Robert Lucas, professor na Universidade de Chicago e prémio Nobel da Economia de 1995, liderou nos anos 70 e 80 do século passado uma revolução anti-keynesiana dentro da comunidade académica de Economia. Lucas considerava que a “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” de John Maynard Keynes, publicada em 1936, era um livro confuso e mal escrito. Na verdade, esta crítica é razoavelmente consensual. Prova disso é que ainda hoje se publicam artigos e livros a discutir o que o homem queria dizer. Há entre os seus seguidores os que se consideram os verdadeiros keynesianos, sendo os outros os keynesianos bastardos. Mesmo Paul Krugman, um bastardo assumido, diz que se está nas tintas para as interpretações e reinterpretações que se fazem de Keynes. Apenas lhe interessa o que, na história do pensamento económico, ficou conhecido como a síntese neoclássica, protagonizada por John Hicks (prémio Nobel em 1972) e Paul Samuelson (prémio Nobel em 1970). Mas Lucas vai bem mais longe nas suas críticas, considerando que a Teoria Geral de Keynes é, em diversos pontos, um livro intelectualmente desonesto.

Um dos principais pontos de disputa é sobre a existência de desemprego involuntário, conceito central na teoria keynesiana e, diga-se, nas nossas estatísticas de emprego também. Hoje em dia, o INE só considera que uma pessoa está desempregada se essa pessoa estiver activamente à procura de emprego, ou seja, se estiver involuntariamente desocupada. Para Robert Lucas, a distinção entre desemprego voluntário e involuntário de Keynes era enganadora e não passava de um mero artefacto intelectual. Segundo Lucas, só está desempregado quem quer. Evidentemente que um trabalhador que seja despedido (ou cuja empresa vá à falência) não se voluntaria para ficar desempregado. Mas, uma vez nessa situação, tem sempre a opção de aceitar o primeiro emprego que lhe apareça à frente, por mais baixo que seja o salário. Ou seja, se continua desempregado é porque as opções são piores e não porque sejam inexistentes. Como escreveu Alan Blinder, professor na Universidade de Princeton e conselheiro económico de Bill Clinton, em tom desdenhoso, para Lucas um desempregado tem sempre a opção de ir engraxar sapatos ou ir vender maçãs para a beira da estrada. Se não o faz é porque opta por não o fazer. Claro que, em Portugal, a ASAE não deixava. E mesmo que vá vender bolas de Berlim para a praia, arrisca-se a apanhar com um inspector das finanças que estará preocupado com os recibos.

Por muito caricata que pareça ser esta visão do desemprego, a verdade é que ela está por trás de muitas das políticas de estímulo ao emprego que estão a ser seguidas em Portugal. Por exemplo, foi já antes da troika vir que em Portugal se começaram a reduzir os apoios aos desempregados. A vinda da troika apenas veio acentuar esta tendência. E, ao contrário do que alguns pensam, os motivos dos cortes ao subsídio de desemprego não eram apenas orçamentais; eram também para combater o desemprego. Usando a linguagem de Robert Lucas, o objectivo era aumentar o custo de oportunidade do desemprego para que as pessoas prefiram ir trabalhar. Em linguagem corrente, a ideia é levar os desempregados ao desespero para que aceitem o primeiro emprego que lhes surja à frente.

Em 1984, Arjo Klamer, professor de Economia da Cultura na Universidade de Erasmus, em Roterdão, entrevistou uma série de economistas da corrente de pensamento de Robert Lucas (os chamados novos-clássicos) e também seus opositores. Quando entrevistou Robert Lucas, confrontou-o com o facto de ter sido conduzido por um taxista que, na verdade, era um contabilista que não encontrava emprego; Lucas respondeu, rindo, que essa pessoa não era desempregada, mas sim um taxista. Arjo Klamer retorquiu que seria um taxista frustrado. Ao que Lucas, simplesmente, contrapôs dizendo que uns tinham sorte e outros azar.

Se esta conversa se tivesse passado agora, muito provavelmente o contabilista desempregado estaria ao volante não de um táxi mas de um carro Uber. Vivendo em Braga, ainda não tenho esta forma de transporte, pelo que estou pouco familiarizado com ela. Mas os dois condutores Uber que conheço no Porto são, precisamente, duas pessoas que perderam o emprego e, ao fim de alguns meses de desespero, agarraram essa oportunidade. Depois de se reduzir drasticamente o apoio ao desemprego, a Uber é uma alternativa para quem se encontra nessa situação. Uma alternativa muito precária, com contratos muito pouco seguros, que, provavelmente, poucos verão como solução de longo prazo. Mas uma alternativa melhor do que ir engraxar sapatos para a estação de comboios. Com a uberização da sociedade, o mercado laboral fica mais próximo da perspectiva de Robert Lucas

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