A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva (…)
Tratado da União Europeia, artigo 3.º/3

A primeira grande comunidade nascida na Europa após a II Guerra foi a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1951, que teve como países fundadores dois dos principais beligerantes, Alemanha e França, aos quais se juntaram a Itália e os países do “Benelux”, uma união aduaneira entre Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, que tinha entrado em vigor em 1948.

A CECA nasceu com o objectivo de dissipar a desconfiança mútua entre a França e a Alemanha. Uma vez que o carvão e o aço eram essenciais para fazer a guerra, os países signatários, para assegurar a paz, prescindiram da sua autonomia na gestão destas matérias-primas e confiaram-na a uma autoridade independente e supranacional, então com Jean Monnet como presidente da comissão executiva (ou Alta Autoridade, como se chamava).

O sucesso da CECA levou em 1952 à proposta de constituição de uma comunidade de defesa europeia e, mais tarde, de uma comunidade política europeia. Eram, todavia, passos longos demais: a opinião pública francesa ficou dividida e os projectos foram abandonados. Com ambições mais modestas, foi então assinado, em 1957, entre os mesmos países, o tratado da CEE, que tinha como objectivo a criação de um vasto “mercado comum” (agora “mercado único”), um espaço económico sem fronteiras internas, em que fosse assegurada a livre circulação de mercadorias, trabalhadores, serviços e capital – as “quatro liberdades”.

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Um millennial português terá dificuldade em imaginar um país do qual não pudesse sair com mais de vinte contos na carteira, e em que para ir a Badajoz fosse obrigado a preencher uma série de papéis na fronteira, sujeitando-se a ter o carro revistado quando voltasse a Portugal, não fosse ele trazer mais do que caramelos.

Com a adesão de Portugal à CEE em 1986 abriu-se um mundo novo para os produtores, os trabalhadores e os prestadores de serviços portugueses. Estes, em contrapartida, deixaram de estar protegidos da concorrência estrangeira. Naturalmente, o PCP e a extrema-esquerda foram contra a adesão à CEE, numa altura em que ainda existiam as ditaduras comunistas de leste, países dos quais os cidadãos não eram sequer livres de sair.

Quem ganhou com tudo isto? Os consumidores. Um mercado vasto e aberto, sem restrições alfandegárias e proteccionismo, garante maior eficiência da alocação de recursos. A expressão “canalizadores polacos” popularizou-se no Reino Unido a seguir à adesão de dez países de Leste à União em 2004 para simbolizar os novos cidadãos da União que entravam no país para realizar trabalhos com maior competência e a mais baixo preço do que os locais. Os trabalhadores britânicos não gostaram, mas os consumidores ficaram mais bem servidos.

O projeto da agora União Europeia, que tinha como objectivo criar uma vasta economia liberal na Europa, teve desde o início implicações que foram além da economia. Os franceses exigiram a PAC (Política Agrícola Comum), que dura até hoje, para proteger os agricultores franceses da concorrência. Os italianos quiseram o Fundo Social Europeu, para dar preparar as populações das regiões mais desfavorecidas (o sul de Itália) para o impacto de um mercado aberto.

De facto, o mercado único europeu tem muitas diferenças face a um mercado nacional. Se um algarvio quiser ir trabalhar para Trás-os-Montes, poderá fazê-lo sabendo que se lhe aplicará o mesmo sistema fiscal, a mesma legislação laboral, a mesma moeda, as mesmas taxas de juro, o mesmo modelo de segurança social ou a mesma legislação criminal, e que estará inserido numa estrutura social com um nível de desenvolvimento similar. Não é assim na Europa.

Um algarvio tem hoje plena liberdade de ir trabalhar para a Dinamarca, em condições iguais às dos dinamarqueses, mas estará sujeito à legislação dinamarquesa e a ser pago em coroas dinamarquesas.

Daí ter havido uma preocupação em assegurar que a comunidade económica fosse acompanhada de harmonização legislativa e de coesão económica e social, bem como de uma cooperação eficaz na justiça, na administração interna, na gestão de fronteiras com países terceiros, na defesa e na diplomacia. É este “invólucro” que constitui a actual União Europeia.

A União Europeia, como “espaço de liberdade, segurança e justiça” – conforme definição dos Tratados – é assim uma consequência quase inevitável da CEE. Para que a comunidade económica liberal funcione, vários outros factores não económicos têm de ser assegurados.

Não nos podemos esquecer de que a liberdade de mercado está no centro de tudo. Nesse sentido, a União é um projecto profundamente liberal, que permite tirar o máximo proveito da liberdade individual de empreender e trabalhar, em livre concorrência, sem restrições proteccionistas dos Estados, cabendo unicamente aos consumidores avaliar a qualidade dos produtos ou dos serviços prestados.

Portugal, após a adesão, teve um impulso liberalizador, mas este esmoreceu fortemente nos últimos anos, em especial durante a “longa noite do Costismo”. Portugal não cumpre ainda plenamente os Tratados, e quando cumpre, fá-lo quase sempre forçado, como contrapartida de receber fundos europeus.

A Comissão Europeia, o “Governo” da União, é formalmente a “guardiã” dos Tratados, mas não consegue estar em todo o lado a todo o tempo. Compete aos portugueses colocar na agenda da Comissão, através do Parlamento Europeu e de outros mecanismos disponíveis, os casos concretos em que o liberalismo económico, tal como é previsto nos Tratados, ainda é coarctado em Portugal.