questão de género.

As defensoras e os defensores da igualdade de géneros usam, por vezes, comparações absurdas entre a inteligência emocional, a sensibilidade, o pragmatismo das mulheres e dos homens. A validade dessas generalizações escapa-me por completo. A igualdade de géneros é simplesmente uma questão de justiça. Uma sociedade dominada pelos homens, pelo simples facto de o serem e de não serem mulheres, não é justa. E a igualdade será inevitável e desejável. Ponto final. Não é necessário acrescentar mais argumentos.

Mesmo sem participar em “workshops” educativos, entendo e apoio o movimento feminista. Não quero deixar qualquer equívoco porque é uma questão fundamental. Sou absolutamente a favor da igualdade entre mulheres e homens na vida pública e profissional. Mas também quero acrescentar um elemento de cepticismo, nunca em relação à igualdade mas quanto ao modo de combater as desigualdades. Desconfio sempre de consensos demasiado fortes. Pior do que tudo, sinto um enorme desconforto com tentativas de corrigir em décadas uma injustiça que cresceu durante séculos.

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Não há uma resposta satisfatória ao choque entre a injustiça histórica e o que o pensador Americano, Michael Walzer, chama de “injustiça contextual”. Por isso, é necessário evitar exageros e sobretudo cruzadas políticas. Raramente acabam bem. Como explica Walzer (um pensador de esquerda que não esqueceu as lições do liberalismo clássico), a correção da história pode tornar-se injusta para muitos cidadãos contemporâneos. Quando fiz o Doutoramento na London School of Economics, nos anos de 1990, um colega canadiano disse-me quue “na nossa área, Ciência Política, não terei qualquer hipótese de ensinar numa universidade canadiana, os novos cargos serão todos para mulheres, homossexuais e minorias étnicas.” Stephan, o nome do meu antigo colega, viu-lhe negado o direito a trabalhar no seu país em nome da correção das desigualdades cometidas pela história. Se já era assim na década de 1990, imaginem como será agora.

Para uns, a correção da injustiça histórica exige medidas deste tipo. Como afirmou Lenine, “não se fazem omeletes sem se partir ovos.” Para outros, onde me incluo, a injustiça individual de ser condenado a trabalhar no estrangeiro é excessiva. Entre a história e as pessoas, escolho as últimas. O que me espanta é que alguns que se dizem liberais subordinam direitos individuais a tentativas de acelerar a história, muitas vezes com medidas radicais. Mais uma pequena traição de alguns liberais contemporâneos ao liberalismo clássico.

Como disse, não há uma solução filosófica satisfatória para o dilema entre o combate a uma desigualdade histórica e o respeito pelos direitos fundamentais. As respostas terão que variar de acordo com as circunstâncias de cada caso. Mais do que tomar partido rapidamente por posições inflexíveis, é importante entender os dilemas criados pelo combate politico do feminismo. E o cepticismo sobre algumas medidas é muito salutar para temperar os excessos de zelo.

Além disso, é igualmente saudável evitar cruzadas morais, sobretudo porque a natureza humana nem sempre se recomenda. E como a história europeia já demonstrou, cometem-se muitas vezes abusos graves em nome de desígnios morais supostamente superiores. Quando sigo muitos dos debates actuais sobre a causa feminista e sobre a igualdade de géneros, recordo-me de uma das melhoras histórias de Woody Allen. Um dia num jantar de homenagem a uma velha actriz de Hollywood, a qual se tornara numa campeã e financiadora de todas as causas correctas, Woody não bateu palmas após o discurso da senhora. Surpreendido, o seu vizinho na mesa perguntou-lhe, “Woody, o que se passa, não gostas dela?” Ao que Woody Allen respondeu: “sabes, eu conheci-a antes de ela ser virgem.” Nos últimos tempos, tenho assistido a casos espantosos de virgindade tardia. E a virgindade de umas muitas vezes causa a culpa de outros, como mostra a interrogação acusatória do amigo de Woody Allen. Seria grave se as nossas sociedades se começassem a dividir em “virgens” e culpados. Não sinto qualquer culpa pela história das nossas sociedades, nem admito que me nos queiram fazer sentir culpados. Para combater uma injustiça, não devemos criar divisões negativas.