Uma reestruturação iminentemente centrada na “separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes”, tal como prevista no Programa de Governo, reafirmada em comunicado do MAI em 9 de dezembro de 2020, e resultante do plano de reestruturação do SEF a que o Diário de Notícias teve acesso, não poderá ignorar que as autoridades nacionais suscetíveis de receber pedidos de proteção internacional podem incluir a polícia, os guardas de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal dos estabelecimentos de detenção. Quem, por exemplo, combate a criminalidade fronteiriça deve, ainda assim, a título de exemplo, ser capaz de proactivamente identificar e remeter as pessoas em situação vulnerável, incluindo as que podem necessitar de proteção internacional, para as instituições e serviços de apoio. As funções policiais e investigativas não dispensam as funções decorrentes das obrigações internacionais de direitos humanos. O novo regulamento da Frontex não o ignora, pelo contrário, reforça-o. A reestruturação do SEF é uma oportunidade para reafirmar a indissociabilidade de ambas na gestão de fronteiras a nível nacional.

Em dezembro de 2019, entrou em vigor o novo regulamento da Frontex e com ele foi criada a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira, que, até 2027, será constituída  por um corpo permanente de 10 mil efetivos. O papel central que o regulamento atribui – na própria definição do seu objeto – aos direitos fundamentais na prossecução das competências da agência é o reflexo de anos de experiência de gestão partilhada de fronteiras com os Estados-membros e eleva a fasquia para o primeiro serviço uniformizado da União Europeia.

A reestruturação do SEF não deve ser descontextualizada das lições aprendidas pela Europa: é preciso fazer muito melhor. O ex-líbris do regulamento é a sua nova dimensão de salvaguarda dos direitos fundamentais, nomeadamente a previsão de que o Provedor da agência passe a dispor de uma equipa de agentes de controlo dos direitos fundamentais. É necessário adotar um robusto mecanismo interno de monitorização de direitos fundamentais também a nível nacional – esta é, aliás, uma das linhas orientadoras resultantes das recomendações do fórum consultivo da Frontex emitida em 2020.

A cooperação com outras partes ou setores relevantes deve também ser institucionalizada no novo estatuto do SEF e reconhecida como um instrumento de boa governação. A adequada implementação de direitos fundamentais a nível nacional é, por natureza, intersectorial; a gestão de fronteiras não é exceção. A criação de uma plataforma semelhante ao fórum consultivo da Frontex para o novo SEF, constituído, por exemplo, por representantes do ACNUR em Portugal, do Alto Comissariado das Migrações – assim como por organizações da sociedade civil – contribuiria para a contínua identificação de boas práticas e desafios.

É necessário, ainda, estabelecer como absolutamente prioritário que a formação seja – a nível nacional – obrigatória, contínua, de cariz iminentemente operacional e prática, adequada à panóplia de funções afetas à gestão de fronteiras. Funções estas que poderão estar relacionadas com a aferição de nacionalidade e identidade; entrevistas anónimas e voluntárias para recolha de informação; combate à criminalidade fronteiriça; recolha de impressões digitais para o Eurodac; controlo dos regressos forçados ou outras. Todas estas funções, inerentes à gestão de fronteiras, independentemente de serem prosseguidas pelo SEF, PJ, PSP ou GNR – têm potencial impacto no respeito aos direitos fundamentais.

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