O domingo da Páscoa decorreu tranquilo, naquele alegre sobressalto com que sempre chega a boa nova da ressurreição de Jesus Cristo. Nada nem ninguém podia prever que, dois dias depois, a morte ceifaria a vida do Dr. Eduardo Manuel Bruno da Costa.

No dia do seu passamento, 23 de Abril último, o Dr. Carlos das Neves Martins, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), emitiu uma expressiva nota de pesar: “O Dr. Eduardo Bruno da Costa fundou a Oncologia no Hospital de Santa Maria e no Hospital Pulido Valente, e liderou a Oncologia no Hospital de Santa Maria até 2003, sendo reconhecido pelos seus pares como um dos médicos mais brilhantes no tratamento do cancro”.

A nota não refere, contudo, que já reformado, quis continuar a prestar serviços clínicos, mas no âmbito do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, Amadora-Sintra, até poucos anos antes do seu falecimento, com oitenta e cinco anos de idade. Mesmo quando já não tinha essa obrigação profissional, quis continuar a pôr a sua muita sabedoria e experiência à disposição de inúmeros colegas e doentes: o trabalho era uma sua paixão dominante.

Quem foi seu doente ou familiar de doente – recorda a nota emitida pelo Conselho de Administração do CHULN – sabe bem a dedicação que o Dr. Bruno da Costa tinha por quem lhe confiou a vida. O Serviço de Oncologia muito deve ao seu Mestre e foram muitos os médicos formados pelo Dr. Bruno da Costa como Oncologistas e que continuaram o seu trabalho no CHULN” e não só.

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Devo à sua perícia e amizade a atempada percepção de um derrame cerebral que eu, dada a minha ignorância clínica e natural despreocupação, supusera ser apenas uma enxaqueca. Graças ao seu saber e cuidado, dei entrada no hospital já com o diagnóstico feito e pude recuperar inteiramente desse acidente vascular que, com a ajuda de Deus e a competência e dedicação do pessoal médico e de enfermagem dos Hospitais de São Francisco Xavier e Egas Moniz, não deixou sequelas. Sempre que depois lhe recordava, com gratidão, quanto lhe devia, desvalorizava a sua actuação, que foi certamente decisiva.

Apesar de não ter dotes como orador, nem como escritor, era um conversador nato. Para além da sua excepcional competência profissional, era um apaixonado por tudo o que dizia respeito à cultura, à fé cristã, às grandes questões do pensamento moderno e à política nacional e internacional. Lia diariamente, com extraordinária atenção, o Público, mas também o Observador, embora tivesse alguma dificuldade em usar as plataformas digitais. Completava essas leituras com as notícias de Aceprensa, um serviço informativo de inspiração cristã que muito apreciava, e com os noticiários televisivos internacionais. Foram inúmeras as vezes em que me chamou a atenção para um editorial particularmente esclarecedor, para um artigo do seu especial agrado, ou para uma reportagem que considerara exemplar. Não se informava apenas por curiosidade, ou interesse pessoal, mas para poder partilhar esses conhecimentos com os seus amigos. Era frequente, depois de trocar impressões com ele sobre algum tema, aparecer-me com vários livros sobre a questão.

Era um autêntico perito sobre o nacional-socialismo alemão. Intrigava-o como fora possível acontecer uma tal tragédia na Europa e que alguns cristãos, sobretudo protestantes, se tivessem entusiasmado com a ideologia nazi e uma prática política que eram, para ele, detestáveis. Enaltecia o esforço de Pio XII, e da hierarquia da Igreja católica em geral, na denúncia e combate contra essa teoria e praxis totalitária ateia. Conhecia bem os testemunhos das vítimas e sobreviventes do holocausto.

Ainda jovem, conheceu o Opus Dei em Coimbra, onde nasceu e viveu os seus primeiros anos: seu pai, também médico, era professor catedrático da Faculdade de Medicina dessa universidade. Vem desde então a sua profunda devoção por São Josemaria Escrivá, de quem apreciava especialmente a sua paixão pela liberdade. Patriota, mas sem exageros nacionalistas, indignava-se com os espanhóis que não compreendiam, nem aceitavam, a independência de Portugal, muito anterior, por sinal, à criação do Estado espanhol. Também por isso simpatizava com o fundador do Opus Dei, talvez o único hispânico que se atrevia a dizer, em público e em alto e bom som: – Viva Aljubarrota!

Foi na segunda-feira de Páscoa que o Dr. Bruno da Costa se sentiu indisposto, ao ponto de pedir uma ambulância que o levasse ao Hospital de São Francisco Xavier, que era também o da sua área de residência. Foi breve a sua estadia aí porque, algumas horas depois, foi transferido para a Cruz Vermelha. Em pouco tempo o seu estado deteriorou-se muito: ciente da gravidade da sua situação, pediu assistência religiosa. Foi nessa condição e como seu amigo que, pelas 22h desse dia 22 de Abril, o fui visitar nas urgências deste último hospital: inconsciente, respirava com normalidade e o seu corpo, entubado, parecia tranquilo. Administrei-lhe a Unção dos doentes e, depois de lhe dar a absolvição sacramental, permaneci, enquanto pude, a seu lado, rezando. Não o voltei a ver.

Na manhã seguinte, chegou a triste notícia: pelas 4h da madrugada do dia 23 de Abril, exalou o seu último suspiro. Talvez não tenha chegado a acordar do sono profundo em que se encontrava, depois de ter sido sedado. Talvez só tenha despertado no além, enquanto aqui soavam ainda as aleluias pascais, que tão veementemente nos falam da ressurreição e da vida. Quem sabe se, na eternidade, não foi recebido também ao som dos hinos jubilosos deste tempo litúrgico, vivido na esperança de uma vida que não acaba nunca e que agora, para ele, misteriosamente, se fez realidade?!

E os tigres da Malásia?! O Eduardo Manuel e o seu irmão, em adolescentes, eram leitores apaixonados das aventuras de Sandokan. Por isso, a sua mãe, em jeito de brincadeira, às vezes chamava-os dizendo: – A mim, tigres da Malásia!

As almas não morrem, vivem sempre, não reencarnando depois da morte, mas renascendo para a vida eterna. Por isso, os primeiros cristãos chamavam, ao dia da morte, dies natalis, o dia do verdadeiro nascimento. O Dr. Eduardo Bruno da Costa, fundador dos serviços de Oncologia nos Hospitais de Santa Maria e Pulido Valente, já vive essa juventude eterna. Talvez tenha ouvido, de novo, aquele chamamento familiar, mas agora vindo da sua outra mãe, a do Céu: – A mim … E, mais uma vez, obedeceu.

P.S. Hoje, dia 29 de Abril, segunda-feira, pelas 19h e 15m, celebra-se no Oratório de São Josemaria, na Rua Vera Lagoa, nº 5, às Laranjeiras, Missa de sétimo dia pelo Dr. Eduardo Manuel Lopes Bruno da Costa.