Durante meses fui lendo relatos nos jornais sobre a incompetência das autoridades portuguesas na gestão da pandemia. Quando os lia, pensava que, em parte, resultariam de exagero de quem contava – por tão inverosímeis –, ou por dificuldades das autoridades numa altura francamente difícil de gerir. Na Primavera de 2020, alguma desorientação era possível, e até compreensível. Em Julho de 2021 há erros e problemas que são inadmissíveis. Contudo, na semana passada tocou a mim e à minha família ter o prazer de presenciar em primeira mão os horrores da administração pública pastoreada pelos socialistas. Neste artigo adopto um estilo descritivo e tentando adjectivar ao mínimo. Deixo a cada leitor a tarefa de retirar ilações sobre o sucedido.

Antes de começar o meu relato, porém, convém fazer uma brevíssima contextualização. Juntamente com a minha esposa e o meu irmão, estamos de visita a casa dos meus pais, em Viana do Castelo. Todos nós estamos completamente inoculados, isto é, com as duas doses da vacina tomadas há pelo menos um mês a contar da data da segunda toma. Para além disso, um último pormenor de contexto, o meu pai é um doente pulmonar crónico, uma situação que nada tem que ver a actual doença que grassa pelo mundo.

Segunda-feira, dia 5 de Julho. O meu pai dá entrada no hospital distrital de Viana do Castelo, às 11 da manhã, pelo seu pé, devido a uma das suas habituais crises pulmonares. Depois de visto pelo médico da triagem, é-lhe atribuída uma pulseira amarela. Faz um raio-X, análises ao sangue e, naturalmente, um teste de Covid para despiste. Fica mais de onze (11!) horas sentado na cadeira de rodas, sem comer, à espera de ser visto por um médico que se digne a vir comunicar os resultados dos exames e diagnosticá-lo. Às 11 da noite, exausta, a minha Mãe decide escrever no livro amarelo do hospital. Menos de cinco minutos depois, o meu pai é visto por uma médica que o diagnostica com o habitual, prescreve um antibiótico e manda para casa. Nada é dito sobre a Covid.

Terça-feira, dia 6 de Julho. De manhã, o meu pai é informado pela Linha de Saúde 24 que o teste Covid que fizera no hospital no dia anterior tinha resultado num positivo. Não lhe foi dado nenhum comprovativo deste resultado, nem informação sobre o tipo de teste realizado. O meu pai argumenta que, devido à situação actual, tem uma vida social absolutamente mínima, não tem qualquer sintoma e, claro, toda a gente em redor dele está vacinada. Como tal, pede para realizar novo teste PCR, para confirmação. A Linha de Saúde 24 rejeita liminarmente a hipótese de um falso positivo porque, como toda a gente sabe, isso não existe na melhor e mais avançada democracia do mundo. Entretanto, toda a família, vacinada e sem sintomas, é avisada que tem de ficar em isolamento profiláctico por 10 dias. O meu pai decide deslocar-se à Germano de Sousa e pagar os 100 euros da praxe para ser testado.

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Quarta-feira, dia 7 de Julho. Recebido o teste da Germano de Sousa ficámos a saber que, naturalmente, o meu pai está negativo e não tem Covid-19. Múltiplas chamadas para a Linha de Saúde 24, que insistem que o único teste válido é o primeiro, ignorando o segundo. Ao telefone com a minha Mãe, a senhora do outro lado da linha diz que o falso positivo é “a sua opinião”, argumentando ainda que “não existem falsos positivos em testes PCR”. Evidentemente, há que lembrar que, para além de um falso positivo, há ainda a possibilidade de um erro humano e/ou contaminação no manuseamento do teste. Toda a família recebe receitas para ir fazer testes PCR. Durante o dia telefonam para cada um dos elementos da família a fim de controlar se estamos em casa. Nesta mesma tarde, a PSP bate-nos à porta. Dois agentes, simpáticos, por sinal, andam com uma lista (vi-a com os meus olhos) onde têm os nomes das pessoas que, na opinião das autoridades, devem estar em isolamento. Explicámos aos agentes a situação, que compreendem, e relatam, de resto, que existem inúmeros casos de pessoas vacinadas, e com testes PCR negativos, mas cujos nomes constam da lista por erros burocráticos. Mais, ó maravilha!, a lista tem um erro no processo do meu pai. De acordo com as autoridades, o meu pai deveria entrar em isolamento no dia 6 de Julho por testar positivo mas, de acordo com a lista, este terminaria no dia 8 de Julho. Seriam, pois, 48 horas de isolamento para um caso alegadamente positivo. Eu juro que isto é verdade. Tanta incompetência junta não se inventa. Confesso que nunca tinha sentido o controlo pidesco da pandemia, mas vi-o em toda a sua glória pela primeira vez.

