Desde o século XIX que o Atlântico Norte se tornou indispensável para a segurança europeia. Foi importante na Grande Guerra, determinante na Segunda Guerra Mundial e crucial na Guerra Fria. Durante esses períodos, o Atlântico Sul assumiu um papel secundário. Não banhava as costas da Europa nem dos EUA e a América Latina nunca deixou de estar debaixo de um razoável controlo por parte de Washington. Por seu lado, África era demasiado longe, pobre e subdesenvolvida.

Entretanto, as tecnologias desenvolveram-se, o mundo encolheu, no início deste século foram descobertas importantes jazidas de petróleo e gás natural no Atlântico Sul e a região ganhou uma importância estratégica nunca alcançada. Às riquezas naturais soma-se a geografia, o quanto o domínio do Oceano determina o acesso a terra, as alianças com os Estados dos continentes sul-americano e africano. Por fim, com a China surgiu um rival que tornou a região mais competitiva.

Esta é uma região onde Portugal teve uma presença determinante até há poucas décadas, tendo sido soberano em ilhas que ocupam posições geo-estratégicas importantes e com as quais mantém relações especiais. Sem esquecermos Angola que tem feito um investimento considerável na construção e modernização dos seus portos marítimos.

Desde 2007 que defendo a necessidade de Portugal assumir um papel mais activo no Atlântico Sul. Naturalmente, o nosso país não tem condições para competir com a China nem com a Rússia. Mas tem formas de incluir e enquadrar outros parceiros na região. Tanto Cabo Verde, como São Tomé e Príncipe precisam de investimento e de segurança no mar. Para quem está disposto a investir (e bem) tantos milhares de milhões de euros na Ucrânia, a aposta nestes arquipélagos são meros trocos. Projectos para a mitigação da seca em Cabo Verde, investimento em infra-estruturas como escolas, estradas, segurança alimentar, segurança sanitária são exequíveis para Portugal juntamente com outros países europeus. O estabelecimento de uma universidade em Luanda e outra em Maputo, de valor reconhecido e com projecção no continente, poderia ser uma mais-valia incontestável para Angola e Moçambique. A patrulha do Oceano, a defesa da costa, o combate ao tráfico de pessoas, drogas e de armas no Atlântico Sul é algo que pode ser enquadrado por Portugal no seio da NATO e através de uma parceria mais abrangente com o Brasil. Quem o diz é o próprio primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia da Silva. Quem tem consciência disto e fala do assunto sempre que pode no pouco tempo que deve ter disponível para falar dele, é o próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy.

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A NATO tem parcerias individuais com o Cazaquistão e a Geórgia, tem parcerias para a paz com a Irlanda, a Suíça e a Áustria, conta com parceiros globais como a Austrália, o Japão, a Coreia da Sul e o Paquistão, estabeleceu um diálogo institucional com os países do Mediterrâneo, como sejam o Egipto, Israel, Marrocos e a Tunísia, e lançou uma iniciativa de cooperação com o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e o Koweit. Basicamente está em todo o lado, menos no Atlântico Sul. Porquê?

As razões são simples e derivam da pouca importância estratégica associada ao facto de não ter havido outras potências interessadas nesta zona do globo. Ora, esta realidade mudou e é crucial para o nosso futuro que o Ocidente mude também a forma como encara a região e altere a sua estratégia nesse sentido. É nessa mudança e na forma como ela será conduzida que Portugal pode e deve ter um papel fundamental.

Como qualquer outro Estado, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Brasil e Angola pensam, antes de tudo o mais, nos seus interesses. Isso é perfeitamente natural e legítimo. Nessa medida, o interesse de Portugal será o de convencer esses Estados que os seus interesses também podem confluir com os dos ocidentais sendo-lhes oferecido algo que lhes mostre o que têm a ganhar em não tomarem apenas o lado da Rússia/China. Some-se a isso o facto de os EUA se confrontarem com um adversário (a China) mais poderoso que a URSS. Washington não tem meios para estar em todo o lado e é normal que estabeleça prioridades. Os Estados europeus não são pobres nem têm falta de meios para darem o seu contributo no combate aos novos desafios que confrontam o Ocidente. A Europa deve aceitar esta nova realidade o quanto antes e afirmar-se como potência parceira dos EUA. Para tal, cada Estado europeu, por si, em parceria com outros ou ainda integrado na UE ou na NATO deve colaborar na construção do novo equilíbrio que está na forja e no qual o papel de Portugal no Atlântico Sul constitui uma parte.

Não se trata apenas do futuro do Ocidente na competição com a China e no combate contra a Rússia. Está em causa o nosso futuro enquanto país, comunidade, mas também é do interesse de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, de Angola e do Brasil que tenham em Portugal quem não os veja como meros parceiros e aliados de circunstância. Na verdade, quando falamos desses Estados, desses povos, falamos de história, tradição, comunidades, vidas e famílias comuns. Entre nós não nos une apenas o interesse, mas a própria existência e forma de ser de cada um.

Há 15 anos, quando falava da relevância do Atlântico Sul e do papel que Portugal devia assumir, o assunto era encarado pelos meus interlocutores como idílico e fantasioso. Actualmente está na ordem do dia. Se tivéssemos agido na altura estaríamos a colher os frutos de trabalho feito. Agora, resta-nos meter mãos à obra o mais rapidamente possível.