1 Não deixa de espantar a dificuldade exibida por Pedro Sánchez no lidar com a previsibilidade do erro. Nunca alcançando que os seus gestos politicamente mais relevantes trariam com eles não o voto ou a glória mas o anúncio do erro e da desvantagem, complexizando tudo ainda mais. O mestre do jogo desacertou em tudo na sua campanha eleitoral: que político é este capaz de tamanha amplitude – sísmica – de erro?
Qualquer observador leigo – não era preciso que fosse graduado da política – sabia ou antevia que estas eleições não serviriam para nada, desvirtuando a própria utilidade do acto eleitoral, reduzindo a zero a vantagem de o ter convocado mas prejudicando ao máximo o país e exasperado os seus habitantes; que as ambiguidades do poder central e as valsas não menos ambíguas de Sánchez face à questão catalã originariam factura pesadíssima; que a trasladação dos restos mortais de Franco seriam sempre vistos como o que foram: uma subido ao cume mais alto da demagogia com o cobiçoso olhar oportunisticamente posto na caça ao voto à sua esquerda (e para quê?); que os resultados das quartas eleições iriam enredar o novelo da insolubilidade e não soltá-lo, cavando mais o alçapão em que caiu a vida espanhola.
Há oito dias escrevendo aqui sobre o dom da “inspiração” classifiquei Pedro Sánchez como alguém politicamente muito “desinspirado” e a situação espanhola como “metendo medo”. Ficou pior: a acumulação do erro que advém da sua irresponsável e inútil repetição não pode senão obscurecer as mentes, turvar os olhares, impacientar os actores políticos, exasperar os eleitores.
Daqui em diante é com gente assim que a Espanha vai contar, tendo em pano de fundo a Catalunha sempre ao lume (mesmo quando há ruas calmas, escolas abertas, restaurantes cheios e a vida a parecer seguir o seu curso.)
2 Os algarismos eleitorais podem ser doces torrões de açúcar ou facas afiadas. Assassinaram politicamente Albert Rivera – que se demitiu – e afiaram bem o Podemos. Para Iglésias porém –apesar do plano cada vez mais inclinado onde rola o Podemos — foi como se nada fosse. Vestiu-se de cordeiro baixou o tom de voz e prometeu baixar o tem da exigência política (a arrogância é que nunca baixa), não se sabe é se Sánchez acredita no cordeiro que até hoje só foi lobo.
Pablo Casado mudou de visual, de discurso e de tom. Parece que lhe valeu a pena mas ou muito me engano ou não trocará o manter-se o indiscutível líder da oposição pela partilha (subalterna) do poder com Sánchez . E o mesmíssimo Sánchez sendo um politico daquela escola em que tudo o que vier da sua direita é “no!”, preferirá sempre o falso cordeiro mesmo desconfiando — et pour cause… – dele.
Abascal também, tal como previsto, soma e segue. E como não? Sánchez serviu-lhe a Catalunha, serviu-lhe Franco, e os outros serviram-lhe insultos e epítetos soezes, de modo que não se compreende bem o espanto alvoroçado por esta subida à montanha dos votos. Por este andar escalará outras ainda mais altas. Os ventos correm dessa feição. Mas era preciso analisar, radiografar, escalpelizar a sério o vento e a feição destas novas formações para (tentar) perceber o que as move, convence e convoca. Confiná-los ao insulto onde pobremente se esgota a esquerda é irrelevante. Assegura quando muito a sua boa consciência através do uso incessante da palavra passe – “extrema direita” – preferida pela extrema esquerda. Mas o estafado epíteto só os amplia.
3 Pouco se sabe ainda a não ser o pior: o recém pré-acordo assinado pelo PSOE e Podemos. De Pedro com o novo companheiro Pablo que quer tudo o que a maioria das pessoas racional e normalmente constituídas não costuma querer nem praticar. Sinalizou-se a diferença para pior. Ou seja, que o futuro não terá nem a consistência nem a decência – decência, sim, faz sempre falta e há pouca — de uma aliança cimentada por valores e objectivos comuns, trivialidade que parece ter caído em desuso. Viva o poder a qualquer custo mesmo que a Catalunha – e o resto – acabem mal.
Volto ao início: Sánchez não lida bem com a previsibilidade. O desastre está escrito nos astros.
4 Já agora… por falar em responsabilização política e em decência: tenho horror às meias palavras, meias tintas, ao fazer de conta e ao disfarce. Por isso, com todas as tintas e palavras: o veto do verbo a três novos partidos no parlamento cometido pelos deputados da esquerda a três dos seus pares é tão inaceitável que, estou certa, não ficará por aqui (à hora a que escrevo ainda está no vermelho).
Trata-se da máxima desclassificação cívica de um cidadão eleito, da máxima desqualificação de um deputado, do cúmulo da menorização de um político. Chama-se cuspir no eleito e, logo a seguir, no eleitor. É, eloquentemente, a democracia deles. Mas, resolva-se ou não, o rasto da arrogância deixou nódoa.