Numa conjuntura em que a Península Ibérica está a assumir um assinalável protagonismo nos meios de comunicação de todo o Mundo, por conta da realização em Lisboa da II Cimeira dos Oceanos das Nações Unidas e da Cimeira da NATO em Madrid, parece pertinente refletir sobre o aproveitamento que a Lusofonia pode vir a colher desse mediatismo. Como se trata de uma temática dupla, a guerra atualmente em curso na Ucrânia aconselha a que se deixe para análise posterior o primeiro elemento e se conceda prioridade ao novo Conceito Estratégico da NATO.

Nascida para garantir a proteção militar do Ocidente relativamente à URSS, a NATO, depois de confrontada com cenários tão diferentes como a guerra fria, a coexistência pacífica, a queda do muro de Berlin e a implosão da URSS, na atualidade, assiste ao ressurgir da ameaça russa pela mão do plutopopulista Vladimir Putin. Uma ameaça real, como demonstra a invasão russa da Ucrânia cuja anexação foi considerada indispensável por Alexander Dugin, o grande influenciador de Putin no que concerne ao Eurasianismo, a teoria que concebe a Rússia como uma civilização única destinada a estender a sua zona de influência.

Perante esta conjuntura, não pode causar admiração que a cimeira de Madrid marque o início do novo Conceito Estratégico da NATO. Um conceito indispensável para a sobrevivência do modelo ocidental porque à ameaça russa deve ser acrescentado o expansionismo, por enquanto sobretudo do foro económico-financeiro, da República Popular da China.

No que concerne à ameaça russa, a circunstância de a Finlândia e a Suécia terem abdicado da sua histórica neutralidade ao solicitarem a adesão à NATO, aceitando a quase totalidade das imposições de Erdogan como forma de contornar o veto turco, constitui prova inequívoca do receio de ambos de que o sonho expansionista de Putin se transforme num pesadelo para os países vizinhos. No entanto, convirá ter presente que a ameaça russa não se queda pelos países do norte. De facto, na fronteira sul da NATO, a influência russa continua a fazer-se sentir, tantos anos passados sobre o apoio soviético aos movimentos de libertação. Uma influência que explica o sentido de voto de um número considerável de países africanos quando a Assembleia-Geral da ONU condenou a invasão russa da Ucrânia.

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Se à influência russa for acrescentada a presença chinesa, com a consequente dependência crescente de grande parte da África subsariana relativamente à República Popular da China, fruto do consenso de Pequim assente na cooperação ligada e sem perguntas, percebe-se que a NATO tem razões de sobra para reformular o seu Conceito Estratégico.

Ora, como há esquecimentos muito bem lembrados, talvez seja o momento para Portugal se recordar que, para além de membro da NATO, faz parte da CPLP e que o Atlântico Sul representa o Oceano Moreno. Uma criação feliz de Adriano Moreira que a vontade política não tem sabido rentabilizar.

Um oceano que, para além de constituir o palco das ameaças já apontadas, representa a via por onde passam redes de narcotráfico e de tráfico humano. Uma ameaça para a segurança mundial em geral, e para o Ocidente em particular, tanto mais que o terrorismo também circula por lá, pois sabe que pode usar os Estados falhados e os regimes autocráticos como uma espécie de santuário.

Face ao exposto, a circunstância de a quase totalidade dos países da CPLP se localizarem no Atlântico Sul constitui um poder funcional que não deve ser ignorado. Cabe a Portugal, enquanto membro da NATO e da CPLP, a responsabilidade de liderar o processo que permita rentabilizar esse poder. Dito de uma forma mais clara: esta é a conjuntura para Portugal abrir a janela de liberdade que permita a afirmação da Lusofonia num Mundo onde o valor da segurança não tem preço. Assim haja vontade política!