O que interessa e preocupa não é aquilo que este novo Governo é mas sim o facto de ele não poder ser diferente. Sim, neste novo governo sobressaem aquelas coisas bizarras como as Pescas terem passado para o ministério da Agricultura enquanto o Mar foi entregue ao ministério da Economia. Ou opções tácticas como a Juventude e o Desporto estarem agora sob a tutela dos Assuntos Parlamentares pela prosaica razão de que havia que equilibrar o poder (ou mais precisamente a falta dele) de Ana Catarina Mendes face aos outros aspirantes a sucessores de Costa que também fazem parte do Governo e ocupam ministérios mais luzentes, como acontece com Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva ou Fernando Medina. Sendo que no caso de Fernando Medina, e para lá das muitas interrogações sobre as razões que levaram António Costa a convidá-lo para a pasta das Finanças, se assiste simultaneamente a uma despromoção da pasta das Finanças. Sim, o ministro das Finanças, que vem habitualmente em terceiro lugar na orgânica governamental, surge agora em sexto, uma espécie de despromoção que faz crescer o protagonismo e o poder do ministério de Mariana Vieira da Silva. (Sobre este assunto vale a pena ver e ouvir a resposta de Manuela Ferreira Leite na CNN, quando interrogada sobre os conselhos que na qualidade de ex-ministra das Finanças daria a Fernando Medina: “O conselho que lhe podia dar era precisamente não ter aceite ficar em sexto lugar.”)
Mas se virmos além destes e doutros episódios, confrontamo-nos com algo muito mais grave: um país em que a natureza do regime conduziu a um bloqueio estrutural. Era assim há 48 anos e alguns dias. É assim de novo. Há 48 anos e alguns dias os bloqueios do país não podiam ser resolvidos porque colidiam com a natureza ditatorial do regime. Agora não podem ser resolvidos porque a natureza democrática do regime penaliza quem os enfrentar.
Há 48 anos e alguns dias Portugal vivia um bloqueio em torno do destino dos territórios ultramarinos. Todos os assuntos iam dar à guerra. Agora vivemos um novo bloqueio. Em causa não estão territórios mas sim a captura do país pelo Estado, ou mais propriamente por aquilo que Medina Carreira designava como Partido-Estado.
Há 48 anos o destino dos territórios ultramarinos não se podia resolver porque sendo o regime uma ditadura isso impossibilitava esses territórios de terem líderes, vida política e mecanismos de decisão. Logo tudo se circunscrevia a um problema militar. Obviamente o destino do país acabou nas mãos dos militares.
Hoje, após 48 anos de predominância socialista, aquilo que começámos por designar como Estado Social gerou um monstruoso Partido-Estado que não pára de crescer: aos funcionários públicos e pensionistas há que juntar os dependentes de subsídios, apoios, licenças, vagas… Esta conjugação entre dependentismo crescente face ao Estado e uma população envelhecida leva a que as eleições sejam cada vez menos o momento em que se escolhe quem governa mas sim a oportunidade para premiar quem garante que tudo pode ficar na mesma. E, nessa perspectiva, António Costa é praticamente imbatível: o actual primeiro-ministro não é reformista mas valha a verdade que mesmo que o fosse não o poderia ser. Afinal ele foi eleito precisamente para manter tudo na mesma. E se não for possível manter tudo na mesma que pelo menos mantenha o mais na mesma que puder ser e pelo maior período de tempo que conseguir. O país pode ir caindo para a cauda da Europa mas isso não é relevante pois o sucesso da governação passa não por promover reformas mas precisamente por conseguir transmitir a garantia de que se mudará o menos possível. Logo este governo que há alguns anos nos chocaria por, salvo honrosas excepções, ser um somatório de gente que nunca fez nada fora da política — chamávamos-lhes boys não era? — surge agora como o protótipo da máquina que garante a Situação. Como é que se sai da Situação?
Há 48 anos e alguns dias foi através de um golpe de Estado. Depois tivemos as mudanças ditadas exteriormente: adesão à CEE e programas de assistência. E agora como vai ser? Em Fevereiro, Vítor Bento publicava um ensaio, aqui no Observador, intitulado “Eleições e reformas num país onde o “grupo dependente” do Estado é largamente maioritário” em que alertava para a necessidade de se constituir uma coligação social reformadora pelo menos em torno de certos temas e dava o exemplo do aumento sustentável dos salários. A proposta é interessante mas dificilmente será seguida.
Por agora, os homens da Situação apostam na continuidade.
PS. Não concordo com aqueles que dizem que a maioria absoluta livra este Governo da necessidade de fazer concessões à extrema esquerda. Não só acho que não livra — Costa nunca governou nem quer governar com contestação nas ruas — como me parece que essas concessões estão já a ser feitas. Veja-se como PS, Bloco de Esquerda e PCP se sintonizam para que no parlamento os lugares da frente sejam ocupados por partidos à esquerda. Ou mais decisivamente ainda a ida de Pedro Adão e Silva para o Governo onde terá como função arredar do caminho do Governo os assuntos que, à semelhança do 25 de Novembro de 1975, dividem o PS da esquerda radical. Tudo isto não chegará para calar o PCP e o BE mas basta que eles se mantenham menos vocálicos.