E a avó da dra. Mortágua, coitadinha? Em 2012, alterações na legislação do arrendamento deixaram a senhora num “sobressalto” [sic], com medo de ser expulsa de casa. Claro que bastava a neta, ou algum familiar com compaixão, tê-la informado de que a dita lei apenas dizia respeito a pessoas com menos de 65 anos. Porque é que a dra. Mortágua não se apressou a descansar a pobre velhinha? Porque a extrema-esquerda vive da criação de medos infundados, ou fundados em alucinações. E, a pretexto de alucinações, porque a avó, aquela avó, com aquelas características e naquelas circunstâncias, não existe. A criatura veio ao mundo apenas para figurar brevemente no debate da dra. Mortágua com Luís Montenegro. Se o outro arranjou um avô sapateiro, a chefe do Bloco de Esquerda não poderia ficar atrás em matéria de antepassados com existências penosas. Vai daí, inventou um.
As contas são simples. O pai da dra. Mortágua – que Deus proteja esse patriota – tem 90 anos. Há 12, se não me falham os cálculos, tinha 78, pelo que a sua progenitora dificilmente teria menos de 98. Ou 95, se houvesse sido precoce. Quanto ao lado da mãe, hoje com 70 anos, é tirar 20 e concluir que, em 2012, nem a avó materna teria menos de 78. Ou 75, pronto. Ambas, portanto, estavam protegidíssimas por larga margem da sanha da “direita”, que mancomunada com os senhorios sonhava em desalojar idosos. Instada, no debate televisivo seguinte, a esclarecer as discrepâncias, a dra. Mortágua dispensou a oportunidade. Inchada de ética e amnésia, proclamou: “Não faz muito sentido discutir situações particulares”. Pois não, principalmente quando as situações em causa, que ela própria invocou sem que alguém lho pedisse, são fruto da imaginação, para não dizer da vontade de aldrabar o próximo.
Parece então razoavelmente inequívoco que a dra. Mortágua mentiu. E depois? A dra. Mortágua mente constantemente. Aliás, na fossa ideológica em que foi criada, a mentira é a única forma conhecida de comunicação. Só no referido debate em que encarnou o espírito da avó, a dra. Mortágua mentiu desde que abriu a boca até, enfim, a fechar. Mentiu, por exemplo, acerca das PPP na Saúde, ao afirmar que “todos os relatórios do Tribunal de Contas dizem que as PPP tinham uma performance pior ou igual ao sistema público, com muito mais custo”. Ora o relatório mais recente do TdC a propósito, de 2021 e que reúne dados de diversas auditorias, informa que que as PPP pouparam centenas de milhões de euros ao Estado e demonstraram, cito, “níveis de excelência clínica”. Ou seja, nesta e em todas as matérias, os factos são sempre o exacto oposto das falcatruas que a dra. Mariana regurgita. De um certo ponto de vista, é extraordinário.
Igualmente extraordinária é a maneira como a dra. Mortágua e o BE em geral sobrevivem a este, digamos, estilo. Mesmo para os padrões da política, em que a impostura e o descaramento beneficiam de razoável tolerância, e mesmo para os padrões da política caseira, em que essa tolerância atinge limites insondáveis, a imunidade da seita é assombrosa. Uma parte dos embustes explica-se através do público do BE. Talvez paire por ali uma combinação letal de inteligências deficitárias, lacunas educativas, vieses de confirmação, propensão ao culto e psicose partilhada, não sei. Sei que o sucesso das intrujices do BE também depende muito da falta de escrutínio “mediático” (perdão) a que são sujeitas, ou do escrutínio a que não são sujeitas.
Voltemos à sobressaltada, além de mitológica, avó da dra. Mortágua. Toda a gente percebeu de imediato que a história era uma desavergonhada patranha. Toda a gente, excepto a maioria de comentadores que, nas televisões e imprensa, declarou a dra. Mortágua vitoriosa no confronto com o líder do PSD. Ou seja, uma “argumentação” baseada em falsidades infantis dá à dra. Mortágua não apenas a legitimidade de julgar que debateu fosse o que fosse como o direito a “ganhar” o pretenso debate. Ridículo? Vocês não leram o “Polígrafo”.
O “Polígrafo”, uma coisa que ironicamente se propõe denunciar mentiras, entrou em cena para tentar convencer pasmados de que a dra. Mortágua pode não ter mentido. Entre uma névoa de considerações “técnicas”, o “Polígrafo” sentenciou o seguinte (corrigi entretanto os erros gramaticais): “Tendo em conta que Mariana Mortágua tem hoje 37 anos (25 anos em 2012), é improvável – mas não impossível – que a sua avó tivesse naquele ano (tampouco nos anos seguintes) menos de 65 anos. Não descartada a hipótese, ditava a lei que seria possibilitada a actualização das rendas anteriores a 1990, ou seja, antes da vigência do Regime de Arrendamento Urbano, a todos os menores de 65 anos.”
Tradução: embora ache “improvável”, o “Polígrafo” não acha impossível – nem descarta a hipótese – de a avó da dra. Mortágua ter dado à luz a mãe da dra. Mortágua aos seis (6) anos de idade ou menos. Ou, tratando-se da avó paterna, presume-se que o “Polígrafo” não ache impossível – nem descarte a hipótese – que o sr. Camilo Mortágua viesse ao mundo catorze (14) anos antes (antes) de a mãe dele sequer ter nascido. A confirmar-se, esqueçam as minudências da política: a família Mortágua é da ordem do divino. A não se confirmar, reparem no lema do “Polígrafo”: “Um projecto jornalístico online que tem como principal objectivo apurar a verdade”.
Desatei a rir logo em “projecto jornalístico”. O “Polígrafo” passa nas televisões, a dra. Mariana passa no “Polígrafo”, o absurdo passa por normalidade. Quem leva o país a sério deve estar a brincar.