As adesões da Finlândia e da Suécia à NATO parecem ser, ao dia de hoje, inevitáveis. Constituem, sem sombra de dúvidas, a mais importante mudança geoestratégica na Europa após o eclodir da guerra na Ucrânia.
As respetivas entradas ainda terão de ser aprovadas por unanimidade no Conselho do Atlântico Norte – o órgão político supremo da NATO – mas prevê-se que o processo seja relativamente rápido. Para tal contribuirá, decisivamente, o facto de estarmos a viver um momento absolutamente histórico, que marca um “terramoto” estratégico na política de neutralidade seguida por ambos os países.
Até ao início da guerra na Ucrânia, a adesão da Finlândia à NATO era impensável: há menos de um ano, por exemplo, as sondagens nacionais indicavam apenas 20% de apoio à adesão. Após a invasão da Ucrânia, esse valor subiu para 76%.
Os dois países nórdicos têm histórias completamente diferentes, mas perfilham atualmente um pensamento em comum: a Rússia de Putin é uma ameaça às suas respetivas soberanias territoriais. Entrar na NATO poderá ter as suas consequências, mas ficar de fora é, na avaliação de ambos, um risco muito maior – cuja ausência de tentativa de adesão –, mais tarde, dificilmente lhes seria perdoada.
A neutralidade da Finlândia era um dado adquirido, sobretudo por razões geográficas e históricas. O país só conseguiu a independência do Império Russo em 1917, na sequência da revolução bolchevique. Poucos anos depois, em 1939, conheceu a derrota às mãos dos soviéticos na 2ª Guerra Mundial, com a perda de mais de 10% daquele que era, então, o seu território.
Já a Suécia – país estrategicamente ligado à geografia finlandesa – tem uma história diferente. O estatuto de neutralidade data de há mais de 200 anos, o que lhe permitiu não estar envolvida na 2ª Guerra. Durante o período da Guerra Fria, a Suécia procurou manter uma política externa de não -alinhamento. Apesar de, em comparação com a Finlândia, o entusiasmo popular relativo à adesão da Aliança ser menor (51%), os suecos não quiseram ficar para trás, seguindo o exemplo do vizinho nórdico.
A cimeira da NATO, que terá lugar a 29 e 30 de junho em Madrid, ganha, assim, um enorme simbolismo: haverá, possivelmente, dois novos membros no elenco. Ainda que não sejam integrantes formais da Organização do Tratado do Atlântico Norte, serão já aliados e futuros 31º e 32º integrantes.
Convém recordar que a NATO é uma aliança cujos membros estão unidos por um acordo de Defesa Coletiva: refiro-me, em concreto, ao famoso artigo 5.º, que prevê que um ataque a um dos membros seja considerado um ataque a todos.
Assim, a Finlândia e a Suécia passarão a estar abrangidas por esta garantia coletiva, sendo que em caso de agressão externa, ambas devem tomar as medidas necessárias – incluindo o uso de forças armadas – para restaurar e manter a segurança da área de todos os países aliados.
Importa realçar que a Finlândia e a Suécia são países que não constituem, de todo, um “fardo” para a capacidade de defesa da NATO. A primeira, por exemplo, dispõe de um exército de quase 300 000 homens e de uma força de reservistas na ordem dos 900 000, facto facilmente explicado por uma estratégia de dissuasão para com a ameaça russa, que nunca deixou de pairar no ar.
Embora as forças armadas finlandesas sejam menores que as das principais nações europeias da NATO — como o Reino Unido, a França ou a Alemanha —, a sua longa preparação contra uma eventual agressão tornou o país um dos mais poderosos em termos de artilharia, vigilância do espaço aéreo e prontidão de mísseis.
A Suécia, por seu turno, tem vindo a reforçar a sua presença militar na ilha de Gotland, a região do país mais próxima da Rússia.
A guerra na Ucrânia veio alterar radicalmente a arquitetura da Defesa europeia. Putin enganou-se rotundamente nos cálculos, sendo que a invasão que ordenou teve o efeito precisamente oposto àquele que certamente pretendia: em meia dúzia de meses, a Aliança Atlântica passará a incluir 32 países. A entrada finlandesa na NATO dobrará a fronteira da Federação Russa com a Aliança Atlântica, uma vez que a Rússia partilha 1.300 quilómetros de fronteira com a Finlândia.
Apesar de atualmente apenas 6% da fronteira da Rússia ser com Estados-membros da NATO, Putin considera a expansão da Aliança uma ameaça para o seu país, tanto que a vontade da Ucrânia em aderir à NATO foi, precisamente, um dos motivos invocados para justificar a invasão.
A NATO e os valores que caracterizam os seus Estados-Membros, cujo livre-arbítrio, soberania e democracia são para si inegociáveis, está a dar a sua resposta, no momento em que tinha e tem, impreterivelmente, que a dar.
Embora a intenção de ambos os países em entrar na NATO seja absolutamente legítima, não devemos descurar o facto de tal poder provocar uma reação da Rússia, que ficará rodeada por membros da Aliança no Mar Báltico e no Ártico, daí o rastilho para a potencial ocorrência de incidentes na região do Báltico, onde estão estacionadas armas nucleares de dissuasão.
Vivemos tempos estranhos, incertos, com atrocidades que a todos nos revoltam e amarguram. É por isso que, mesmo apesar de todos os riscos inerentes, deixar de lutar pela nossa integridade e liberdade nunca será uma opção.