Quinta-feira, dia 8 de Julho. Chegam os testes PCR do resto da família. Todos negativos. Novos telefonemas para a Linha de Saúde 24 alertando para o sucedido e pedindo uma resolução para a situação, criada por um erro inicial. Somos informados que, uma vez inseridos no sistema, só podemos ter “alta” por acção do delegado de saúde. Pedimos, pois, os contactos do delegado de saúde da área de residência dos meus pais. Contactada, dizem-nos que a delegada de saúde está em isolamento profiláctico e nada podem fazer. Quando pedimos para quem a substitui na sua ausência, dizem-nos que não existe substituto e reiteram que nada podemos fazer. O meu pai fala com a sua médica de família relatando a situação. Por via das dúvidas, passar-lhe-ia um terceiro teste Covid-19 e, caso desse negativo, dar-lhe-ia alta. Quanto a nós, contudo, nada poderia fazer, pois estava nas mãos da Saúde 24.

Sábado, dia 10 de Julho. O meu pai faz e recebe novo teste PCR na Germano de Sousa que confirma, naturalmente, o resultado negativo. Depois de vários dias de assédio, a palavra é essa, com telefonemas constantes a perguntar pelo nosso estado de saúde e, inúmeras vezes, a indagar onde estávamos, com alguns telefonemas com elementos mais musculados do outro lado da linha a afirmar que estávamos a ir contra a lei e a demonstrar falta de civismo, eu próprio ligo para a Linha de Saúde 24. Era ali que tudo tinha começado, seria ali que tudo terminaria. Quase duas horas de telefonema com a Saúde 24. Falo com três pessoas diferentes. Quando chega à terceira pessoa já estou a falar com alguém mais alto na cadeia de comando. Essa pessoa diz-me então que é apenas uma administrativa e que vai passar-me a um dos médicos de saúde pública da Linha de Saúde 24 o qual, explicada a situação, tudo resolveria. Qual não é o meu espanto quando o “médico de saúde pública” é exactamente o mesmo operador com quem falei no início do telefonema que me confessa ser um estudante de Medicina, que a linha é apenas de triagem e que é composta apenas por enfermeiros e estudantes de Medicina. Nenhum deles tem poderes para dar alta clínica. Duas horas perdidas e nada feito.

Sábado, dia 10 de Julho (mais à noite). Numa família completamente vacinada há semanas, com seis testes PCR negativos, decidimos simplesmente que a única preocupação a ter seria com a PSP. Apesar da obrigatoriedade do confinamento ou isolamento profiláctico ser ilegal, na medida em que viola um direito básico de liberdade de circulação no país, telefono para a PSP. Falo novamente com o agente que tinha estado em casa de meus pais há uns dias. Diz-me que recebe a lista das pessoas através da sua conta de email pessoal porque a conta da PSP não tem capacidade de armazenamento para os anexos (juro!). No entanto, na sua conta, o agente elimina todos os emails desta natureza. Contudo, promete-me falar com o seu colega que guarda todos os emails na sua conta Gmail, emails esses que, recordo, a cada dia contêm os dados pessoais e situação de milhares de cidadãos. Pergunto-me onde anda a Autoridade para a Protecção de Dados.

Como prometi no início, não teço quaisquer comentários. Deixo ao leitor a retirada de conclusões sobre tudo isto.