Bolsonaro lidera todas as sondagens desde que Lula deixou de ser candidato. Nas últimas sondagens, publicadas há dois dias e ontem, Bolsonaro lidera em todas as faixas etárias, entre as mulheres (extraordinário) e em todas as regiões do país, com a excepção do Nordeste (onde lidera Haddad, o candidato do PT, com mais 3 pontos do que Bolsonaro). Bolsonaro tornou-se assim o principal candidato a ser eleito presidente brasileiro, o que parecia impossível até há cerca de três meses. Se vencer a primeira volta com cerca de 10 pontos de avanço sobre o segundo classificado, quase seguramente Haddad, será muito difícil reverter a tendência na segunda volta.

Há um debate vivo sobre Bolsonaro e sobre as suas ideias. Mais do que saber se Bolsonaro será fascista, o que me interessa é tentar entender porque razão dezenas de milhões de brasileiros se preparam para votar num candidato extremista. A maioria desses brasileiros que votam em Bolsonaro não é certamente fascista nem sequer radical. No passado, elegeram Fernando Henrique Cardoso e Lula. A pergunta que me interessa é a seguinte: como é possível que dezenas de milhões de brasileiros votem num candidato como Bolsonaro?

Convém notar, e não deixa de ser extraordinário, que Bolsonaro practicamente não fez campanha eleitoral, e não participou nos debates na televisão. Esteve quase todo o tempo de campanha deitado numa cama de hospital. O facto das intenções de votos em Bolsonaro ter aumentado sem ter feito campanha mostra que, mais do que apoiar Bolsonaro, a maioria dos brasileiros está a recusar os candidatos dos partidos tradicionais.

Vou com frequência ao Brasil por razões profissionais e estive no país no início de Setembro, onde falei com muitos brasileiros sobre as eleições, desde participantes directos na campanha até eleitores comuns. Pessoas humildes, desde condutores do Uber e empregados de restaurantes até profissionais da classe média, como médicos, advogados e gestores, afirmaram que vão votar em Bolsonaro. São cidadãos comuns que nada têm de fascistas nem de extremistas perigosos. Mais, muitos deles confessam que não gostam especialmente de Bolsonaro, discordam de muitas coisas que ele diz e das suas ideias em geral. Votam em Bolsonaro sobretudo por uma razão: não é do PT, nem do PSDB nem do MDB, os três partidos que dominam a política brasileira desde a democratização do país.

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Para as pessoas com quem falei, como para a maioria dos brasileiros, os partidos tradicionais são os grandes responsáveis pela corrupção no país (não é só o PT). Como explicou um investidor em start ups, a classe média brasileira com a democracia acreditou que se estudasse, fosse séria, respeitasse as regras e trabalhasse bastante melhoraria o seu nível de vida. Como mostrou a investigação da Lava Jato, afinal foram aqueles que não respeitaram as regras e que se portaram de um modo desonesto que mais beneficiaram em termos pessoais. Enquanto a crise económica afectou quase todos os brasileiros, muitos dos membros dos principais partidos enriqueceram de um modo ilegal.

Há ainda um outro ponto interessante na campanha brasileira. A revolta contra os candidatos dos partidos tradicionais foi acompanhada pela revolução das redes sociais. A televisão, sobretudo a TV Globo, tem sido sempre decisiva nas eleições brasileiras. Nesta campanha, a televisão foi derrotada de um modo esmagador pelas redes sociais, especialmente pelo WhatsApp, neste momento o principal meio de comunicação no Brasil. O candidato com mais tempo de televisão, Geraldo Alckmin, practicamente não subiu nas intenções de voto durante a campanha. O candidato com menos tempo na televisão, Bolsonaro, é o que mais sobe. Os seus apoiantes dominam a internet e o WhatsApp. As redes sociais deram voz aqueles que nunca a tiveram. Como me disse um advogado muito activo nas redes sociais, as caras nas televisões e nos jornais são sempre as mesmas. As redes sociais permitem opinião e o sentimento de influência àqueles que nunca poderão ter acessos aos meios de comunicação tradicionais. O Facebook, o YouTube e o WhatsApp permitiu-lhes acabar com a “ditadura dos donos da opinião.”

Os brasileiros que votam em Bolsonaro são pessoas desiludidas e zangadas. Muito zangadas mesmo. Sentem que os partidos em que votaram desde sempre os traíram. Os partidos que governaram o Brasil nas últimas décadas serão os grandes responsáveis se Bolsonaro for eleito presidente. Não foram dignos da confiança de quem votou neles durante décadas. Para os dirigentes dos principais partidos ou para os meios de comunicação social tradicionais, chamar fascista a Bolsonaro não chega. Até pode ser verdade, mas os brasileiros já não acreditam neles. O preço da traição é sempre muito elevado. No Brasil, chama-se Bolsonaro.