Dia 7 de setembro não escapou a ninguém uma notícia de conteúdo perigoso (ou se quisermos, cómico): cinco homens conseguiram fugir da prisão de Vale de Judeus antes das 10h da manhã, mas a própria da fuga só foi descoberta pela hora do almoço. Se as medidas de segurança atingiram um nível tão precário como o que foi descrito pelos meios de comunicação social, é possível imaginar o estado deplorável de todos os outros parâmetros. Há quem diga que este acontecimento diz muito sobre o estado da segurança das prisões em Portugal (e diz), mas provavelmente diz muito mais ainda sobre as condições em que se vive nas prisões portuguesas, e sobre a capacidade das mesmas para reabilitar indivíduos. E reabilitar não tem de querer dizer que o indivíduo vai voltar à sociedade em breve, mas é uma forma de mostrar que a sociedade não se esqueceu do indivíduo.

Dostoievski escreveu muitas obras maravilhosas sobre o ser humano, os seus valores, os seus pecados, as suas prisões, as suas dúvidas, os seus moralismos, falsos ou não. A literatura não pode nem deve ser esquecida e é um ponto de partida para a cura de muitas doenças sociais. Dostoievski escreveu muitas frases essenciais, mas destaco agora uma em especial, que muitos lhe atribuem, mas que, na verdade, ironicamente o autor nunca escreveu: “O grau de civilização de uma sociedade pode ser avaliado ao entrar nas suas prisões”. O que é facto é que estas palavras já foram citadas em inúmeros contextos, tantos que não se sabe quem as pensou pela primeira vez, mas a verdade é que, mesmo sendo incerto o autor das mesmas, continuam a merecer ser pensadas.

Aplicado ao que aconteceu em Alcoentre, poderíamos dizer que o grau de civilização de uma sociedade é avaliado pela facilidade com que se sai das prisões, mas a verdade é que é mais interessante pensar em como é que se sai. Sei o que estão a pensar… por uma escada. Mas será que as nossas prisões têm a capacidade de fazer com que os presos possam trabalhar, compreender e resolver as suas revoltas de forma a sair reabilitados? Seguramente há quem se preocupe muito pouco com as revoltas de um preso, “não serve para nada”.

Talvez sirva para alguma coisa. Um artigo da BBC, “How Norway turns criminals into good neighbours”, lança a pergunta: “Qual é o objetivo de mandar alguém para a prisão – retribuição ou reabilitação?” Nos anos 90, a taxa de reincidência criminal na Noruega rondava os 60-70%, o valor que ainda hoje corresponde ao dos EUA, mas, atualmente, a taxa já baixou para 20%. E porquê? Are Hoidal, hoje com mais de 40 anos de trabalho nas prisões norueguesas revela o truque: “Os guardas e os prisioneiros estão sempre juntos nas actividades. Comem juntos, jogam voleibol juntos, fazem actividades de lazer juntos e isso permite-nos interagir realmente com os prisioneiros, falar com eles e motivá-los”.

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Será que ainda estamos longe deste modelo de pensamento? O sistema prisional norueguês abandonou a abordagem da “vingança”. Trabalha-se a partir do modelo, literalmente, o guarda prisional não é um inimigo, não é um superior do ponto de vista humano, é apenas um superior hierárquico que cumpre mais do que o papel de manter presos os Homens. O guarda prisional passa a ser um agente ativo na tarefa de “libertar” os Homens, passe a metáfora.

Em 2019, o Diário de Notícias dava conta de que em Portugal “75% dos reclusos regressam ao crime”. Mas na verdade, estes dados não constam das estatísticas oficiais do Ministério da Justiça. Os últimos dados oficiais no nosso país são de 2003 e davam conta de uma taxa de 51%. É bastante revelador que os últimos dados oficiais sejam de há mais de 20 anos. Torna evidente a parca sensibilidade que existe em relação ao tema.

Uma sociedade avançada (à falta de melhor vocábulo) deveria ser uma sociedade que não perpetua os erros cometidos através de uma cadeia de pensamento sustentada pelo reforço da inferioridade, da dinâmica da vingança e da ignorância. Deveria ser uma sociedade que quebra o ciclo do erro através do conhecimento e da humanidade. “O grau de civilização de uma sociedade pode ser avaliado ao entrar nas suas prisões”. Em Portugal, o grau é 360º: fica tudo quase na mesma.