Uma das discussões mais intrigantes na actual disputa interna pela liderança da IL são as referências a um hipotético risco de o partido se tornar um “CDS 2.0”. Parece haver um consenso no interior da IL de que tal seria um desfecho desastroso, presumivelmente por essas referências terem como pano de fundo o declínio eleitoral do CDS que culminou na perda total de representação parlamentar nas mais recentes eleições legislativas.

Creio no entanto que esses receios são largamente exagerados, ainda que não necessariamente pelas melhores razões para a IL. Importa aqui recordar que, além de ter sido um partido fundador da democracia no actual regime, o CDS obteve 16% dos votos – e fez eleger 42 deputados – nas eleições legislativas de 1976. Em 1983, no rescaldo da AD, o CDS teve mais de 12,5% e fez eleger 30 deputados e ainda em 2011, naquele que foi o melhor resultado conseguido sob a liderança de Paulo Portas, o CDS conseguiu 11,7% dos votos e elegeu 24 deputados (num grupo parlamentar de que faziam parte, além de Cecília Meireles, dois dos mais sólidos liberais que alguma vez foram deputados em Portugal: Michael Seufert e Adolfo Mesquita Nunes). Além dos resultados eleitorais, importa recordar também que o CDS integrou vários governos e liderou múltiplas autarquias, incluindo várias das principais cidades do país.

Para colocar em perspectiva, o resultado da IL em 2022 consistiu em obter 4,9% e fazer eleger 8 deputados. Um resultado excelente para um novo partido que elegeu pela primeira vez um deputado em 2019 mas ainda muito – mas mesmo muito – longe de se poder comparar ao papel histórico do CDS. Em toda a longa história do CDS na democracia portuguesa, aliás, só por quatro vezes o CDS ficou abaixo dos 4,9% agora muito meritoriamente conquistados pela IL: em 2022 (com 1,6%), em 2019 (com 4,2%), em 1991 (com 4,4%) e em 1987 (com 4,4%).

Daí que talvez o comentário mais caridoso que se possa realisticamente fazer sobre a possibilidade de a IL poder vir a ser um “CDS 2.0” é que tal constitui uma ambição legítima mas há ainda muito caminho para a IL percorrer e crescer até que se possa fazer a comparação sem cair no ridículo.

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A rápida e inequívoca história de sucesso da IL entre 2019 e 2022 assentou no notável empreendedorismo político de Carlos Guimarães Pinto e, depois, na sobriedade e nas capacidades de liderança e agregação de João Cotrim de Figueiredo. Foi a fórmula de Carlos Guimarães Pinto de apostar claramente no liberalismo económico deixando para um segundo plano obscurecido as questões sociais ditas “fracturantes” que possibilitou à IL aparecer no mapa político português e afirmar-se num contexto de decadência do CDS (que nunca recuperou do episódio “irrevogável” de Portas) e de fragilidade do PSD de Rui Rio, ambos abrindo espaço à direita.

Perante este cenário, Guimarães Pinto teve a arte e o engenho de saber aproveitar e congregar massa crítica acumulada ao longo de anos (num movimento que passou muito pela blogosfera e redes sociais mas onde também pontificaram projectos como a revista Atlântico, entre outros) para encontrar espaço para a existência da IL. Ao evitar a armadilha do centrismo e de tentar posicionar a IL no espaço já ocupado por PSD e PS, Guimarães Pinto foi o verdadeiro pai fundador da IL. Depois, numa segunda fase, coube a João Cotrim de Figueiredo a tarefa de afirmar, consolidar e fazer crescer a IL, o que conseguiu com notável sucesso em boa parte devido também à sua boa imagem, à robustez da estrutura que organizou e à qualidade das pessoas que juntou em seu torno.

No actual contexto, mais do que falar em “CDS 2.0”, fará mais sentido considerar o risco de a IL se tornar uma espécie de “CDS 0.2”, nomeadamente se a actual disputa interna degenerar numa guerra civil entre facções, com coligações negativas, ataques pessoais e um grau de conflitualidade interna que afaste os melhores quadros do partido.

Até porque, importa também salientar, a IL tem muito menos capital político acumulado do que o CDS. E, como foi patente no caso do CDS, é muito mais fácil desbaratar e destruir capital político do que acumulá-lo. Daí que se possa afirmar que a IL precisará ainda de muitos anos de crescimento e consolidação para que o rótulo “CDS 2.0” possa aplicar-se, mas bastará estragar o bom trabalho feito e desagregar a estrutura que tem sido a base do sucesso do partido para acabar como um “CDS 0.2”.