Recentemente, vários ex-políticos e diplomatas levantaram suspeitas sobre a saúde mental Putin, referindo que estaria diferente, desequilibrado, errático, louco, etc. Estas declarações revelam alguma ingenuidade política —tal como ocorreu com o antigo primeiro ministro inglês Neville Chamberlain quando subestimou Hitler antes da II Guerra Mundial —, pois na verdade Putin já há muito tempo que demonstrou possuir várias características psicopatológicas que são comuns à maioria dos ditadores. Refiro-me aos traços de perturbação de personalidade antissocial e narcísica. Se recordarmos os sinais de megalomania, mitomania, e o desejo de glorificação pela reconquista do império russo, o resultado só poderia ser um: a guerra.

Convém referir que o estudo das personalidades dos tiranos apresenta sempre algumas limitações, dada a impossibilidade de avaliação direta individual, embora isso não invalide que se identifiquem alguns critérios de diagnóstico utilizados nos manuais de psiquiatria. Mas, ainda que se consiga alguma tipificação da personalidade, há sempre outras variáveis que desconhecemos e que influenciam o modo de pensar e agir de quem está no poder.

A história ensina-nos que existem combinações explosivas. Quando um ditador apresenta uma personalidade que revela ausência de empatia, uma necessidade patológica de admiração, ideias de grandeza e defende uma ideologia política nacionalista, os resultados podem ser catastróficos.

A humilhação sofrida pela Alemanha no Tratado de Paz de Versalhes, assinado em 1919, alimentou o ressentimento e o desejo de vingança dos nazis, concretizado através da II Guerra Mundial. Os líderes políticos ocidentais não souberam aprender com a história e ignoraram os sinais. A Rússia nos últimos tempos tem sido liderada por um tirano narcísico que fomenta o nacionalismo, e que está dominado pelo ressentimento de que o país tem o direito histórico à grandeza anterior. O plano de reconstituição do império russo foi congeminado meticulosamente nos últimos anos, e para o executar faltava apenas identificar um inimigo externo. Neste caso, o inimigo eleito foi um “bando de drogados e neo-nazis” que tomou o poder em Kiev e mantém “refém todo o povo ucraniano”.

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Um problema associado à guerra prende-se com a escalada das atrocidades, pois todos nós somos portadores potenciais de uma enorme carga de violência, embora habitualmente em condições normais nunca chegamos a exercê-la. Num conflito armado, a agressividade vai crescendo, o autocontrolo individual e coletivo diminui drasticamente. Por outro lado, cria-se uma “engrenagem de ordens” hierarquizada, algumas das quais totalmente irracionais, em que o ser humano não questiona, não pensa, fica robotizado, e limita-se a cumprir. Aliás, o cumprimento de ordens foi a explicação mais utilizada pelos nazis para justificar os crimes de guerra, nos julgamentos em Nuremberga.

O mal é muitas vezes perpetrado por pessoas comuns que regem às circunstâncias. Hannah Arendt cunhou o termo “a banalidade do mal” para explicar que pessoas normais podem cometer crimes atrozes.  Os indivíduos são conduzidos para uma “dissolução moral”, desaparecendo progressivamente a perceção dos limites entre o bem e o mal Consequentemente, quanto mais tempo durar o combate maior é o risco de surgir uma “psicopatia coletiva”, aumentando a violência e os crimes de guerra, levando ao abismo da decadência humana. Este é um argumento importante para se evitar, a todo o custo, que o conflito se prolongue.

Voltando ao caso de Putin, existem outras variáveis que podem influenciar o seu comportamento. A resistência à invasão que o exército russo está a encontrar por parte dos ucranianos, provavelmente não estaria nos planos do ditador. Esta frustração pode tornar-se perigosa, aumentando a sua instabilidade emocional, criando-se condições para que recorra a estratégias mais violentas (apesar de Putin já ter evocado o seu poder nuclear, fala-se agora no risco da utilização de armas químicas). Ou seja, não se espere desta personagem um comportamento racional ou previsível. Este é o autêntico Putin; um homem obstinado, cruel e perturbado. E como é que se negoceia com um individuo com esta condição mental? É muito difícil.

Habitualmente as negociações de paz têm sucesso quando há um impasse militar ou quando uma das partes do conflito vence a outra. Esperemos que, no caso da guerra da Ucrânia, haja uma terceira via para as negociações de paz. Seria desejável que Putin, num interstício de lucidez, aceitasse negociar a paz, evitando figurar na lista das figuras mais cruéis e desprezíveis da história da humanidade.