Advertência: este texto estava escrito e entregue antes de Terça-feira. Isto é, não são os acontecimentos de Terça-feira ligados ao lítio e hidrogénio que motivam esta crónica, bem pelo contrário, esses acontecimentos são uma coincidência que ilustra, de forma totalmente autónoma, a tese do texto.
Este título é uma auto-citação, usei a frase do título num artigo que fiz sobre o fosso que separa a Climáximo dos miolos.
É uma frase dúbia, tão dúbia que eu, que a escrevi, me vejo agora obrigado a escrever um novo artigo a dizer que não concordo com ela, ou melhor, com a interpretação mais imediata dela.
A frase parece dizer que acho a questão das alterações climáticas uma ilusão, mas o que acho uma ilusão é a ideia de que, havendo alterações climáticas, é inevitável que isso se traduza numa catástrofe planetária.
Comecemos por delimitar o problema: não há nenhuma necessidade de salvar o planeta, o planeta não precisa de nós para se salvar ou para o que quer que seja.
Usando um exemplo de Chicco Testa no Elogio della crescita felice/Contro l’integralismo ecológico, se Veneza desaparecer afundada pelo aumento do nível da superfície do mar, isso não corresponde a perda nenhuma para o planeta. Seria uma grande perda para nós, para muitas outras espécies a renaturalização da laguna seria uma bênção.
A questão das alterações climáticas é uma questão humana, demasiado humana, e diz respeito à nossa relação com um mundo de que dependemos para sobreviver e nos reproduzirmos.
Não sei o suficiente para ter opinião própria sobre o que se espera que venha a ser a evolução do clima, um assunto de enorme complexidade, portanto aceito como bom aquilo que me parece ser esmagadoramente dominante: está a haver alterações relevantes dos padrões climáticos.
Sei o suficiente para distinguir entre meteorologia e clima, portanto sei que haver um ano de seca, ou um fenómeno meteorológico extremo, não demonstra nem deixa de demonstrar o que quer que seja sobre alterações climáticas, isto é, sobre o padrão de ocorrência desses fenómenos.
Do que falo é da ilusão malthusiana de que o futuro vai ser uma projecção do presente e, se eu conseguir saber que o futuro será mais quente e seco, posso concluir que o problema dos fogos se vai agravar.
Independentemente das discussões sobre se o futuro vai ser assim ou assado, a verdade é que mesmo que saibamos exactamente como vai evoluir um determinado factor, saberemos muito pouco sobre como vão reagir as pessoas e a sociedade a essa alteração.
Se o problema dos fogos se tornar socialmente mais relevante, a sociedade adapta-se, seja gerindo melhor, seja inventando novos modelos de produção, seja alterando padrões de consumo, seja através de inovações tecnológicas, seja alterando padrões de uso do solo em que o fogo possa ser brutal, mas não afectar a vida das pessoas, por exemplo, por haver pouco contacto entre áreas de elevada densidade de combustíveis e povoamento humano que seja potencialmente afectado pelo fogo.
Haverá sempre catástrofes, como sempre houve, haverá sempre perdas, como sempre houve, a mudança provoca frequentemente disrupção, e a discussão séria não é sobre a forma de parar a mudança, mas sobre o óptimo social na adaptação a essa mudança.
Eu conheço o argumento de que quanto maior for a mudança, mais cara e difícil será a adaptação, mas é um argumento que não me parece demonstrado em lado nenhum, é um argumento lógico, não sabemos se é um argumento verdadeiro.
É um argumento suficientemente consistente para ser tido em atenção na definição de políticas, mas tê-lo em atenção significa, para cada medida que achamos adequada para lidar com o problema, que temos de avaliar custos e benefícios de uma forma global, e não isolando o meu problema dos problemas dos outros nem contabilizando apenas os custos de não adoptar a medida, sem contabilizar os custos de a adoptar, incluindo os custos de oportunidade.
Grande parte das políticas de adaptação climática necessárias são políticas razoáveis e sensatas, quer haja ou não alteração climática, porque são políticas de eficiência no uso de recursos, isto é, políticas que visam produzir mais, a partir de menos recursos.
O capitalismo (Ricardo Dias de Sousa dizia num Contracorrente que capitalismo é uma palavra inventada por Marx para designar a realidade, permitindo-lhe desenvolver a sua utopia de negação da realidade, espero não estar a trair a ideia que estou citar de memória) é o sistema mais eficiente de alocação de recursos à produção, usando o preço como mecanismo de transmissão de informação, rápido e eficaz.
A ideia de que as catástrofes ambientais, climáticas ou outras, podem ser evitados, ou pelo menos minimizadas, de forma mais eficiente, com medidas de política centralizadas e tecnicamente racionais, é a enésima declinação da ideia de que o planeamento centralizado da economia é mais eficiente que a “mão invisível” na resposta às necessidades das pessoas comuns, incluindo as necessidades decorrentes de alterações de contexto, como são as alterações climáticas.
O problema é que essa ideia nunca foi demonstrada em lado nenhum e sempre que foi testada resultou em desastres sociais (frequentemente ambientais também, dificilmente a tragédia do mar de Aral ocorreria num contexto em que os preços transmitissem informação a todos os interessados, de forma eficiente e rápida), desigualdade e falta de liberdade individual.
Infelizmente, apesar do histórico de desastres humanos e ambientais, essa ideia tem vindo a ser apresentada, com cada vez mais insistência, como o único caminho para evitar o desastre.
A mim parece-me que é ela mesma uma autoestrada para o desastre.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.