É ainda cedo tirar conclusões sobre as últimas manifestações na Rússia pela libertação do opositor Alexey Navalny, mas é já evidente que algo está a mudar na sociedade russa, por muito que o Kremlin o negue.
Há já muitos anos que Moscovo não via uma manifestação tão numerosa nas suas ruas. Segundo as agências, ela juntou mais de 40 mil pessoas, número que, a julgar pelas imagens, está mais próximo dos 4 mil anunciados pela polícia.
Nesta onda de protestos, que teve início com a detenção, no Domingo passado, de Alexey Navlny ao regressar ao seu país da Alemanha, onde os médicos o salvaram de uma tentativa de envenenamento, há elementos novos de primordial importância.
Normalmente, quando a oposição se agitava em Moscovo, a província russa, mergulhada numa letargia, fazia de conta de que não via protestos ou, influenciada pela propaganda oficial, de que se tratava de mais uma iniciativa de um pequeno grupo de marginais, arruaceiros, degenerados, agentes estrangeiros, etc., etc. Porém, desta vez, as manifestações ocorreram em numerosas cidades do país, desde o Extremo Oriente, passando pelos Urais, até à Crimeia.
O frio parecia estar do lado do Kremlin, mas nem os 20, 30 e até 50 graus negativos, nem as ameaças da polícia fizeram com que milhares de pessoas viessem para a rua gritar: “Putin é ladrão!”, “Liberdade para Navalny!”
Em São Petersburgo, berço do golpe de estado comunista de 1917, milhares de manifestantes desfilaram pela primeira vez desde há muito tempo pela famosa Avenida Nevski.
Outro factor importante é o número crescente de jovens que participam nos protestos. Normalmente, os participantes nestas iniciativas eram intelectuais de meia-idade ou idosos que se recordam bem dos tempos em que as manifestações já eram vistas como uma coisa normal. Agora, são alunos de escolas e universidades que se sentem no direito de manifestar as suas opiniões sobre a situação no país.
Além do mais, parte dos russos que saem para as ruas não simpatizavam ou não simpatizam com Navalny, mas entendem que Vladimir Putin e a sua corte se quer eternizar no poder, que a corrupção existente ameça fazer da Rússia um país “terço-mundista”.
Não foi por acaso que o documentário “O Palácio de Putin”, realizado por Alexey Navalny e pelo seu Fundo de Luta contra a corrupção, teve mais de 73 milhões de visualizações só no Youtube.
Claro que seria errado e tendencioso pensar que todos esses milhões irão aderir a um partido de Navalny quando ele tiver possibilidade de o formar ou votar nele quando existir a oportunidade de ele participar em eleições minimamente transparentes. Todavia, é um sinal claro de que são cada vez mais os russos que estão fartos dos cleptocratas reunidos em torno do “czar do bunker”, das redes mafiosas criadas e protegidas pelos serviços secretos e a polícia russos.
As justificações que a propaganda oficial russa dá para o aumento da repressão são pouco convincentes. Por exemplo, alegam que a proibição de manifestações de deve ao confinamento, mas esquecem-se de acrescentar que Vladimir Putin nunca achou necessário impor esse estado no país. Além disso, a Constituição russa não exige pedidos de autorização para a realização de manifestações políticas, mas apenas um aviso, o que foi feito pelos manifestantes.
Quanto à acusação de incitamento pela oposição da participação de menores (na propaganda oficial, crianças), não tem grande fundamento, pois os alunos das escolas com 15, 16 ou 17 anos não perguntam a Navalny ou a ninguém se podem manifestar a sua opinião nas ruas.
Vladimir Putin e a sua corte irão continuar a ridicularizar e minimizar os protestos, a aumentar o já longo rol de leis repressivas, a permitir à polícia de choque agredir mulheres com pontapés na barriga, como aconteceu em São Petersburgo, mas as ondas de protesto, se aumentarem e ameaçarem a solidez do actual regime, poderão contribuir para que os oligarcas e a elite política se livrem de Putin, não se excluindo através de veneno.
É também de salientar que a forma violenta como as forças policiais actuaram pode melhorar a imagem internacional da Rússia em países como China, Coreia do Norte, Cuba ou Venezuela, mas certamente não contribuirá para a normalização de relações entre o Kremlin de Moscovo e a Casa Branca norte-americana.
Por outro lado, a partir de agora, as forças da oposição russa têm uma tarefa muito difícil, que é manter viva a chama do protesto no meio do Inverno e até às eleições parlamentares no Outono. Alguns defendem que Navalny regressou da Alemanha cedo demais e que devia ter esperado por frios menos rigorosos, mas o passo está dado. A oposição já prometeu novas manifestações para breve.
Vladimir Putin diz não ter medo e recusa-se a pronunciar o nome de Navalny, mas, como meio de prevenção, a polícia deteve mais de três mil manifestantes.