Esta é uma parábola sobre dois mundos, duas épocas e duas civilizações separadas por aproximadamente 4.600 anos e 3.800 quilómetros.

Contam-nos os historiadores, que no antigo Egipto os faraós beneficiavam do estatuto de divindades, onde, após a morte, os seus corpos mumificados eram preparados para a ressurreição e para uma nova vida. Por isso, durante séculos procuraram soluções para concretizarem essa fantasia de terem uma casa para a eternidade. Construíram túmulos subterrâneos, cenotáfios, mastabas e pirâmides.

Na história do antigo Egipto é raro encontrar referências a segundas figuras na hierarquia do Estado. Sabemos que havia vizires, sacerdotes, chanceleres e nomarcas, mas quase todos passaram incógnitos. No entanto, há um que apesar da sua origem plebeia, recebeu o estatuto divino após a morte: Imhotep, o célebre arquiteto do faraó Djoser que no século XXVII a.C. projetou aquela que é reconhecida como a primeira pirâmide do Egipto, a pirâmide de degraus. Ainda viria a servir o faraó Tireis. A fama foi tal que até foi injustamente colocado como o antagonista em vários filmes produzidos em Hollywood sobre múmias.

Da pirâmide de degraus nas proximidades de Mênfis no Egipto, aos Paços do Concelho em Lisboa, a distância desta história tem milhares de anos e de quilómetros, mas as semelhanças com certas situações do presente são surpreendentes.

É certo que hoje já não almejamos aquelas “ressurreições”, nem os crematórios, campas ou jazigos são tratados como pontos de passagem para a outra vida.

Também já não se constroem pirâmides ou mastabas, quais casas para a eternidade – não comecem já a pensar que vou falar daquela invenção do Dr. Costa das “habitações vitalícias”, isso fica para outra oportunidade.

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Agora, as “construções” são mais efémeras, por vezes imateriais.

Criam-se cargos, inventam-se encargos, engordam-se governos, aumentam-se séquitos… verdadeiras cortes que incomodariam de inveja Luís XIV.

Em Lisboa, houve um vereador que teve a oportunidade única de durante 12 anos mandar na cidade, porque os dois “faraós” que serviu, primeiro Costa e depois Medina, percebiam muito pouco dessa coisa a que chamam de urbanismo.

Quando a coisa corria bem, os “faraós” lá estavam para ficar na fotografia. Quando aquilo dava para o torto, a pancada sobrava para o coitado do vereador.

À medida que o tempo foi passando acumularam-se os problemas. Um novinho quartel de bombeiros em Benfica foi demolido para ampliar um hospital privado. Surgiram umas torres porque se devem ter enganado e puseram uns produtos esquisitos quando fabricaram o betão, no quarteirão da Portugália devem ter abusado da cerveja e a coisa já caminhava para ter 16 andares, nas Picoas tiveram pena da solidão da torre do Sheraton e quando se chega ao Miradouro do Largo das Necessidades, pasmamos… não havia necessidade.

A cidade fantástica que António Costa anunciou na carta estratégia em 2010 foi-se desmoronando e a resposta às muitas promessas é uma sucessão de desilusões, que se resumem num simples epitáfio: reina o desnorte urbanístico na gestão da cidade.

Para desgraça do vereador, os faraós fogem de cena, aumentaram os ecos que era primo de um famoso banqueiro, misturaram o nome do primo com alguns dos polémicos empreendimentos que ele aprovara e começaram os movimentos reclamando a sua demissão.

Os “faraós” e o PS perceberam que o vereador se tornara um empecilho.

Por espantosa coincidência, há pouco mais de um ano em junho de 2018 a câmara aprovara uma grande reformulação da Sociedade de Reabilitação Urbana de Lisboa, transformando-a numa espécie de câmara municipal paralela.

E a solução foi óbvia. Tal como no tempo em que os faraós mandavam fazer pirâmides…

Criaram a primeira pirâmide em Portugal onde instalaram o ex-vereador que teve assim uma “ressurreição” para um novo cargo: presidente da SRU de Lisboa. Pela primeira vez, Lisboa é governada por uma múmia que se faz de morta e deixa de ser um incómodo político para os seus “faraós”.

Se a moda pega, não há limitação de mandatos que nos valha.