O maior erro do governo PS na Educação confirmou-se agora, mas começou a desenhar-se logo na sua primeira manhã de vida. Ainda o ministro não teria experimentado a secretária, já a maioria parlamentar de esquerda (por iniciativa do BE) aprovava a eliminação das provas finais do 1.º ciclo, aplicadas aos alunos do 4.º ano. O pior nem foi isso – apesar de ser lamentável esta forma de legislar por impulso, por preconceito ideológico, sem debate público e sem qualquer indicador comparado para justificar a decisão. O pior veio a seguir: um vazio de avaliação que converteu as extintas provas finais dos 1.º e 2.º ciclos em provas de aferição que, percebeu-se logo e agora confirmou-se, são uma completa inutilidade.

Recuemos na explicação: o problema nunca foi a adopção de provas de aferição (que não contam para a avaliação dos alunos), em detrimento de exames ou provas finais (que contam para a avaliação dos alunos). Isso é algo que, ao longo dos anos, tem acontecido entre mudanças de governos. O problema maior e inédito foi que as novas provas de aferição surgiram com características que destruíram o próprio conceito de avaliação. Primeiro, aplicaram-se em anos que não eram os de final de ciclo (2.º, 5.º e 8.º) – e, portanto, impediram qualquer tipo de comparação com resultados anteriores, para identificar melhorias ou piorias. Segundo, aplicaram-se sucessivamente em disciplinas diferentes – impedindo, novamente, qualquer comparação entre anos de provas. E, terceiro, os resultados das provas não foram quantificados e publicados abertamente – impedindo, lá está, qualquer comparação entre resultados. Ou seja, a decisão do governo destruiu uma base de dados que, desde 2002, permitia a análise da evolução do sistema educativo, rompendo com um entendimento que atravessou PS, PSD e CDS – e atirando o sistema educativo para uma navegação às escuras, num completo obscurantismo educativo: sem evidências para guiar as políticas públicas.

Ora, para além do seu carácter nocivo ser evidente, a recente realização das provas de aferição confirmou a sua completa inutilidade para medir a evolução dos alunos. Repare-se neste exemplo, trazido por Paulo Guinote. Tendo sido avaliados no 5.º ano em 2016 a Português e Matemática, faria sentido que nas provas de aferição do 8.º ano, três anos depois (2019), se aferissem esses mesmos alunos nessas mesmas duas disciplinas – de modo a verificar se, entre o 5.º e o 8.º anos, os alunos haviam evidenciado uma evolução positiva na consolidação da sua aprendizagem nessas disciplinas. Não foi o que aconteceu. Em vez de Matemática, os alunos realizaram uma prova de aferição em História/Geografia que, em boa verdade, não permitirá qualquer tipo de avaliação (nem passada, nem futura) – constituindo, portanto, uma prova sem qualquer relevância.

Fazer da avaliação dos alunos um processo inútil, desconexo e burocraticamente “faz-de-conta” é uma irresponsabilidade. Nem que seja pelas razões mínimas: a ausência de informação sistematizada e comparável sobre os desempenhos dos alunos é crucial para a monitorização do sistema educativo e, sublinhe-se bem, para o acompanhamento da eficácia das políticas públicas implementadas. E é aqui que o cenário se agrava novamente: todas estas decisões coincidem no tempo com uma mudança estrutural do sistema educativo, que é a generalização da autonomia das escolas. Seja no âmbito da flexibilidade curricular (com gestão de 25% do currículo), seja na recém-anunciada nova geração dos “contratos de autonomia”, através dos quais as escolas poderão ir para além desses 25% de flexibilidade curricular, assim como apresentar “planos de inovação” para decidir sobre muitos outros aspectos da sua organização escolar e pedagógica. Ora, a questão não está nestes reforços da autonomia (que, por princípio, são positivos ao conceder às escolas maior poder de decisão). A questão é que, neste momento, no ensino básico, será praticamente impossível avaliar esta reforma: sem provas nem avaliações comparáveis, ninguém saberá realmente o que está a correr bem e o que deveria ser corrigido para correr melhor. Numa frase: o país ficará refém das versões do ministério e dos partidos, sem evidências que o público possa escrutinar.

Pense-se o que se quiser sobre o papel dos exames na educação. Mas é indiscutível que a ausência de escrutínio (através destas provas de aferição completamente inúteis) prejudica o desenvolvimento do sistema educativo. Foi por isso evidente, desde o primeiro minuto, o potencial destrutivo desta decisão do governo, cuja raiz está na maioria de esquerda no parlamento. Contudo, três anos passados sobre a existência do novo modelo de avaliação externa e das actuais provas de aferição, ainda restava uma pequena esperança que, afinal, alguma decisão se salvasse, que pelo menos as provas de aferição se comparassem de 3 em 3 anos (do 5.º para o 8.º ano), no fundo que coisa não fosse assim tão má. Mas foi, como as referidas opções nas provas deste ano mostraram. Já não há dúvidas: pior era mesmo impossível.

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