Chegou a vacina mas, como era de recear, os reflexos espontâneos da elite política reinante neste canto da Europa foram infelizes: não só substituíram a senhora de idade que inaugurou o processo de vacinação na Grã-Bretanha, em Espanha e no resto da Europa, por um director de hospital, como iniciaram esse prolongado caminho com uns escassos milhares de vacinas a dividir por duas tomas, não chegam para cinco mil profissionais de saúde… quando são mais de cem mil só no sector público!

A ‘gaffe’ dos mandantes governamentais ilustra o começo de um processo que está muito longe de acabar quando o presidente da República fôr reeleito. Entretanto, aguardam-se mais de 70.000 vacinas… Mas ainda há pouco tempo a «task force» falava em vacinar 75.000 mil pessoas por dia! Veremos, pois! Simultaneamente, o sector privado e a rede de farmácias foram excluídos das imagens televisivas do grande acontecimento… Como de costume, o PS está mais preocupado com os seus clientes eleitorais e com as televisões do que com os idosos dos centros de saúde e os dois milhões de pessoas com 70 ou mais anos de idade que constituem o alvo da esmagadora maioria dos óbitos registados pela DGS! Os outros infectados, felizmente, transmitem nas não morrem…

O governo continua, pois, a varrer sistematicamente para debaixo do tapete o facto de a esmagadora maioria dos óbitos ter lugar entre pessoas com bastante idade, metade ou mais das quais morreram nos chamados «lares» legais e ilegais que os sucessivos governos têm deixado andar sem controle efectivo nas últimas décadas. As entidades oficiais já anunciaram que em breve serão vacinados os residentes nos «lares»: veremos quão breve!

Dito isso, não é revelado quantas são as instituições nem quantas as pessoas institucionalizadas. Estes dados são certamente conhecidos pelas autoridades mas não são revelados. Considerando, porém, que o «índice de dependência» dos idosos em relação à população activa equivale já a 30%, deduz-se como é significativo o peso dos idosos sobre os sistemas de pensões e de saúde, nomeadamente em caso de institucionalização, frequentemente acumulada com doença prolongada e solidão.

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Este quadro, que afecta a generalidade dos países europeus, onde a longevidade não cessa felizmente de aumentar, pode contudo ser dramático do ponto de vista humano sem intervenção rigorosa do Estado, como tem sucedido. Estranha, pois, que as prioridades aparentemente assumidas pelo governo no que diz respeito à vacinação não tenham na devida conta as pessoas institucionalizadas e, imediatamente a seguir a elas, as pessoas com 65 anos ou mais, as quais constituem os restantes 10% dos óbitos verificados desde o início da pandemia, além daqueles contabilizados como «excesso de mortalidade» devido igualmente à pandemia, conforme tem sido discutido universalmente.

A prioridade conferida, aparentemente, a grupos etários mais jovens é tanto mais discutível quanto a população continua a ignorar o calendário exacto e o volume de vacinas enviadas pelos fabricantes conforme decisão das autoridades europeias. Quanto à nossa localização geográfica, ela favorece porventura o turismo de massa no Verão mas não o transporte de vacinas no Inverno… Por último, a entrega do processo burocrático de vacinação aos «Centros de Saúde», cujo gradual desmantelamento remonta ao ministério Correia de Campos e foi prosseguido por Paulo Macedo, com a crescente pressão sobre os hospitais, tal burocratização arrisca-se, portanto, a arrastar o processo ao longo dos meses e a falhar as convocatórias, conforme aconteceu com a vacina contra a gripe!

Não é de esperar, porém, que os «media» intercedam, por assim dizer, a favor dos mais necessitados nem tão pouco que defendam o recurso imediato às farmácias e ao sector hospitalar privado, ao qual muita gente se tem dirigido perante o esgotamento das capacidades públicas. Por mais ideologia e propaganda que o governo e as suas «muletas» introduzam nesta conjuntura tão difícil, o futuro do sistema público de saúde está definitivamente comprometido pelo seu custo crescente e pelas próprias estratégias dos profissionais de saúde, assim como pelas estratégias de boa parte dos utentes.

É pois hora de acabar com instituições corporativas criadas no tempo de Salazar e inadequadas às condições sócio-económicas actuais como a ADSE (3% apenas do gasto com saúde no país), criando um eventual seguro de saúde universal conforme ao cálculo actuarial de riscos e expectativas, e válido no público como no privado conforme acordos… Bases para tanto não faltam e tudo é melhor do que o actual sistema secreto de financiamento do SNS!

À partida, é bom ter presente que, no ano anterior à pandemia, os portugueses pagaram cerca de 20 mil milhões de euros com os serviços de saúde (pouco menos de 10% do PIB): quase metade deles foram pagos por nós ao Estado sem qualquer controlo e o resto foi pago directamente do nosso bolso aos prestadores de serviços privados!