Normalmente, não faço generalizações. Mas o comportamento das esquerdas em Portugal durante a campanha eleitoral no Brasil foi das manifestações mais estúpidas e mais tontas que alguma vez assisti (e já vi muita estupidez na minha vida). Pelo que se viu, as esquerdas em Portugal continuam a pensar como se estivessem na década de 70 do século passado. Quando percebem que o candidato de esquerda vai perder uma eleição, resta-lhes um argumento: o candidato de direita é fascista. Ninguém quis discutir os problemas económicos e sociais do Brasil, a segurança pública, o legado dos governos do PT (quase 16 anos), a corrupção sistemática que Lula e os seus introduziram na vida política do Brasil. Tudo isso foi ignorado. Só interessou chamar fascista a Bolsonaro. Ninguém quis perceber que o tema central da campanha brasileira foi a rejeição do PT e de Lula. As esquerdas não têm a humildade para estudar e aprender o que se passa no Brasil. Vivem na arrogância cega das suas ideologias e dos seus dogmas.

Bolsonaro até poderá ser fascista, mas o facto de a esquerda o dizer é absolutamente irrelevante. As esquerdas já chamaram de fascistas a Sá Carneiro, a Cavaco Silva, a Passos Coelho, a Paulo Portas, a Marcelo Rebelo de Sousa e até, vejam bem, a Freitas do Amaral. As esquerdas banalizaram o termo fascista. Por isso, o que dizem sobre o fascismo não tem qualquer importância. As esquerdas portuguesas usam o termo fascismo com a mesma ligeireza com que os adolescentes recorrem às palavras odeio e adoro. Obviamente, as esquerdas aproveitaram as eleições brasileiras e os ataques a Bolsonaro para condicionar e assustar as direitas portuguesas. Infelizmente, algumas figuras das nossas direitas assustaram-se.

Há algumas lições que interessa retirar das eleições brasileiras (uma verdadeira revolução política). Em primeiro lugar, a maioria dos brasileiros não aceita que o Brasil tenha donos. O PT e Lula portaram-se na última década e meia como se fossem os donos do país. Compraram políticos e congressistas de partidos das oposições (o mensalão), aliaram-se a grandes grupos económicos (isso mesmo, ao grande capital) para financiar as suas campanhas eleitorais e para enriquecerem os seus dirigentes, usaram os recursos nacionais para os seus fins privados. A rejeição do PT e de Lula foi um acto democrático e saudável do povo brasileiro. Escrevi o mesmo no velho Diário Económico quando Lula foi eleito pela primeira vez em 2002. Estou convencido que se Bolsonaro e os seus se portarem como os novos donos do Brasil, daqui a quatro anos, os brasileiros também os rejeitarão, enviando-os para casa. Seria muito importante que os partidos portugueses, especialmente o PS, percebessem que em democracia ninguém é dono do regime. O povo é mesmo quem mais ordena, como mostraram os brasileiros.

Há uma segunda lição: a democracia não resiste a tudo. Para quem acredita na democracia pluralista e na liberdade política, de um modo absoluto, perceber que há muitos para quem há valores mais importantes, é perturbador. Como se nota no Brasil, nos Estados Unidos e em muitos países europeus, para muitos a atração por soluções autoritárias é mais forte do que a fidelidade à democracia. Não podemos considerar a democracia como um dado adquirido. Se os cidadãos se sentem inseguros e acreditam que a democracia serve sobretudo a minoria que está no poder e não a maioria da população, acabam por recusar o regime democrático. É trágico mas é a verdade. A qualidade da democracia é o ponto fundamental. A democracia por si é insuficiente. Compete aos partidos tradicionais cultivarem a qualidade da democracia. Bolsonaro não é o responsável pela crise da democracia brasileira, Os culpados são o PT, o PMDB e o PSDB. Será agora essencial controlar os instintos autoritários de Bolsonaro e de muitos que o rodeiam. Resta saber quem o fará.

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Por fim, há uma lição importante para o PSD. Tal como em Portugal, durante anos ouvi no Brasil muita gente afirmar que não havia direita partidária no país. Tal como Portugal, o Brasil seria um país profundamente virado para a esquerda. O PSDB seria no máximo um partido de centro, mas para muitos uma força de centro esquerda, como dizia o seu maior símbolo, Fernando Henrique Cardoso. Ora, o PSDB foi o maior derrotado da subida de Bolsonaro ao poder. Os brasileiros rejeitaram o PT, mas de certo modo o partido de Lula teve um grande resultado, depois de tudo o que aconteceu com a investigação Lava Jato. Lula acabou politicamente, mas o PT continuará a ser a principal força da esquerda brasileira.

Se não fosse a vitória de Dória nas eleições do estado de São Paulo, o PSDB poderia ter chegado ao fim. No Congresso, deixou de ser um dos três grandes partidos e passou à condição de força política de média dimensão. O seu candidato presidencial, Geraldo Alckmin, não chegou aos 10% na primeira volta das eleições presidenciais. O eleitorado do PSDB emigrou para Bolsonaro. O que mostra que as elites do PSDB estiveram sempre mais à esquerda do que os seu eleitores. O mesmo se passará com o PSD. Convém que os dirigentes sociais democratas entendam devidamente esta lição brasileira. Quando o eleitorado de direita se sente abandonado e sem liderança política, fica exposto a líderes populistas e demagogos. A direita liberal e conservadora é a mais ameaçada pela direita populista e radical. Como se viu no Brasil, a solução não é o centrismo, mas sim a afirmação de uma direita liberal e conservadora sem vergonha e sem medo. Dito de um modo simples, o ‘PSD centrista de Rui Rio’ é vulnerável ao populismo de direita. O ‘PSD de direita de Passos Coelho’ é o maior travão ao aparecimento de Bolsonaros portugueses. A incapacidade, ou falta de vontade, da esquerda para perceber esta evidência não admira. A obsessão com o fascismo fez das nossas esquerdas uma coleção de tontos. Mas se o PSD e o CDS não entenderem isto, nada percebem.

PS: O Presidente da República e o PM reagiram com sentido de Estado à vitória de Bolsonaro. O Brasil continuará a ser um país importante para Portugal e para os portugueses. E Marcelo Rebelo de Sousa estará seguramente no dia 1 de Janeiro na tomada de posse de Bolsonaro.