O primeiro-ministro com uma indignação e uma assertividade que não se lhe viram aquando dos incêndios de Pedrogão, declarou no parlamento a propósito do incêndio de um canil em Santo Tirso, perante o menear assertivo de cabeça de André Silva do PAN: “Vi aquilo que foi de facto o que disse e bem, o massacre chocante dos animais em Santo Tirso. É absolutamente intolerável o que aconteceu. Quanto à orgânica do Estado, não tenho dúvidas que a temos que repensar porque obviamente a Direção-Geral da Alimentação e Veterinária não está feita para cuidar de animais de estimação e manifestamente não tem revelado capacidade ou competência de se ajustar à nova realidade legislativa que temos”. Aquilo que António Costa designa como nova realidade legislativa é a submissão da competência técnica às tácticas dos políticos: a nova realidade legislativa nesta matéria é um absurdo. E para mais um absurdo que não se consegue cumprir.
Recordo que em 2016 o parlamento aprovou por unanimidade legislação proibindo o abate de animais nos canis municipais. Em 2020, o resultado dessa legislação está aí na proliferação de “abrigos” infectos, canis municipais superlotados e matilhas de “cães errantes”. Mas o país, incapaz de pedir contas aos políticos pela aprovação de legislação por razões absolutamente populistas (o PAN chegara ao parlamento em 2015 e era grande o medo entre os demais partidos de perderem votos para os auto-proclamados defensores dos animais) assiste agora desinteressado a este ataque de António Costa a um serviço estatal que manifestamente não podia cumprir uma legislação desadequada à realidade. Afinal nunca como agora se falou tanto em Natureza, ambiente, campo… mas nunca o desconhecimento e o desinteresse sobre tudo isso foi tão grande: os ataques de “cães errantes” (versão politicamente correcta dos outrora vadios ou assilvestrados) a rebanhos mal são notícia fora das colunas dos jornais locais. A versão Disney da vida rural não concebe que uma matilha desses cães mate cabras e ovelhas ou que ataque as populações rurais.
A criação de uma direcção-geral à medida dos interesses do PAN será provavelmente o próximo passo pois o incêndio no canil de Santo Tirso tornou-se o pretexto para satisfazer uma exigência do PAN: a amputação da Direcção-Geral de Veterinária (DGAV) através da criação de uma muito fofinha direcção-geral dita de “defesa da protecção e bem-estar animal” versus a DGAV que segundo o PAN é “produtivista e de defesa dos interesses dos agentes económicos”. Esta concepção do PAN do bem-estar animal versus os interesses económicos é uma falácia: os interesses económicos associados ao mundo “não produtivista” dos animais de companhia são enormes. Não por acaso encontramos fabricantes de rações e prestadores de serviços para animais de companhia a patrocinarem as associações que dizem defender cães e gatos: este é um mercado que vale mais de 750 milhões de euros por ano. O PAN não vê interesses económicos nas teses de que temos de recolher, alimentar e tratar todos os animais susceptíveis de serem definidos como de companhia?
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